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‘Temos uma dívida com os direitos humanos na Venezuela’, diz opositor a Maduro

Ativista de direitos humanos venezuelano, que vive na Espanha e dirige uma ONG, Lorent Gomez Saleh, durante entrevista à AFP em Santiago, em 24 de janeiro de 2019 afp_tickers

Os quatro anos que passou nas masmorras do regime venezuelano deixaram sequelas, mas o tornaram mais forte e determinado. Lorent Saleh, exilado a Espanha desde outubro, denuncia as violações dos direitos humanos e luta pela democratização da Venezuela.

Saleh, de 30 anos, passou quatro anos nos “centros de tortura” do regime chavista La Tumba e Helicoide, até que, em 12 de outubro, foi banido para a Espanha, onde vive junto com sua mãe, uma humilde costureira solteira de origem palestina que moveu céus e terras até libertarem seu filho.

Fundador da ONG Operação Liberdade, Saleh esteve esta semana no Chile para denunciar as violações dos direitos humanos em seu país, onde o regime chavista completa 20 anos em 2019.

Saleh, que viveu dois anos na Colômbia, foi entregue pela Inteligência colombiana ao Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), que o prendeu em La Tumba, a sofisticada masmorra do regime em pleno centro de Caracas, especializada em tortura psicológica.

“Iam desaparecer comigo”, mas um vídeo gravado por companheiros que foram alertados de sua entrega impediu que eles “negassem que eu estava em suas mãos (Sebin)”, assegura à AFP em um café de Santiago o vencedor do Prêmio Sajarov 2017 outorgado pelo Parlamento Europeu.

“O mais terrível é que a minha não é a única história”, lembra. “O governo estabeleceu um padrão de tortura, repressão e o pior é que é sistemático”, acrescenta, após destacar que “existe uma dívida com os direitos humanos na Venezuela”.

“Isso não é um tema de direitas ou esquerdas, mas de democratas ou tiranos”, indica.

Decepcionado com a indulgência de muitos partidos de esquerda com o regime de Maduro, recorda que “o respeito à dignidade humana está acima de qualquer aliança política ou partidária”.

– Não é mentira –

“Como dizem na minha cara que é mentira que na Venezuela fazem torturas, que não há pessoas inocentes presas e torturadas, que não há repressão?”, questiona enquanto mostra as duas cicatrizes no punho de outras tantas tentativas de suicídio durante a sua detenção em La Tumba, além de algumas na perna.

É que as pessoas torturadas e que sofreram violações de seus direitos “são vítimas na Venezuela ou na Arábia Saudita, na Síria ou na Nicarágua”, por isso pede-se “honestidade e sinceridade” da “esquerda, direita, dos liberais e conservadores” na hora de denunciar as violações das liberdades fundamentais.

– Sem voltar atrás –

Durante a sua estadia no Chile para participar do Fórum Regional Santiago Juventude e Democracia, Saleh foi recebido, nesta sexta-feira, pelo presidente Sebastián Piñera e se reuniu com a maioria dos partidos políticos do Parlamento, a comissão de direitos humanos, além de participar da grande manifestações que houve na quarta-feira em Santiago clamando por democracia na Venezuela, um processo, assegura, inexorável.

“Não sei se (o regime de Nicolás Maduro) acabará em questão de dias, semanas ou meses, mas estamos convencidos de que não há como voltar atrás”, assegura.

Saleh se refere à via que lidera o presidente do Parlamento, o opositor Juan Guaidó, que na quarta-feira se autoproclamou presidente interino da Venezuela, recebendo o apoio dos Estados Unidos e de vários países latino-americanos, entre eles o Chile.

“Guaidó marcou uma via clara: fim da usurpação, governo de transição e eleições livres”, lembra.

E minimiza o apoio que Maduro recebeu da cúpula militar depois da autoproclamação de Guaidó.

“Nem tudo o que parece é. Recordemos que no ano passado a perseguição política começou a migrar do setor civil para o militar. Hoje há mais militares presos do que civis”, sustenta.

O discurso de “reconciliação e anistia” dirigido à Força Armada pela oposição “vai gerando confiança e unindo cada vez mais forças”, produzindo um racha na união cívico-militar do regime tirânico de Nicolás Maduro”, aponta.

E dá como exemplo o fato de nas últimas manifestações muitos militares terem “baixado suas armas para não massacrar, não ir contra o povo, nem obedecer as ordens de um usurpador”, assegura.

Não obstante, reconhece que o caminho da democracia plena será difícil, como demonstram os 16 mortos registrados nos últimos dias.

“Implica um diálogo constante de todos os setores e forças políticas da Venezuela e do mundo, da sociedade civil, dos meios de comunicação, partidos políticos, organismos internacionais, da Igreja. Mas estamos dispostos a dar tudo para que possamos finalmente viver em democracia”, adverte.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

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