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‘Não temos medo’, gritam nicaraguenses em Masaya

Manifestante contrário ao governo caminha envolvido em uma bandeira da Nicarágua, no bairro de Monimbó, em Masaya, em 29 de junho de 2018 afp_tickers

Moradores da cidade de Masaya foram às ruas nesta sexta-feira (29) para exigir a saída do poder do presidente Daniel Ortega e justiça pelos mais de 220 mortos nos protestos que sacodem o país há mais de dois meses.

“Não temos medo!”, “Vá embora!”, “Assassino!”, “Eleições já!”, gritavam os moradores enquanto percorriam as ruas desta cidade, que se declarou em rebeldia há duas semanas.

Carregando a foto de seu filho de 15 anos morto por um tiro no peito em uma barricada, marchava Aura López, empregada doméstica de 45 anos.

“A polícia não perdoou a sua vida. O mataram. Todos os dias peço a Deus que me dê forças para carregar essa dor tão grande. Pedimos que nos ajudem a tirar Ortega. É o culpado por este sofrimento”, declarou à AFP.

Os habitantes aguardavam no bairro de Monimbó, epicentro da repressão, especialistas do escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que foram a Jinotepe (norte) após violentas incursões das forças de segurança na noite de quinta-feira.

Uma longa fila se formou na Igreja de São Miguel, em Monimbó, com fotos dos mortos, cartuchos de bala e roupas manchadas de sangue para denunciar ante a Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPH), que estima em 285 as mortes, embora outro grupo humanitário as calcule em mais de 220.

Para este sábado os opositores convocaram a “Marcha das flores” em Manágua e outras cidades.

Com pedras, móveis, árvores e outros objetos, os moradores de Masaya construíram barricadas em quase todas as ruas desta cidade de 100 mil habitantes.

Nos últimos dias, violentas operações das forças combinadas do governo desmontaram várias trincheiras, mas os moradores não baixam a guarda e as mantêm.

Seu bairro brigou com fúria na insurreição liderada pela esquerdista Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) para derrubar o ditador Anastasio Somoza em 1979.

Agora pedem a renúncia de Ortega, ex-guerrilheiro sandinista de 72 anos que chegou ao poder com essa revolução e voltou ao governo por meio do voto em 2007. Acusam ele e sua esposa, a vice-presidenta Rosario Murillo, de instaurar o nepotismo e uma ditadura, e desatar uma violenta repressão.

“Não vão nos calar nem amedrontar. Esse povo não vai hesitar, vai resistir até que Ortega vá embora. Se nos provocarem haverá um banho de sangue”, disse com um megafone o dirigente estudantil Yubrank Suazo, na pequena praça de Monimbó, de donde partiu a marcha.

Protegendo-se do sol com uma bandeira da Nicarágua, Auxiliadora Bonilla, de 54 anos, disse estar “lutando por um país livre”. “Abrimos os olhos, essa luta está apenas começando”, assegurou à AFP.

Está começando porque, segundo ela, o governo está “brincando” com o diálogo, mediado pela Igreja Católica, que foi retomado na segunda-feira com a Aliança Cívica pela Justiça e Democracia – que reúne grupos da sociedade civil -, para tentar superar a crise.

O processo estagnou porque Ortega, cujo terceiro mandato consecutivo acaba em janeiro de 2022, ainda não respondeu à proposta de adiantar as eleições de 2021 para março de 2019.

O governo de Ortega qualifica os protestos e a exigência da renúncia do presidente como uma “tentativa de golpe” apoiada pelos Estados Unidos e acusa os manifestantes de “criminosos” e “membros de gangues”.

– Ajuda humanitária –

A maioria do parlamento nicaraguense autorizou nesta sexta-feira a entrada de tropas e recursos estrangeiros para fins humanitários entre julho e dezembro deste ano, apesar de a oposição considerar a medida “imprudente” em meio à repressão contra os protestos contra o governo.

Com o apoio de 73 deputados oficialistas e rejeitado por 15 opositores, o Congresso autorizou a entrada de 230 efetivos com meios aéreos e navais da Rússia para participar em exercícios contra o narcotráfico.

Autorizou também a chegada de 160 efetivos de México, Cuba e Venezuela e um número não informado de militares centro-americanos, americanos e taiwaneses para participar de exercícios antidrogas e humanitários.

O deputado opositor Jimmy Blandón questionou a entrada de militares de países como Venezuela, que, segundo ele, apoiou a violenta repressão do governo de Daniel Ortega.

Entretanto, os sandinistas oficialistas explicaram que a Nicarágua autorizou 38 vezes a entrada de tropas estrangeiras desde 2007, quando Ortega retornou ao poder, e acusaram os opositores de manipular a situação.

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