
Como lidar com a hesitação vacinal na era da desinformação

Surtos de doenças que podem ser prevenidas por vacinas, como sarampo e coqueluche, estão novamente nas manchetes. E não apenas em países com acesso limitado à saúde, mas também em regiões onde a vacinação é gratuita e amplamente disponível. A Suíça nos mostra que a confiança é mais poderosa do que a pressão.
Em 2024, a Região Europeia da OMS registrouLink externo o maior número de casos de sarampo em mais de 25 anos. Nos Estados Unidos, um surto recente resultou nas primeiras mortes atribuídas ao sarampoLink externo em mais de uma década. Agora, o país corre o risco de perder o status de eliminação da doença, alcançado em 2000.
Esses surtos, que são parcialmente causados pela diminuição da cobertura vacinal, são um lembrete de que a imunização permanece sendo um fator vital para o controle e a eliminação de doenças infecciosas. Nos últimos anos, as preocupações e dúvidas sobre a necessidade, a segurança e a eficácia das vacinas têm se intensificado. E, embora a hesitação não leve necessariamente à recusa em se vacinar, ela ainda pode fazer com que as pessoas atrasem ou não tomem doses de reforço, além de ocasionar uma menor cobertura geral – fatores que aumentam o risco da disseminação de vírus e infecções bacterianas potencialmente fatais.
Enquanto governantes do mundo todo lutam contra o aumento da hesitação vacinal, a experiência da Suíça com os profissionais de medicina complementar e alternativa (MCA), que são bem integrados ao sistema de saúde e geralmente considerados mais abertos e compreensivos, mostra como uma comunicação empática e centrada no paciente pode fazer a diferença.
Embora seja frequentemente retratada pela mídia como uma postura antivacina, a hesitação é, por definição, “um estado de indecisão e incerteza antes de tomar uma decisão” sobre a vacina, explica Heidi Larson, professora de Antropologia, Risco e Ciência da Decisão na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Larson fundou o grupo de pesquisa Vaccine Confidence ProjectLink externo em 2010, com o objetivo de entender melhor o aumento do ceticismo e da desinformação sobre vacinas.

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É por isso que não se deve classificar as pessoas simplesmente como “a favor” ou “contra” as vacinas, alerta Michael Deml, pesquisador do Departamento de Doenças Infecciosas do Kantonsspital Baselland, o principal centro de saúde da região da Basileia. “É muito mais complexo e repleto de nuances”.
As pessoas podem ter dúvidas sobre uma vacina específica, preocupar-se com o número de doses que seus filhos recebem em um curto período de tempo ou ter questionamentos suscitados por algo que leram ou ouviram, diz Deml, que tem pós-doutorado em Epidemiologia e Saúde Pública. “É um espectro”, acrescenta. “Mas a proporção de pessoas que são totalmente contra as vacinas é realmente pequena – cerca de 1-2% na Suíça”. Estima-se que o número seja de cerca de 3% no Reino Unido e 7% nos EUA e no Canadá, de acordo com um estudoLink externo publicado em 2022.
Esses grupos podem ser pequenos, mas costumam ser muito visíveis e barulhentos, diz Philipp Dreesen, professor de Linguística Digital e Análise do Discurso na Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique (ZHAW). Ele lidera um projeto de pesquisa sobre o discurso em torno das vacinas na Suíça de língua alemã e como ele evoluiu entre 2000 e 2025. “Há uma parcela muito maior e mais silenciosa da população que é simplesmente hesitante ou cautelosa”. E é nesse grupo indeciso que as autoridades de saúde pública deveriam focar, diz ele, pois são pessoas que ainda estão abertas a informações e orientações.
Velhos medos, novas plataformas
A hesitação vacinal não é nova nem exclusiva da era digital. “Ela existe desde que as primeiras vacinas foram desenvolvidas”, diz Dreesen. Embora as particularidades variem de acordo com a época e os indivíduos, as preocupações subjacentes permanecem as mesmas: efeitos colaterais, segurança e a questão de saber se uma determinada vacina é realmente necessária.
Ao longo das últimas décadas, no entanto, a hesitação aumentou, informa Larson. Essa é uma tendência que os especialistas atribuem ao efeito amplificador da internet e das redes sociais, que conseguem disseminar rapidamente informações incorretas e alimentar dúvidas. Em 2019, a hesitação vacinal foi apontada como uma das dez principais ameaças à saúdeLink externo pela Organização Mundial da Saúde (OMS), permanecendo até hoje um problema urgente. Em dezembro de 2024, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, reiterouLink externo o foco contínuo da organização no combate a “notícias falsas, mentiras, teorias da conspiração e desinformação”, que abalam a confiança em políticas de saúde baseadas em evidências, incluindo programas de imunização.
Em toda a União Europeia, a confiança do público nas vacinas diminuiu, de acordo com uma pesquisa realizada pela Comissão Europeia e pelo Vaccine Confidence Project. A parcela de entrevistados que dizem acreditar que as vacinas são importantes caiu de cerca de 92% em 2020 para 81,5% em 2022, com reduções observadas em todos os 27 Estados-membros, com exceção da Suécia. A confiança na eficácia das vacinas caiu de 89,7% para 85,6% e, em 16 países, menos de 80% dos entrevistados disseram concordar que as vacinas são seguras.

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O Reino Unido sofreu um declínioLink externo ainda mais acentuado: em 2023, apenas cerca de 70% dos adultos disseram que as vacinas infantis eram importantes, em comparação com mais de 90% em 2018. Na Suíça, o número permaneceu relativamente estável durante o mesmo período, mas é igualmente baixo, em torno de 69%.
Em países de alta renda, há uma certa relação entre a hesitação vacinal e o fato de ser de classe média alta, altamente educado e preocupado com a saúde, diz Deml. Pessoas que se exercitam, seguem uma dieta equilibrada e nutritiva e buscam ativamente informações sobre medicamentos e bem-estar têm maior probabilidade de questionar as vacinas.
Na Suíça, esse padrão se sobrepõe ao uso da medicina complementar e alternativa (MCA), que é estatisticamente mais comum entre as pessoas que hesitam em se vacinar, embora Deml enfatize que isso é apenas uma correlação. “Isso não significa que uma coisa cause a outra”, diz ele.
A confiança começa na clínica
Um fator crucial para combater a hesitação vacinal é a confiança do público no sistema de saúde e a percepção, por parte de pacientes e pais, de que não estão sendo coagidos a se vacinar.
“As pessoas precisam confiar no mensageiro para confiar na mensagem”, observa Deml. Na Suíça, a confiança do público em médicos e provedores de saúde continua alta: eles são a primeira fonte que pais e mães consultam quando estão buscando informações sobre vacinação infantil, acrescenta o pesquisador.
Uma característica marcante do sistema de saúde suíço é a importância da medicina complementar e alternativa. Cerca de 30%Link externo da população utiliza esses serviços, que incluem práticas como acupuntura, homeopatia, medicina antroposófica – uma forma de medicina alternativa que inclui massagem, exercícios e aconselhamento – e fitoterapia, também conhecida como medicina herbal. Todos esses serviços são reembolsados pelo seguro de saúde básico quando fornecidos por médico ou médica com certificação em medicina complementar e alternativa.
De acordo com a pesquisaLink externo de Deml, pacientes relatam que se sentem mais à vontade para discutir vacinas com os profissionais de MCA, que geralmente são vistos como mais neutros. “A sua abordagem típica é: ‘Estamos aqui para lhe dar informações e responder às suas perguntas, mas a decisão final é sua’”, diz ele. Essa abordagem possibilita conversas sinceras, trazendo tranquilidade para o paciente e fazendo com que ele se sinta ouvido – fatores que podem ajudar a combater a hesitação vacinal, diz o pesquisador. Em comparação, para pacientes hesitantes, os médicos tradicionais parecem estar sempre encorajando ativamente a vacinação ou até mesmo pressionando-os a se vacinarem.

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Médicos frequentemente se concentram em metas de vacinação em escala populacional, o que pode levá-los a ver aqueles que hesitam ou não se vacinam como “problemáticosLink externo”, diz Deml. Normalmente, quando os pacientes são proativos e fazem perguntas sobre sua saúde, os médicos veem isso como algo bom, mas com as vacinasLink externo pode acontecer o contrário, explica.
Essa percepção de pressão, combinada com uma falta de treinamento em comunicação, pode fazer das conversas sobre vacinas um desafio para os profissionais. “Realizamos uma pesquisa online com quase 2.000 profissionais de saúde na Suíça, incluindo médicos, farmacêuticos, parteiras e enfermeiros. Quase todos expressaram o desejo de receber mais treinamento”, conta Deml. “Apenas 46% disseram que se sentiam à vontade para conversar com pacientes hesitantes em relação às vacinas”.
Uma mudança na mentalidade dos profissionais da medicina ajudaria a combater a hesitação. Em vez de encarar as perguntas como resistência, os médicos deveriam vê-las como uma chance de aumentar a confiança, diz Deml. “Ao dedicar parte de seu tempo para abordar as preocupações, os profissionais promovem uma tomada de decisão informada e reforçam a confiança tanto nas vacinas quanto no sistema de saúde”, diz ele.
Consequências indesejadas
A dinâmica médico-paciente também pode ser influenciada por campanhas de saúde pública e mensagens na mídia. “Os médicos são envolvidos quando há uma forte pressão para se alcançar a imunidade coletiva, e até mesmo a mídia pode contribuir para intensificar essa pressão”, diz Deml. Essa ênfase na imunidade coletiva pode desviar o foco dos médicos dos pacientes individuais, fazendo com que alguns deles se sintam ignorados ou pressionados.
Ao mesmo tempo, as mensagens sobre imunidade coletiva nas mídias podem não repercutir no público da maneira que as autoridades de saúde pretendem. “Os apelos à responsabilidade social geralmente são menos eficazes do que as mensagens que se concentram em benefícios pessoais ou familiares”, diz Matteo Galizzi, professor de Ciências Comportamentais na Escola de Economia de Londres (London School of Economics). Enfatizar demais a imunidade coletiva pode até mesmo produzir um efeito contrário, pois, uma vez alcançada, ela pode dar uma falsa sensação de segurança. “As pessoas começam a pensar: ‘Não preciso me vacinar porque já estou protegido por outros’”, explica Galizzi.
Outras medidas também podem ter consequências indesejadas. Embora a obrigatoriedade das vacinas possa parecer uma solução simples para aumentar a cobertura, na prática ela pode ser contraproducente, adverte Galizzi. “É preciso ter muito cuidado com as obrigatoriedades e considerar todos os impactos possíveis”, diz ele. “Elas podem aumentar o sentimento anti-establishment ou alimentar a suspeita de que há um motivo oculto por trás da política pública”.
Entre os 30 países da União Europeia e do Espaço Econômico Europeu, dez têm políticas de vacinação infantil obrigatóriaLink externo contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B, Haemophilus influenzae tipo b (Hib), poliomielite, sarampo, caxumba e rubéola. Outros países da região exigem apenas algumas dessas vacinas.
Entre 2014 e 2024, seis países da União Europeia e do Espaço Econômico Europeu introduziram pelo menos mais uma vacina infantil obrigatória. Por exemplo, em 2017, a Itália tornou dez vacinas – incluindo as de sarampo, caxumba e rubéola – obrigatórias para crianças de até 16 anos de idade, introduzindo sanções em caso de não cumprimento. A Alemanha seguiu o exemplo em 2020, com uma exigência semelhante para crianças que entram em escolas e jardins de infância, mas apenas para a vacina contra o sarampo. Em 2018, a França ampliou sua lista de vacinas infantis obrigatórias, passando de três para onze.
A Suíça adota tradicionalmente uma abordagem diferente. O Escritório Federal de Saúde Pública (equivalente ao Ministério da Saúde) recomenda uma série de vacinas para bebês e crianças, mas nenhuma delas é obrigatória. O acesso à creche e à escola não depende da vacinação, o que reflete a preferência do país por decisões de saúde voluntárias, afirma Deml. “Obrigatoriedade definitivamente não está em pauta por aqui”, acrescenta.
A Covid mudou o rumo da conversa
A pandemia e a corrida global para desenvolver vacinas contra a Covid-19 levaram a uma mudança significativa na percepção pública e na aceitação da vacinação.
“Antes da Covid-19, uma parcela significativa da população apoiava passivamente as vacinas”, explica Larson. “Esse era o caso principalmente de adultos que não tinham filhos pequenos e ainda não estavam considerando tomar, eles mesmos, vacinas como a da gripe. Eles simplesmente não estavam buscando ativamente informações sobre imunização”.
Isso mudou da noite para o dia. “A maioria das pessoas foi subitamente exposta a uma grande quantidade de informações – e desinformações – disponíveis online”, diz ela. “Elas não se tornaram necessariamente antivacina, mas isso gerou novas dúvidas e questionamentos”.
Esse aumento da atenção dada à questão também é evidente na pesquisa realizada por Philipp Dreesen, que está monitorando como a linguagem referente à vacina evoluiu antes e depois da pandemia.
Uma pesquisaLink externo realizada para a Comissão Europeia pelo Vaccine Confidence Project sugere que há, cada vez mais, uma divisão geracional na atitude em relação à imunização. Entre 2018 e 2022, a confiança nas vacinas aumentou entre os adultos mais velhos da União Europeia, enquanto diminuiu entre os mais jovens, ampliando uma lacuna já existente. Essa tendência pode ser observada ao comparar a concordância com afirmações como “as vacinas são seguras”, “eficazes” e “compatíveis com minhas crenças”.
Especialistas sugerem que essa disparidade se deve a diferentes percepções de risco: adultos mais velhos, que enfrentam maior risco frente à Covid-19, reagiram a mensagens que enfatizavam os benefícios pessoais, enquanto os mais jovens foram mais influenciados por preocupações com efeitos colaterais e outras barreiras.
O estudo na União Europeia também constatou uma disparidade crescente nas atitudes em relação à vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (MMR), com jovens de 18 a 34 anos demonstrando maior ceticismo em relação à sua segurança e importância. As pessoas que estavam na casa dos vinte anos durante a pandemia agora estão se tornando pais e precisam tomar decisões sobre a vacinação de seus filhos, observa Deml, acrescentando que, se essa geração for mais cética, é mais provável que atrase ou ignore as imunizações de rotina, aumentando o risco de surtos de doenças evitáveis por vacinação.
Tanto Larson quanto Dreesen destacam que testemunhar o desenrolar do processo científico em tempo real, com mudanças nas recomendações das autoridades de saúde pública e a evolução das evidências sobre a Covid-19, pode ter abalado a confiança do público. “Se as autoridades e os especialistas dizem uma coisa e depois a revisam, mesmo que por boas razões científicas, isso pode minar a confiança”, diz Dreesen.
Qual fonte científica é levada em consideração?
Apesar da crescente hesitação vacinal, a confiança na ciência e nos cientistas em geral continua alta em todo o mundo, de acordo com uma pesquisaLink externo do Edelman Trust Institute, um think tank [grupos de reflexão e pesquisa] que tem como objetivo promover o estudo da confiança na sociedade, e do Global Listening Project, uma organização sem fins lucrativos cofundada e presidida por Larson.
Mesmo assim, “o discurso agora certamente parece mais polarizado”, afirma Dreesen. “Mas talvez já fosse assim, só não havíamos percebido antes da pandemia”.
Pessoas com questionamentos genuínos costumam recorrer à internet para obter respostas, mas a abundância de vozes conflitantes pode ser sufocante, e está cada vez mais difícil distinguir fontes confiáveis das enganosas, afirma Larson.
Para conter a crescente influência de narrativas alternativas, os cientistas precisam repensar a forma como se comunicam com o público. “Nossa forma de abordar as pessoas precisa ter mais relevância, ressonância emocional e empatia”, diz ela – uma abordagem que a Suíça vem adotando há muitos anos, principalmente entre os profissionais de medicina complementar e alternativa (MCA).
Ela também recomenda trabalhar com pessoas conhecidas localmente para compartilhar informações, mesmo que não sejam profissionais de saúde. “É preciso entender quem são as pessoas hesitantes em relação às vacinas e incluí-las na estratégia”, diz ela.
“A aceitação das vacinas pode ser ampliada, mas é fundamental responder rapidamente às preocupações emergentes”, diz Larson. “É um momento de vulnerabilidade, mas também de oportunidade.”
No Brasil, a hesitação vacinal tem crescido nos últimos anos, resultando em uma queda significativa na cobertura vacinal entre 2015 e 2023. Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2020, a cobertura havia caído para 75%,Link externo contra 97% em 2015. No mesmo ano, vacinas infantis importantes, como a de Hepatite B e a BCG (contra tuberculose), registraram redução de 25%Link externo em relação a 2018.
Para reverter essa tendência, o governo lançou em 2023 o programa Movimento Nacional pela Vacinação, que visa informar a população sobre os imunizantes e facilitar o acesso às doses. Embora a cobertura vacinal infantil tenha apresentado crescimentoLink externo no último ano, os índices ainda estão abaixo da metaLink externo estabelecida pelas autoridades de saúde.
Uma pesquisaLink externo divulgada pelo jornal Estadão em 2023 aponta que o principal motivo para a hesitação é o receio de efeitos colaterais. Além disso, quase 20% dos entrevistados relataram baixa percepção de risco em relação a doenças consideradas erradicadas ou controladas.
Edição: Nerys Avery/fh
Adaptação: Clarice Dominguez

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