Empresa suíça de tecnologia investe milhões em fábrica nos EUA
A fabricante suíça de dispositivos médicos Ypsomed anunciou um salto de 38% nas vendas anuais, impulsionado pela demanda global por medicamentos injetáveis usados no tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade. Entrevistamos o diretor-executivo da empresa.
Ypsomed é líder global em sistemas de administração de medicamentos, tecnologias que permitem que os pacientes administrem seus próprios medicamentos, como canetas de autoinjeção para diabetes tipo 2 e obesidade. O mercado de canetas de injeção deve crescer 7,9% ao ano entre 2024 e 2030, atingindo US$ 74,1 bilhões (CHF 64,5 bilhões), de acordo com a consultoria MarketsandMarkets. O banco suíço UBS prevê que as vendas de medicamentos GLP-1 subirão para US$ 126 bilhões até 2029, refletindo o aumento de doenças crônicas.
A empresa se beneficiou desse ambiente de negócios. Em maio de 2025, a empresa anunciou vendas consolidadas de CHF 749 milhões para o ano fiscal encerrado em 31 de março de 2025, o que representa um aumento de 38% em relação ao ano anterior.
Além de liderar a Ypsomed, empresa de sua família, desde 2014, Simon Michel também é deputado-federalLink externo e atua nos conselhos administrativos de cerca de dez outras organizações.
Conversamos com ele nos escritórios da Ypsomed em Solothurn para discutir os desafios ligados às tarifas comerciais dos EUA, à concorrência e as oportunidades para sua empresa na China.
Swissinfo: A Suíça foi alvo de tarifas de 39% impostas pelos Estados Unidos. Como isso afetará a Ypsomed?
S.M: Em certa medida. O mercado americano representa menos de 10% das nossas vendas. Metade delas vem da Alemanha, a outra metade da Suíça.
Atualmente, não fabricamos nos EUA, mas decidimos, antes do início do segundo governo Trump, iniciar a produção local para o mercado americano no segundo semestre de 2027. No médio prazo, a participação no mercado americano aumentará para 20% de nossas vendas.
Além disso, vendemos “ex-worksLink externo” com base nos Incoterms, o que significa que disponibilizamos as mercadorias em nossa fábrica ou armazém. Nossos clientes americanos são, portanto, responsáveis pelo transporte das mercadorias de nossas instalações e pelo pagamento de todos os impostos alfandegários. Deixamos claro que as tarifas impostas pelas autoridades americanas não justificam reduções de preço de nossa parte. Isso significa que caberá ao cliente arcar com o custo adicional de importação para os EUA.
Além disso, decidimos transferir a execução de nossos pedidos nos EUA de nossa empresa suíça para nossa afiliada alemã para evitar a tarifa de 39%.
Swissinfo: O que motivou você a começar a produzir nos EUA?
S.M: A decisão foi motivada por dois fatores: mitigar riscos geopolíticos e o objetivo de entrega mais rápida aos nossos clientes nos Estados Unidos. As cadeias de suprimentos estão, de fato, se tornando mais regionais. Também pretendemos reduzir significativamente a pegada de carbono associada ao transporte de longa distância. Investiremos pouco mais de US$ 300 milhões em nossa unidade nos EUA até 2028.
Swissinfo: Para a Ypsomed, qual a importância do uso crescente de medicamentos GLP-1 no tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade? As projeções de mercado são extremamente otimistas.
S.M: Os medicamentos GLP-1 oferecem uma oportunidade significativa, pois podem ser auto injetados na forma líquida usando nossas canetas. Para o bilhão de pessoas em todo o mundo que são obesas e correm o risco de desenvolver mais de 200 doenças relacionadas, os tratamentos injetáveis com GLP-1 continuam sendo a opção mais eficaz, oferecendo uma eficácia muito maior do que os comprimidos, que podem ser eficazes para perda de peso moderada.
Swissinfo: Como você avalia o ambiente de negócios suíço, especialmente para uma empresa de tecnologia médica (medtechLink externo) como a Ypsomed?
S.M: A Suíça possui um ecossistema de tecnologia médica bem organizado, em grande parte graças aos esforços da Swiss Medtech [Simon Michel faz parte do conselho da organização], a associação nacional de empresas de tecnologia médica. O setor inclui cerca de 1.400 empresas, cresce a uma taxa duas vezes superior à do PIB suíço e gera um superávit comercial de 11%.
Além disso, este setor se beneficia de um ambiente favorável de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) enraizado na herança relojoeira do país, em um sistema educacional robusto e em incentivos fiscais específicos, como o sistema de patentes e a super dedução dos custos de P&D.
Swissinfo: A Ypsomed fabrica mais de 50% de suas canetas autoinjetáveis na Suíça. Quais são as vantagens de fazer isso em vez de migrar para países onde os custos de mão de obra são mais baratos?
S.M: Como nossas equipes de P&D estão sediadas na Suíça, é importante manter a produção local para facilitar a colaboração e o aprendizado próximos na industrialização e no escalonamento. A segunda, terceira e quarta linhas podem ser localizadas mais próximas dos nossos clientes; por esse motivo, temos unidades de produção na Alemanha e, mais recentemente, na China.
Para proteger nossa propriedade intelectual, mantemos algumas funções críticas como o design e a fabricação de ferramentas para moldagem de plástico exclusivamente na Suíça. Esse know-how reside em um pequeno número de funcionários de confiança e não está documentado em patentes ou segredos comerciais.
Swissinfo: Vocês planejam aumentar o número de funcionários fora da Suíça?
S.M: Atualmente, temos aproximadamente dois mil funcionários trabalhando em nossas canetas de autoinjeção, com três quartos deles na Suíça e o restante trabalhando no exterior: cerca de 400 na Alemanha e 100 na China.
Em dez anos, prevemos ter cerca de dois mil funcionários na Suíça, mil na Alemanha e 500 na China e em nossa nova unidade nos Estados Unidos. No entanto, talvez nem todos os nossos futuros funcionários na Suíça sejam “humanos” – algumas funções, especialmente em P&D, propriedade intelectual e compras, poderão ser preenchidas por agentes virtuais ou inteligência artificial (IA). Estamos investindo fortemente em IA, com dezenas de iniciativas em andamento.
Swissinfo: Vocês acabaram de inaugurar uma unidade de produção na China. Qual a importância desse mercado para a Ypsomed?
S.M: A China representa um mercado enorme, tanto em termos de número de pacientes quanto de avanço tecnológico. Nossa nova unidade no parque industrial de alta tecnologia de Changzhou, perto de Xangai, atende aos mais altos padrões tecnológicos. Diante de possíveis riscos geopolíticos [como o isolamento da China], projetamos o local para operar de forma autônoma, sem dependência de países terceiros, e incluindo capacidades de gestão local.
Swissinfo: Quem são os principais concorrentes da Ypsomed?
S.M: No setor de canetas autoinjetáveis, dois grandes atores dominam: Ypsomed e SHL MedicalLink externo. A SHL Medical está registrada em Zug (Suíça), mas a maior parte de suas operações principais está localizada em Taiwan. Também existem atores menores, principalmente na China.
Há uma década, oito grandes players competiam neste mercado. A Ypsomed e a SHL optaram por investir fortemente em tecnologias de plataforma modular [semelhantes às que produzem em série na indústria automobilística], permitindo o desenvolvimento econômico de soluções personalizadas e prazos de entrega mais rápidos. Essa estratégia levou à consolidação do mercado e fortaleceu a posição da Ypsomed e da SHL Medical como líderes de mercado.
Swissinfo: 28,5% das ações da Ypsomed estão listadas na Bolsa de Valores Suíça SIX. Você já considerou a listagem (dupla) em uma bolsa estrangeira como a Nasdaq?
S.M: Consideramos isso. Como um grupo internacional, a listagem nos EUA é uma opção, mas, por enquanto, não é necessária, pois a bolsa de valores suíça oferece ampla visibilidade para empresas de tecnologia médica e farmacêutica. Contamos com mais de 6.000 acionistas, somos cobertos por 10 analistas financeiros e mantemos uma relaçãoLink externo preço/lucro de 60. Além disso, uma listagem nos EUA incorreria em custos anuais superiores a CHF 5 milhões devido às diretrizes da SECLink externo (órgão regulador dos EUA) e às obrigações de relatórios trimestrais. Naturalmente, isso não se alinha com nossa estratégia de longo prazo.
Swissinfo: Algumas empresas, como Bobst e Hilti, duas fabricantes B2B, saíram do mercado de capitais para buscar estratégias de longo prazo. Você consideraria isso?
S.M: Dez anos atrás, quando a Ypsomed tinha um valor de mercado inferior a CHF 1 bilhão, a deslistagem poderia ter sido viável. No entanto, com uma avaliação atual se aproximando de CHF 6 bilhões, agora seria muito caro para minha família recomprar todas as ações listadas.
No entanto, o fato de 28,5% de nossas ações serem listadas não impede nossa capacidade de buscar inovação a longo prazo. Além disso, nossa listagem pública oferece benefícios como maior visibilidade, acesso rápido a capital (por exemplo, para aquisições) e maior transparência. Nossos relatórios anuais auditados de 150 páginas são altamente valorizados por investidores e grandes clientes do setor farmacêutico.
Swissinfo: De acordo com uma leiLink externo suíça, há uma representação mínima recomendada de 20% de mulheres na gestão executiva e 30% nos conselhos de administração de empresas listadas. Vocês não cumprem essas cotas. O que estão fazendo para aumentar a representação feminina?
S.M: Atualmente, não atingimos essas metas. Embora eu seja pessoalmente contra cotas de gênero, pretendemos cumpri-las nomeando mulheres para substituir executivos homens dentro de quatro a cinco anos. É claro que não pretendo reestruturar a equipe executiva atual ou criar cargos simbólicos apenas para cumprir as metas legais. No nível do conselho, estamos considerando adicionar um sexto membro para atender ao requisito de 30%.
Esta lei foi concebida como uma recomendação. No entanto, o descumprimento geralmente resulta em penalidades por parte de consultores e grandes investidores, como a BlackRock. Isso se aplica particularmente à empresas de capital aberto, em oposição a empresas familiares como a Ypsomed.
Swissinfo: Você ocupa múltiplos cargos, como CEO da Ypsomed, membro da Câmara dos Deputados e do Partido Liberal e presidente do conselho/membro de cerca de dez organizações. Como você consegue desempenhar tantos papéis?
S.M: Como CEO, construí uma equipe de liderança forte, o que me permite delegar tarefas operacionais. Isso foi essencial, especialmente no ano passado, quando nossas vendas cresceram 38% e integramos 800 novos funcionários. Além disso, minha equipe provavelmente está aliviada por eu não estar sempre por perto!
Fazer parte da família proprietária da Ypsomed também me facilitou a carreira política. Acredito que é crucial que os empreendedores sejam representados no Parlamento Federal. Como efeito colateral, meu papel político aumenta a visibilidade da Ypsomed na mídia, ajudando a empresa a atrair talentos, investidores e clientes.
Swissinfo: E quanto a todas as suas outras funções?
S.M: Faço parte dos conselhos da Associação Cantonal de Comércio e Indústria de Berna, da Câmara de Comércio de Solothurn, da Swiss Medtech, da economiesuisse e da Progresuisse. Essas atividades estão intimamente relacionadas às minhas funções na Ypsomed e no Parlamento Federal e, portanto, as sinergias são significativas.
Também faço parte do conselho de duas PMEs locais, a Forster Rohner AG e a LEM Surgical AG, com as quais mantenho um relacionamento próximo. Por fim, presido a Ahueni AG, uma organização sem fins lucrativos envolvida no desenvolvimento e comercialização de CO₂ na África Oriental. Acredito que a captura natural de carbono será necessária para alcançar a neutralidade de carbono.
Edição: Virginie Mangin/ds
Adaptação: DvSperling
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