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Bolsonaro promove ‘limpeza’ ideológica na administração pública

Foto divulgada pelo serviço de imprensa da Presidência mostra o presidente Jair Bolsonaro (E) e seu ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, durante reunião de gabinete em Brasília afp_tickers

O governo do presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quinta-feira (3) uma limpeza de simpatizantes da esquerda nos cargos de confiança dos ministérios para poder aplicar sem entraves internos seu programa ultraconservador no campo social e liberal na economia.

“É o único jeito de poder tocar [o governo] com as nossas ideias, os nossos conceitos, e fazer o que a sociedade brasileira decidiu por maioria: dar um basta nas ideias socialistas e nas ideias comunistas que por 30 anos nos levaram a esse caos que vivemos”, declarou o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a jornalistas após a primeira reunião do gabinete ministerial em Brasília.

O período de 30 anos ao qual Lorenzoni se referiu abrange todos os governos eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar (1964-1985).

Na Casa Civil, que articula os trabalhos do governo, já foram exonerados 300 funcionários que tinham cargo de confiança, ou seja, cuja nomeação depende do governo de turno e não de concurso público.

Segundo Lorenzoni, alguns dos demitidos poderão ser recontratados seguindo critérios técnicos e uma posterior “avaliação” sobre seu alinhamento ideológico, e o mesmo poderá ocorrer em outros ministérios.

“Não há nenhum sentido em nós termos um governo com perfil que nós temos, com pessoas que defendem outra lógica, um outro sistema político, uma outra organização da sociedade”, argumentou.

“Estamos tendo a coragem de fazer o que talvez tenha faltado ao governo que terminou no dia 31, de logo no início ir limpando a casa”, acrescentou.

No período de 30 anos a que se referiu Lorenzoni, houve oito governos, alguns de centro, com Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e outros de esquerda, com dois presidentes do PT: Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e sua afilhada política, Dilma Rousseff, destituída em 2016 pelo Congresso.

Na quarta-feira, Lorenzoni já tinha falado em “despetizar” o Estado.

Admirador da ditadura militar, Bolsonaro foi eleito em outubro com 55% dos votos, e assumiu a Presidência na terça-feira com um programa de ruptura em todos os campos.

– Medidas de ‘impacto’ –

“Por ser um governo novo – uma mudança similar só se deu quando Lula assumiu, em 2003 – e carregado de expectativas por parte do eleitor do Bolsonaro, ele tem que fazer medidas de grande impacto. E está fazendo”, avalia o cientista político André César, da consultoria Hold.

Medidas como a anunciada por Lorenzoni soam como “música para o ouvido do eleitor dele”, acrescenta César.

Em seu primeiro dia como presidente, Bolsonaro emitiu uma Medida Provisória que colocou a demarcação de terras indígenas e manejo florestal nas mãos do Ministério da Agricultura e as ONGs sob supervisão da Secretaria de Governo da Presidência.

Retirou membros da comunidade LGBT como beneficiários de políticas destinadas à promoção de direitos humanos.

Eliminou, ainda, a secretaria de Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão no Ministério da Educação, substituindo-a por outra, de Alfabetização.

Deste modo, pretende-se “formar cidadãos preparados para o mercado de trabalho. O foco oposto de governos anteriores, que propositalmente investiam na formação de mentes escravas das ideias de dominação socialista”, tuitou Bolsonaro na quarta-feira.

– Lua-de-mel com os mercados –

Fora da agenda social, analistas coincidem em que a prioridade do governo será a recuperação definitiva da economia, após dois anos de recessão e dois de fraco crescimento.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que se empenhará em reduzir os gastos públicos, em acelerar as privatizações e insistiu na urgência da reforma da Previdência.

Seu discurso gerou entusiasmo nos mercados e a Bolsa de São Paulo subiu 3,56%, alcançando um recorde histórico de 91.012 pontos.

O índice Ibovespa operava nesta quinta-feira em baixa de 0,85%, embora o real continuasse ganhando força perante o dólar, que era negociado a R$ 3,7511, contra R$ 3,80 no fechamento dos mercados na véspera.

Mas esta “lua-de-mel” só continuará se as reformas avançarem, afirmam analistas.

“Essa tendência só continua se o Governo conseguir aprovar as reformas – e aí estamos falando da reforma da Previdência, reforma Tributária, diminuição de gastos públicos no geral – e aí precisa dessa confirmação no Congresso”, avalia Victor Candido, economista da consultoria Guide.

Segundo César, para aprovar a impopular reforma da Previdência, o governo deve aproveitar seu capital político no Congresso que vai assumir em 1º de fevereiro, que se anuncia como o mais conservador de todos os tempos.

“É a lição de Maquiavel: você faz o mal de uma vez e as bondades vai fazendo aos poucos. A reforma da Previdência é mal vista pelos afetados, mas tem que ser feita, mas o governo deve fazê-la enquanto tem capital político”, destacou César.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

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