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Maduro formaliza referendo para Constituinte sem arrefecer protestos

Opositor durante protesto contra Nicolás Maduro, em Caracas, em 5 de junho de 2017 afp_tickers

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, oficializou nesta segunda-feira seu pedido de referendo para a Carta Magna que surgir da Assembleia Constituinte, sem conseguir arrefecer os protestos da oposição, novamente dispersos pelas forças de segurança.

Militares enfrentaram com bombas de gás lacrimogêneo pequenos grupos de opositores, que se reuniram em vários pontos de Caracas. Os manifestantes se somavam à aglomeração da avenida Francisco Fajardo, onde os deputados Miguel Pizarro e Juan Requesens denunciaram agressões durante a confusão.

“Um guarda nacional golpeou meu companheiro e me jogaram neste bueiro. Os guardas ficaram malucos”, falou de maneira irritada Requesens.

O deputado Juan Andrés Mejía denunciou que a Guarda Nacional “agrediu o roubou” manifestantes, jornalistas e líderes políticos.

“Senhores da Guarda Nacional, se querem voltar a reprimir, vamos voltar a resistir”, disse Requesens.

O Sindicato dos Trabalhadores da Imprensa (SNTP) confirmou que vários jornalistas foram “agredidos” e roubados por militares venezuelanos quando cobriam os protestos contra Maduro em Caracas.

“São 14 profissionais de imprensa agredidos, 13 em Caracas e um no estado de Mérida. Exceto por dois casos, as agressões foram praticadas por organismos de segurança do Estado, principalmente a Guarda Nacional”, disse à Marco Ruiz, secretário-geral do SNTP.

O Parlamento, dominado pela oposição, convocou o ministro do Interior, Néstor Reverol, para que responda “pela repressão”, e convocou passeatas em direção às sedes do poder eleitoral em Caracas e em todos os Estados do país na próxima quarta-feira contra a Constituinte.

Desde o início das manifestações no dia 1º do abril, 65 pessoas morreram mais de 1.000 ficaram feridas. Os grupos pedem a saída de Maduro do poder, eleições gerais e negam a Constituinte, em meio a uma grave crise econômica.

“Todos temos as mesmas necessidades, faltam alimentos, remédios e justiça”, declarou um manifestante em El Paraíso, no oeste da capital da Venezuela, onde os confrontos foram intensos.

O país vive escassez crônica de alimentos, remédios e inflação que pode chegar aos 720% em 2017, segundo o FMI. A Venezuela ainda sofre com a desvalorização do petróleo, responsável por 96% de suas receitas.

– “Constituição cubana” –

Enquanto as forças de segurança e os manifestantes se enfrentavam, os funcionários do governo apresentavam ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) o documento que prevê o referendo.

A presidente do CNE, Tibisay Lucena, recebeu o texto e propôs a votação da Constituinte para o dia 30 de julho. O sistema de votos vai ser territorial e por setores sociais. Segundo a oposição, o formato é fraudulento, porque garante que o chavismo conquiste maioria entre os 545 membros da assembleia.

A oposição decidiu não participar, por acreditar que Maduro pretende se manter no poder por meio de decisões tomadas pela Constituinte. Segundo o chefe de Estado, a Assembleia vai ter um “superpoder” acima da lei.

“Acham que no dia 30 de julho vamos permitir que seja instaurada uma Constituição cubana. A estratégia pelo referendo expõe fraturas e Maduro não tem a força do chavismo para manter sua visão”, falou o deputado Freddy Guevara, vice-presidente do Parlamento, de maioria opositora.

O dirigente chavista Jorge Rodríguez, que levou o documento à CNE, disse estar certo que “a maioria do povo” vai aprovar a nova Constituição.

“Mais democrático, impossível. Todos que queiram se distanciar da proposta violenta da oposição têm que participar”, acrescentou.

– “Insanidade mental” –

Maduro propôs o referendo sob fortes críticas, inclusive dentro do chavismo. Mas o presidente acredita que a Constituinte vai reforçar a Carta Magna de 1999 com maior poder popular e ajudar a restabelecer a paz e a estabilidade econômica.

A procuradora-geral de orientação chavista, Luisa Ortega, pediu para Maduro retirar a convocação da Constituinte, por avaliar que isso agravaria a crise. Ortega acredita que o processo é um retrocesso na democracia e nos direitos humanos.

Sua postura resultou em uma série de ataques por parte do governo e de seus seguidores. O deputado Pedro Carreño garantiu, nesta segunda-feira, que vai pedir que o Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), acusado pela oposição de servir ao chavismo, que avalie a “sanidade mental” de Ortega para que seja destituída.

A ex-magistrada Blanca Rosa Mármol explicou à AFP que só o Parlamento pode destituir a procuradora. No entanto, o TSJ, que declarou o Legislativo em desacato, tomou decisões que correspondiam a este poder.

Ortega, que apresentou ao TSJ uma ação contra a Constituinte, espera que a convocatória também seja submetida à consulta popular.

– “Firmeza nas ruas” –

Maduro garante que a oposição promove a violência para dar um golpe de Estado, apoiado pelos Estados Unidos. Do outro lado, os adversários políticos o acusam de instaurar uma ditadura, que reprime as manifestações.

O encarcerado opositor Leopoldo López transmitiu um vídeo, gravado clandestinamente dentro da cela com ajuda da esposa Lilian Tintori, em que convoca a continuidade das mobilizações.

“Leopoldo está forte e nos pede firmeza nas ruas”, falou Tintori, garantindo que López negou a possibilidade de prisão domiciliar. A proposta foi apresentada em reunião com os altos representantes do Executivo e o ex-presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero.

“Os protestos estão produzindo efeitos. O referendo e a visita de López significam que Maduro está buscando novos ares para se oxigenar, porque a repressão não é suficiente”, opinou o analista Luis Salamanca.

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