Suíça abriga ativistas de Hong Kong que temem vigilância chinesa
Em meio a ataques crescentes por parte do governo chinês, ativistas de Hong Kong pró-democracia buscam refúgio no exterior - alguns deles exilados em Berna, a capital da Suíça.
A Suíça parece um lugar improvável para encontrar ativistas exilados de Hong Kong, que lutam pela democracia, tentando resistir à repressão da China.
Há pouco mais de mil residentes da antiga colônia britânica vivendo na Suíça – um número relativamente baixo, se comparado às 750 mil pessoas originárias de Hong Kong que estão hoje distribuídasLink externo de forma bastante equilibrada entre Reino Unido, Estados Unidos e Canadá.
Ao contrário de outros países, o governo suíço não implementou tipos de vistos especiais ou ofereceu permissões de residência com celeridade às pessoas de Hong Kong após a repressão aos direitos políticos na cidade a partir de 2020.
No entanto, a Anistia Internacional, que atua em defesa dos direitos humanos, escolheuLink externo este ano a capital suíça, Berna, como seu centro oficial para questões ligadas a Hong Kong. A organização foi forçada a fechar seus escritórios anteriores na cidade do sul da China, alegando que seus funcionários corriam riscoLink externo devido a uma ampla Lei de Segurança Nacional, que permite batidas policiais, prisões e processos judiciais arbitrários.
A decisão é um reflexo das fortes garantias legais da Suíça com relação à privacidade da esfera privada, bem como de sua estabilidade política e Estado de Direito. Isso se dá mesmo considerando que as operações do recém-fundado Amnesty International Hong Kong Overseas (AIHKO), o primeiro escritório de campanha, estabelecido inteiramente no exílio pela Anistia Internacional, são lideradas por ativistas da diáspora em centros como Austrália, Canadá, Taiwan, Reino Unido e Estados Unidos.
“A Suíça dá fortes garantias legais, que protegem as informações privadas de nossos funcionários, apoiadores e outras partes interessadas”, afirma Fernando Cheung, membro do conselho do AIHKO e ex-legislador de Hong Kong. O país possui um sistema jurídico sólido e um ambiente social estável, “assegurando que as organizações da sociedade civil – especialmente aquelas que defendem os direitos humanos, como nós – possam operar sem interrupções”, acrescenta Cheung.
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Aumentam as ameaças da IA
Escolher uma jurisdição com leis rigorosas de proteção de informações é cada vez mais importante para todos os tipos de organizações que atuam em defesa dos direitos humanos. O aumento da coleta de dados por governos, empresas de tecnologia e até mesmo por redes criminosas, além da queda nos custos de armazenamento e da análise de um volume gigantesco de dados por meio da inteligência artificial (IA), significa que qualquer informação coletada pode ser efetivamente retida e processada para sempre.
A Fundação Thomson Reuters, um grupo independente que atua em prol da liberdade de imprensa, publicou há um ano o guiaLink externo “Proteção de dados: um guia para instituições beneficentes e ONGs”. A China é o principal Estado na prática da vigilância. O país mobiliza suas estruturas de monitoramento para além das próprias fronteiras, colocando em risco os oponentes do regime.
Embora não seja membro da União Europeia, a Suíça se alinhou, desde 2023, ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) da UE – referência globalLink externo em matéria de privacidade de dados. As organizações na Suíça devem incorporar garantias em seus sistemas ou serviços, enquanto dados não essenciais não devem ser coletados sem consentimento prévio.
A título de comparação: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, emitiu um decreto presidencial em março, que visava centralizar as informações e remover as barreiras para seu compartilhamento entre órgãos governamentais. A Human Rights Watch criticouLink externo a medida, acrescentando que a atual legislação de privacidade dos Estados Unidos, que remonta à década de 1970, “não atende às necessidades modernas de proteção de dados”.
Os esforços canadenses para tornar mais rígidas as leis sobre privacidade eletrônica ficaram paralisadosLink externo devido a disputas entre partidos políticos. O Reino Unido também enfrentou críticas de que sua Lei de Uso e Acesso a Dados, aprovada este ano com o objetivo de simplificar a legislação, na realidade acaba por enfraquecer as medidas de proteção. A European Digital Rights (EDRi), maior rede europeia de defesa das liberdades online, sugeriuLink externo que a UE evite seguir o “retrocesso” do Reino Unido em matéria de proteções.
Open AI: evidências de vigilância por parte da China
Proteções do tipo podem ser cada vez mais necessárias, especialmente quando o crescimento da IA entrega novas ferramentas de vigilância a países não democráticos como a China.
A OpenAI, grupo sediado em São Francisco responsável pelo modelo de linguagem ChatGPT, declarouLink externo em fevereiro que grupos chineses utilizaram sua tecnologia para desenvolver uma ferramenta de IA capaz de rastrear e denunciar automaticamente postagens contra o regime nas redes sociais ocidentais. Foi a primeira vezLink externo que a OpenAI obteve evidências desta atividade. A empresa afirmou ter observado outras tecnologias estadunidenses sendo utilizadas para gerar publicações em inglês criticando dissidentes chineses.
A China intensificou suas ações contra defensores dos direitos humanos no exterior quando ativistas que fugiram de Hong Kong passaram a criar organizações de campanha no exílio. Esses ativistas enfrentam repetidos assédios e ataques, bem como perseguição a familiares que permaneceram em Hong Kong.
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75 anos de relações entre a Suíça e a China
Joey Siu, membro do conselho do AIHKO, é procurada pelas autoridades de Hong Kong por ter supostamente violado a Lei de Segurança Nacional ao “conspirar com um país estrangeiro ou com elementos externos”. A recompensa oferecida, no caso de Siu, é de 102 mil francos suíços. Ela relata que, em janeiro, recebeu e-mails “oferecendo seguro de vida para acidentes, cobertura para funeral e sepultamento em caso de morte” – uma aparente tática de intimidação, observa.
Em maio, a polícia direcionou suas ações para a família de Anna Kwok, diretora-executiva do Conselho Democrático de Hong Kong (HKDC), um movimento pró-democracia sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos. Seu pai e seu irmão foram detidosLink externo em Hong Kong sob suspeita de “tentar lidar, direta ou indiretamente, com quaisquer fundos ou outros ativos financeiros ou recursos econômicos pertencentes, de propriedade ou controlados por um fugitivo relevante”.
Dissidentes de Hong Kong perseguidos no exterior
Em agosto, Carmen Lau, que se mudou para o Reino Unido em 2021 e trabalha como associada sênior de advocacia internacional no HKDC, acusouLink externo a polícia britânica de pedir que ela se autocensurasse e se abstivesse de participar de reuniões públicas, como por exemplo de protestos. Cartas oferecendo uma recompensa de 106 mil francos suíços por informações sobre seus movimentos ou por levá-la às autoridades foram enviadas a seus vizinhos, informou o diário The Guardian.
Esses e outros habitantes de Hong Kong foram forçados a fugir de sua cidade de origem depois que Pequim burlou o governo local, em 2020, a fim de aprovar uma legislaçãoLink externo que inclui a Lei de Segurança NacionalLink externo, praticamente proibindo a oposição pública e a dissidência.
Isso aconteceu após meses de protestos contra um projeto de lei do governo, que permitiria que residentes de Hong Kong fossem julgados em tribunais da China continental. Inicialmente, os protestos buscavam a retirada do projeto de lei, mas depois evoluíram para uma luta por direitos democráticos mais amplos.
Naquele momento, as definições vagas da Lei de Segurança Nacional suscitaram receios de repercussões legais entre os funcionários dos escritórios da Anistia Internacional em Hong Kong, tornandoLink externo “impossível saber quais atividades poderiam levar a sanções criminais”. O escritório da Anistia Internacional em Hong Kong tornou-se alvo de críticas públicas em meios de comunicação pró-Pequim, como o Ta Kung Pao. Os membros foram acusadosLink externo de conluio com forças estrangeiras e retratados como se fossem agentes de governos ocidentais, com o objetivo de desestabilizar Hong Kong.
Isso obrigou a Anistia Internacional a fechar seus dois escritórios em Hong Kong em 2021. E esse caso não foi o único.
Desde que Pequim inseriu a Lei de Segurança Nacional na Constituição de fato, ou Lei Básica, de Hong Kong, em junho de 2020, mais de 58 grupos da sociedade civil local foram forçados a se desmembrar, de acordoLink externo com Michael Mo, doutorando da Escola de Política e Estudos Internacionais da Universidade de Leeds. A Anistia Internacional afirmouLink externo que mais de 100 ONGS (Organizações Não Governamentais) e meios de comunicação fecharam ou foram forçados a deixar o país.
Exilados persistem, apesar da ameaça de represálias
Assim como a instituição de defesa dos direitos humanos sediada em Londres, muitos grupos semelhantes foram criados no exterior. Entre eles, estão o Conselho Democrático de Hong Kong, nos Estados Unidos; e o Hong Kong Watch, no Reino Unido. Eles perpetuam seus esforços para expandir suas redes globais e se conectar com as comunidades da diáspora de Hong Kong, documentar violações de direitos humanos e levar essas questões para o cenário internacional.
Mesmo no exílio, muitos temem o alcance da China, e a maioria das pessoas contactadas pela Swissinfo para esta reportagem se recusou a falar.
“Agora não é um bom momento para entrevistar pessoas de Hong Kong no exterior”, disse uma delas, que preferiu não se identificar por medo de represálias. “Muita gente está optando por permanecer em silêncio e manter um perfil discreto. Somente aqueles, cujas famílias inteiras já emigraram para o exterior, ousam se manifestar”, completa.
A China e seus defensores nacionalistas têm trabalhando para intensificar esses temores.
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Suíça busca aprofundar laços com a China – entenda porquê
Em maio, a BBC informouLink externo que Innes Tang, um ativista pró-Pequim de Hong Kong, que denunciou dezenas de pessoas às autoridades por supostas violações à segurança nacional, pretendia se mudar para a Suíça para abrir uma empresa de mídia. A Swissinfo não conseguiu encontrar nenhuma mídia registrada com este nome no país. Tang visita regularmente as Nações Unidas em Genebra para discursar em convenções, apresentando a perspectiva da China sobre Hong Kong, de acordo com a BBC.
“Preocupo-me com a possibilidade de cidadãos chineses ou de Hong Kong na Suíça estarem coletando nomes e informações, para denunciar os originários de Hong Kong envolvidos em movimentos democráticos por aqui, acusando-nos de violar a Lei de Segurança Nacional”, afirma James Sun*, membro da diáspora que participou de um protesto de “Solidariedade com Hong Kong – não à extradição para a China” em frente ao consulado chinês em Zurique, em 2019.
Sun está entre aqueles que não falam mais sobre a política de Hong Kong nas redes sociais. No entanto, ele vê a abertura das operações no exílio, em prol dos direitos humanos, como a da Anistia Internacional na Suíça ou em outros lugares, como uma oportunidade para conectar e fortalecer as vozes das pessoas de Hong Kong.
“Não quero permanecer em silêncio para sempre”, diz ele.
*Para proteger a identidade da pessoa entrevistada, a Swissinfo acatou o pedido da mesma e optou pelo uso de um pseudônimo.
Edição: Tony Barrett/vm/sb
Adaptação: Soraia Vilela
A identidade do autor foi omitida desta história por motivos de segurança.
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