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“Devemos acelerar a luta contra o aquecimento do planeta”

Em cada quilo de CO2 liberado na atmosfera, de 200 gramas permanecem suspensos até mil anos. Ex-press

No fim do mês começa a Conferência da ONU sobre o Clima, em Cancún, que pretende reduzir as emissões de CO2.

Enquanto isso, os políticos ainda estão relutantes em cortar as emissões de gases de efeito estufa que se acumulam na atmosfera durante séculos. Entrevista com o especialista suíço Fortunat Joos.

Para o responsável do Centro Oeschger de pesquisas sobre Mudanças Climáticas, em Berna, o mundo deve absolutamente “acelerar o passo” na luta contra o aquecimento global.

A Conferência de Cancún vai discutir medidas a serem tomadas, incluindo a redução das emissões de CO2, o financiamento para o controle do clima e o futuro do Protocolo de Kyoto.

swissinfo.ch: Quais são atualmente os principais obstáculos na luta contra o aquecimento global?

Fortunat Joos: Para responder aos problemas climáticos, é necessário reduzir drasticamente e imediatamente as emissões de combustíveis fósseis. Os políticos e as pessoas mostram pouco interesse em tomar a decisão de agir. Alguns dos mais importantes países nem se quer se comprometem ou se recusam a reconhecer o problema. Os lobbies são muito fortes em semear a confusão entre o público. Além disso, a dificuldade de mudar de hábitos é típico da natureza humana.

swissinfo.ch: A pesquisa sobre mudança climática é suficiente?

FJ: Alguns fatos básicos são conhecidos há décadas ou mesmo séculos. Por outro lado, os sistemas terrestres são muito complexos. Há ainda muito a aprender sobre as interações e as reações do sistema climático, bem como o impacto da mudança na acidez dos oceanos causado pelas emissões de CO2.

Há um ponto que interessa muita gente e ainda está longe de ser esclarecido, que é compreender quantitativamente e com precisão os efeitos das mudanças climáticas a nível regional e para cada indivíduo. Para isso, temos que continuar pesquisando ainda mais.

swissinfo.ch: Com o Programa Nacional de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas e dois institutos de pesquisa, a Suíça está suficientemente equipada para desempenhar um papel decisivo na pesquisa interdisciplinar?

FJ: Tradicionalmente, a Suíça é um bastião de pesquisa nesta área. Nós colaboramos nos esforços internacionais e em novos projetos. Em termos da qualidade científica da Suíça, sei que temos um bom desempenho.

Mas, ao mesmo tempo, eu acho que nós também precisamos ser cautelosos. O Programa Nacional de Centros de Competência (PNR) “Clima – Variabilidade Climática Previsibilidade e Riscos Climáticos” terminará em 2013 e, infelizmente, não existem planos para o futuro. Isso é preocupante porque, apesar da existência do centro climático de Zurique e do Centro Oeschger aqui em Berna, precisamos também de coordenação nacional para avançar.

swissinfo.ch: O Senhor acha que o processo estabelecido pelas Nações Unidas, ajuda ou atrapalha a luta contra a mudança climática?

FJ: As emissões devem ser reduzidas localmente em todos os lugares. Incentivos e regulamentação devem vir de diferentes níveis, tais como as comunidades, cantões ou Confederação. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima é um protocolo muito forte e eu acredito que ela define muito bem os objetivos e a direção a ser tomada.

Este protocolo exige principalmente a estabilização dos níveis das emissões de gases de efeito estufa para combater os perigos da mudança climática. Sua implementação é atualmente difícil, mas a nível internacional não vejo outra maneira de proceder. Esse processo também deve ser apoiado em outros níveis.

swissinfo.ch: O Senhor acha que será possível chegar a um acordo?

F.J.: Claro. Há sinais de que as coisas estão indo na direção certa e as pessoas estão percebendo que a luta contra as alterações climáticas é também uma oportunidade. Normalmente leva décadas para mudar a opinião pública e iniciar uma verdadeira mudança. O processo começou em 1980 e 1990 e vai demorar ainda mais.

swissinfo.ch: Será que temos tempo? A impressão é que temos de agir rapidamente …

F.J.: Sim, eu concordo. O sistema climático implica uma enorme inércia: hoje, quando emitimos um quilo de CO2, 200 gramas ficam suspensos na atmosfera durante mil anos. Por isso essa urgência em acelerar o passo. Temos que inverter esse processo, e rápido. Se não o fizermos e se continuarmos no ritmo atual, é provável que o aquecimento global aumente em vários graus até o final do século.

swissinfo.ch: O acordo sobre uma visão a longo prazo, a redução das emissões dos gases de efeito estufa, a adaptação ao aquecimento, o financiamento do controle do clima e o futuro do Protocolo de Kyoto … o que o Senhor acha dos tópicos da agenda de Cancún?

FJ: A nível internacional, temos acima de tudo que implementar medidas para reduzir as emissões de CO2 e de outros gazes causadores do efeito estufa e estabelecer metas mais rigorosas. É claro que é necessário compartilhar a mesma visão para alcançar esse objetivo a nível mundial. Também temos de encontrar financiamento para que os países menos desenvolvidos possam implementar essas medidas e ao mesmo tempo, temos também de encontrar formas de adaptação às alterações climáticas em curso.

Eu realmente espero que as reduções das emissões serão implementadas a tempo. Pessoalmente, duvido que cheguemos a resultados concretos em Cancún, porque vários países preferem esperar até o último minuto para chegar a um acordo. Ora, o Protocolo de Kyoto expira em 2012.

swissinfo.ch: Como o Senhor responde aos céticos que relativizam a importância do aquecimento global?

FJ: Nós perturbamos o sistema climático de maneira muito rápida e intensa. Isso não é invenção dos cientistas, mas o resultado do que foi medido. Temos dados que mostram que as concentrações de gases de efeito estufa estão aumentando, que o “orçamento” energético da atmosfera está mudando e que o planeta está se aquecendo. Centenas de milhares de medições nos permitiram saber o tempo gasto pela absorção química do CO2 pelos oceanos. A mudança climática é real e está aí.

Cancún. A próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, será realizada em Cancún, México, de 29 de novembro a 10 de dezembro de 2010.

Ceticismo. O processo de negociação envolve os países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que se reúne anualmente para acompanhar a implementação da Convenção. As discussões têm progredido em algumas áreas, antecipando Cancún, mas os organizadores estão céticos quanto a um acordo global.

Pós-Kyoto. Os tópicos abordados incluem encontrar uma visão comum a longo prazo, identificar maneiras de se adaptar aos impactos inevitáveis do aquecimento global, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, encontrar o financiamento para o controle climático e definir o futuro do Protocolo de Kyoto.

Progresso. A Organização das Nações Unidos e o México informaram ter encontrado financiamento para encorajar os países em desenvolvimento a lutar contra o aquecimento global e para medir as emissões de gases de efeito estufa.

Kyoto. O Protocolo de Kyoto é o principal instrumento da ONU para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, que expira no final de 2012. A Conferência de Copenhague em 2009 não conseguiu chegar a um acordo entre os países desenvolvidos até 2012.

Copenhague. Mais de 120 nações concordaram, em Copenhague, em encontrar uma maneira de limitar o aquecimento global abaixo dos 2 graus, mas não chegaram a um acordo sobre a forma de alcançar esse objetivo.

Oposição. O ritmo lento das discussões no âmbito da ONU incitou especulações sobre a possibilidade que o grupo dos 20 países mais desenvolvidos chegasse a um acordo sobre medidas concretas. Alternativa vetada pela ONU e pelos países pequenos especialmente ameaçados pela mudança climática.

Presidente do Centro Oeschger de Pesquisas Climáticas da Universidade de Berna.

Professor do Instituto de Física do Clima e Física Ambiental, participou na 3 ª fase do Programa Nacional de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas.

Sua pesquisa enfoca o ciclo do carbono e circulação bio-geo-química.

Contribuiu em mais de 100 artigos científicos sobre o aquecimento global.

É vice-presidente do Grupo de Trabalho 1 do Grupo de Peritos Intergovernamentais sobre Mudanças Climáticas (GIEC).

(Adaptação: Fernando Hirschy)

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