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‘Cocaleros’ do sul da Colômbia temem por seu futuro sem as Farc

Cocaína apreendida pela Polícia colombiana em Llorente, perto de Tumaco, em 16 de agosto de 2016 afp_tickers

“Aqui o forte é a coca. Se acabar não sobra nada, o povo sobrevive disso”, diz Roberto Delgado, comerciante da pequena cidade de Policarpa, um empobrecido município do sul da Colômbia que está prestes a aplicar um programa de substituição de cultivos ilícitos.

Aos 42 anos, Delgado expressa a angústia do povo frente à implementação do acordo de paz com a guerrilha das Farc, que exerceu sua influência na região.

“O temor é que quando forem embora (os guerrilheiros), a segurança acabe”, afirma.

Com as Farc “tem havido respeito, eles punem quem cria desordem”, afirma, resumindo a preocupação que cerca esta região, acostumada a pagar a guerrilha por proteção.

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc, marxistas), que em novembro assinaram a paz após 52 anos de confronto com o Estado, reconheceram ter se financiado com atividades relacionadas com o tráfico de drogas, como a cobrança de impostos a quem cultivava coca.

Mas com a paz, as Farc aceitaram se desvincular do negócio das drogas, um combustível para o conflito armado desde os anos 1980.

Agora, os 5.800 combatentes das Farc, segundo cálculos próprios, se preparam a depor as armas, um processo sob supervisão da ONU, que deve terminar em seis meses.

Sua desmobilização gera incertezas em Policarpa, um dos centros da produção de coca no conturbado Nariño. Este departamento (estado) fronteiriço com o Equador tem sido assolado não só por grupos armados, mas também por grupos criminosos que se dedicam ao narcotráfico, à mineração ilegal e ao tráfico de seres humanos.

“Desde que as Farc se entreguem e este município fique só pode se repetir o que aconteceu nos anos anteriores, que (…) havia uma guerra entre vários grupos de controle”, avalia Jesús Ramos, ‘cocalero’ de 42 anos.

Medo da erradicação

Os camponeses temem por sua segurança com o vácuo deixado pelas Farc. Mas não apenas.

Também são céticos diante do plano de substituição de cultivos ilícitos do acordo de paz com as Farc, no qual o governo se compromete a dar alternativas de sustento a quem aceitar a substituição.

“Se eles não estão mais, vêm erradicar os cultivos e acabam com nosso trabalho”, disse Delgado.

“Aqui podem erradicar a coca, mas se não nos ajudarem (…), caberá às pessoas voltar a cultivar”, diz Ramos.

Alexandra Matitui pensa da mesma forma. Com 30 anos, só viu a coca prosperar nesta região empobrecida e sem água potável. Assim cresceu e cria seus filhos.

“É fácil porque é rapidinho: seis meses depois tem a primeira colheita e daí a cada três meses continua dando”, explica.

“Além disso, não é preciso nem mesmo tirá-la da cidade. Os compradores vêm para cá mesmo”, afirma.

Em sua casa de pau a pique, vestindo roupas gastas, ela diz que sobrevive com a coca, mas não enriquece. Um hectare plantado rende para ela cerca de um milhão de pesos mensais (330 dólares). O amendoim, o abacate ou o cacau rendem a metade disso.

“Vivemos da coca porque os outros produtos não dão resultado”, resumiu, enquanto raspava uma planta com as mãos calejadas.

“Além do mais, aqui estamos abandonamos: não há estradas, não há pontes, não há rega”, conclui.

Situação crítica

Para a prefeita de Policarpa, Claudia Cabrera, a situação é “crítica” e deve haver “uma opção real” para quem desistir da coca.

“Se o governo não fizer uma concertação com os camponeses para erradicar, então vai ter uma problemática social”, enfatiza esta mulher, que sempre leva consigo uma pistola para defesa própria, após ter sido ameaçada de morte por grupos armados.

E acrescenta: “O governo nacional não tem mais desculpa, sempre nos estigmatizaram como uma zona vermelha. Agora deve fazer um investimento”.

A Colômbia, o maior plantador de coca do mundo, com 96.000 hectares de áreas cultivadas, e o maior produtor de cocaína, com 646 toneladas em 2015, segundo a ONU, aposta em implementar o acordo de paz para combater o narcotráfico e gerar desenvolvimento nas zonas cocaleras.

Ramiro, o comandante da Frente 29 das Farc, opera em Nariño há 17 anos e é otimista.

“O esperançoso deste processo de paz é o compromisso de saldar a dívida histórica para superar a pobreza que tanto afeta esta zona, este vácuo que o Estado deixou e as Farc preenchera”, diz este homem de 44 anos. “É preciso buscar outras alternativas de subsistência”.

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