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Um brasileiro para tirar a OMC do impasse

O brasileiro Roberto Azevêdo vai dirigir a OMC a partir de 1° de setembro. Keystone

O diplomata brasileiro Roberto Azevêdo vai suceder ao francês Pascal Lamy à frente da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra. Para Luzius Wasecha, antigo representante suíço junto à OMC, a personalidade do brasileiro pode ser decisiva.

A escolha do brasileiro Roberto Azevêdo para dirigir a OMC é considerada por analistas como prova do papel crescente dos países emergentes. Sua nomeação formal será na semana que vem na reunião plenária do Conselho reunindo os 159 países-membros. Luzius Wasescha – antigo chefe da delegação suíça na OMC e ex-presidente do grupo de negociação da OMC sobre o acesso aos produtos industriais – avalia, na entrevista a seguir, as chances de sucesso do diplomata brasileiro que entrará em função em 1° de setembro.

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swissinfo.ch: Quais serão as primeiras prioridades da agenda de Roberto Azevêdo em um contexto e bloqueio das negociações do ciclo de Doha?

Luzius Wasescha: As negociações da OMC podem ser inspiradas por seu diretor-geral, mas as decisões são tomadas pelos membros. A mudança de diretor-geral não vai muda imediatamente a situação. Roberto Azevêdo talvez tenha um capital de convicção maior do que o de seu predecessor Pascal Lamy, mas o que é certo é que ele tem uma visão muito ampla dos interesses dos países emergentes.

Seu maior desafio é o seguinte: fazer seu trabalho como diretor-geral de maneira objetiva e, ao mesmo tempo, convencer os países emergentes e os industrializados a serem mais flexíveis sobre certas questões.

Quando você aprofunda as questões e aborda os detalhes técnicos, não se trata mais de um problema Norte-Sul, mas transatlântico. A União Europeia tem suas normas, os Estados Unidos as deles e é praticamente impossível de fazer uma ponte se essas duas partes não forem flexíveis. É a mesma coisa em matéria de facilitação do comércio porque os procedimentos alfandegários diferem entre os EUA e a UE e difícil avançar nessa área.

Nascido em 3 de outubro de 1957 em Salvador, Roberto Carvalho de Azevêdo é formado em engenharia pela Universidade de Brasília, antes de ser torna diplomata.

Entrou na diplomacia em 1984 e participou em 2001 da criação da Coordenação Geral de Litígios do Ministério das Relações Exteriores, órgão que dirigiu por quatro anos.

Em 2005, tornou-se chefe do departamento econômico do ministério e de 2006 a 2008 foi secretário-geral dos assuntos econômicos. Desde 1998, é representante do Brasil junto à OMC.

Roberto Azevêdo é considerado grande conhecedor dos

dossiês técnicos da OMC. Ganhou vários litígios comerciais para o Brasil como no caso dos subsídios para o algodão contra os Estados Unidos e as subvenções à exportação de açúcar contra a União Europeia.

No início do processo de seleção para a direção-geral da OMC, em dezembro do ano passado, havia nove outros candidatos.

swissinfo.ch: O senhor acha que Roberto Azevêdo é o melhor para assumir esse cargo delicado? Quais são as qualidades que devem prevalecer nessa posição?

L.W.: Acho que ele o homem da situação não por sua origem, mas por sua personalidade. Eu vivi com ele duas situações em que ele se revelou um negociador formidável. A primeira vez foi quando preparávamos a última reunião ministerial em Doha. A linguagem era muito pessimista e foi Azevêdo em pessoa que havia arquitetado essa linguagem.

A segunda vez foi no ano passado, quando da reunião ministerial de Doha. As três horas da manhã, ele interveio em favor dos países em desenvolvimento e eu era porta-voz dos países industrializados não-membros da UE. Chegamos rapidamente a um acordo. Ele provou, portanto, que era capaz e concluir uma negociação. Estou persuadido que ele fará o mesmo à frente do secretariado da OMC 

swissinfo.ch:Alguns dizem que a OMC está ameaçada de ficar obsoleta. O senhor concorda com essa avaliação? A nomeação de um brasileiro permitirá uma mudança radical da organização?

L.W.: O risco existe sim, mas muitos elementos já instalados podem impedir isso. Estou seguro que Roberto Azevêdo fará tudo o que puder. Do meu ponto de vista, o mais importante é abandonar os debates ideológicos, todas essas discussões gerais sobre o desenvolvimento. Elas não dão resultados porque nas negociações da OMC você tem sempre pelo menos duas tendências entre os países em desenvolvimento: os países competitivos em favor de uma solução liberal, os que não são competitivos se opõem. Então a questão não é de saber se um país se desenvolve ou não, mas se é competitivo ou não é.

Nesse ciclo de Doha, criamos grupos de pequenas economias vulneráveis onde a situação é totalmente diferente da do Brasil, da Índia ou da China. Há países que perdem imediatamente seus mercados de exportação se exportadores competitivos obtém melhor acesso aos mercados. Então é preciso saber quais são as soluções de futuro para esses pequenos produtores de café, algodão ou banana. O Brasil, por exemplo,  produz de maneira muito mais competitiva do que os países do Caribe.

Roberto Azevêdo deverá ser aconselhado por gente de todas as sensibilidades presentes na OMC. Eu espero que ele não vai se limita a um mecanismo em que somente os grandes atores são representados. Em uma negociação, você precisa de um número suficiente de pessoas capazes de fazer propostas para preencher as lacunas. Se somente os grandes estão presentes, o único que pode fazer propostas para reduzir a diferença é o diretor-geral. Quando ela jogar suas cartas sem obter resultados, a negociação é bloqueada. É o que ocorre com o ciclo de Doha.

swissinfo.ch:Quais seriam as consequências para a Suíça se a influência da OMC e as negociações comerciais não forem relançadas sob a direção de Roberto Azevêdo?

L.W.: A economia suíça está muito bem orientada nos novos regimes do comércio que se instalam, com as redes de abastecimento e cooperações entre pequenas e médias empresas e os grandes grupos. Nesse nível, a Suíça tem certamente boas cartas na mão.

No plano político, a Suíça tem cartas piores. Qualquer que seja nossa decisão, não podemos esquecer que estamos na Europa. E fora da Europa, somos vistos como um país europeu.

Geralmente, na primeira meia-hora de contato com um parceiro fora da Europa, devemos explicar que não somos membros da UE e porque não somos. É uma espécie de dupla marginalização: somos marginalizados dentro da Europa, porque não somos membros da UE. E a Europa é marginalizada no mundo emergente porque o eixo de gravidade mudou para a zona Ásia-Pacífico.

A Suíça precisa ser proativa, mas eu noto atualmente que meus sucessores são muito prudentes. A prudência não permitirá à Suíça de sobreviver.  

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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