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Questões raciais deixam Obama em ‘saia justa’

Um manifestante exibe um cartaz onde se lê: "Minha negritude não é uma arma", em um protesto contra a morte de um jovem negro por um policial na cidade de Ferguson. afp_tickers

Na enorme foto de Barack Obama exibida pelos manifestantes na pequena cidade de Ferguson, uma mensagem escrita ao primeiro presidente negro dos Estados Unidos pede: “Por favor, venha logo!”

O cartaz é um dos muitos que os manifestantes exibem nesta cidade do Missouri (centro), onde um adolescente negro desarmado foi baleado e morto por um policial branco há dez dias, provocando protestos cada vez mais violentos.

O fato resume em parte as elevadas expectativas da comunidade negra americana com a administração Obama, mas também diz respeito a uma questão que preocupa o presidente desde que assumiu o poder em 2009: Ele deve se envolver pessoalmente em episódios locais que tenham componentes raciais evidentes?

Em alguns estados do sul dos Estados Unidos, a segregação racial foi abolida há apenas meio século, mas o país tem agora um presidente está em uma situação delicada e altamente controversa.

Obama se manifestou na segunda-feira após os distúrbios. Em um discurso muito cauteloso, exigiu moderação às forças de segurança e aos manifestantes, pedindo que evitassem a violência porque ela apenas enfraquecem a busca pela justiça.

Um abismo de desconfiança

Mas quando perguntado se pretendia intervir pessoalmente em um drama que abala todo o país há mais de uma semana, Obama pareceu afastar essa possibilidade, da mesma forma que uma visita simbólica a Ferguson.

No entanto, e claramente desconfortável, ele abordou a questão a partir de uma perspectiva mais ampla: como os americanos devem aproveitar este momento para redescobrir a nossa humanidade comum”, afirmou.

“Eu já disse isso antes, em muitas comunidades há um abismo de desconfiança entre os moradores locais e as forças de segurança”, admitiu.

“Em muitas comunidades, muitos jovens de cor foram marginalizados e são vistos apenas como uma fonte de medo”, ressaltou.

No entanto, o presidente também advertiu que a luta contra a discriminação racial é um projeto de longo prazo com o qual os Estados Unidos se comprometeram há 200 anos.

Desde o final de seu primeiro mandato, Obama – eleito com o forte apoio das minorias – alertou para expectativas irreais.

“Nunca aceitei a ideia de que a minha eleição significaria a entrada em uma era pós-racial”, disse à revista Rolling Stone de abril de 2012.

Mensagens fortes

Sherrilyn Ifill, presidente do Fundo de Defesa Legal (NAACP), braço jurídico da maior organização de defesa das liberdades civis nos Estados Unidos, declarou que é correto o presidente manter uma distância dos eventos diários.

“Temos que ter muito cuidado para não ficarmos viciados em pedir ao presidente que fale em todos os momentos”, opinou.

Ifill ressaltou que a Casa Branca apoiou nos últimos dias um inquérito federal civil sobre os acontecimentos em Ferguson e uma necropsia independente por parte das autoridades locais.

Durante a campanha eleitoral que levou à sua primeira vitória presidencial, Obama abordou as relações entre negros e brancos no país. Em um discurso de março de 2008, em meio a uma polêmica sobre as opiniões de seu ex-pastor Jeremiah Wright sobre a divisão racial entre comunidades, ele afirmou que o racismo era um problema que os Estados Unidos não poderiam se dar ao luxo de ignorar.

Mas depois de assumir o cargo a situação mudou. Em julho de 2009, Obama foi forçado a pedir desculpas depois de ter chamado de “estúpida” a detenção de um amigo negro e especular sobre os motivos raciais da prisão, sem ter informações completas.

A virada veio com o caso de Trayvon Martin, um adolescente negro de 17 anos baleado e morto em fevereiro de 2012 na Flórida por um guarda civil quando caminhava por um bairro residencial. Depois de um julgamento em que o acusado, que alegou ter agido em legítima defesa, foi absolvido, Obama falou em termos muito pessoais.

Embora sem criticar a decisão, expressou a “dor” causada pelo fato nos afro-americanos. “Eu poderia ter sido Trayvon Martin há 35 anos”, disse ele.

Adolphus Pruitt, presidente da delegação do NAACP em St Louis, disse que os episódios em Ferguson justificam que Obama “tente lidar com o sofrimento da população que carece de direitos neste país.”

“Agora é a hora de enviar mensagens muito fortes”, disse Pruitt. “Agora alguns focos devem ser direcionados aos vizinhos de Michael Brown.”

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

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