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Congresso do Peru ignora tentativa de dissolução e destitui presidente Castillo

Reprodução de imagem de um vídeo divulgado pela Presidência do Peru mostra o presidente Pedro Castillo durante discurso à nação em Lima, 7 de dezembro de 2022 afp_tickers

O Congresso do Peru destituiu, nesta quarta-feira (7), o presidente Pedro Castillo por “incapacidade moral”, ignorando a decisão do chefe de Estado de dissolver o Parlamento e dar um autogolpe.

A destituição de Castillo foi aprovada por 101 votos de um total de 130 congressistas na terceira tentativa do Legislativo, controlado pela direita, de tirar o presidente esquerdista do poder desde que ele assumiu o cargo, há 16 meses.

A vice-presidente, Dina Boluarte, que mais cedo denunciou um “golpe de Estado”, assumiu a Presidência esta tarde, horas depois da tentativa de última hora de Castillo de se salvar da destituição com o fechamento do Congresso.

“Assumo, de acordo com a Constituição do Peru, a partir deste momento até 26 de julho de 2026”, quando estava previsto o fim do mandato de Castillo, disse ela, dirigindo-se ao Parlamento.

Boluarte, uma advogada de 60 anos, torna-se, assim, a primeira mulher a presidir o Peru.

Mais cedo, Castillo havia anunciado a dissolução do Congresso horas antes de o Parlamento se reunir para discutir seu impeachment.

“São emitidas as seguintes medidas: dissolver temporariamente o Congresso da República e instaurar um governo excepcional de emergência; convocar no prazo mais breve possível um novo Congresso com poderes constituintes para redigir uma nova Constituição em um prazo não superior a nove meses”, declarou Castillo em mensagem à nação lida do palácio do governo e transmitida pela televisão.

“A partir desta data e até que seja instaurado o novo Congresso, governaremos mediante decretos-lei. Fica decretado toque de recolher em nível nacional a partir de hoje (…) das 22h00 (00h00 de Brasília) até às 4h00 (06h00 de Brasília)” de quinta-feira, declarou o presidente, que vestia terno azul e a faixa presidencial.

“Declaro em reorganização o sistema de Justiça, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Junta Nacional de Justiça, o Tribunal Constitucional”, afirmou.

Após seu anúncio, o governo do presidente americano, Joe Biden, referiu-se a Castillo como “ex-presidente”.

“Tenho entendido que, em vista da ação do Congresso, agora é o ex-presidente Castillo”, disse a jornalistas o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, acrescentando que os congressistas peruanos vão tomar “medidas corretivas”, de acordo com as regras democráticas.

“Rechaçamos categoricamente qualquer ato que contradiga (…) qualquer Constituição, qualquer ato que socave a democracia nesse país”, afirmou Price.

– Autogolpe –

“Repudio a decisão de Pedro Castillo de praticar a quebra da ordem constitucional com o fechamento do Congresso. Trata-se de um golpe de Estado, que agrava a crise política e institucional que a sociedade peruana terá que superar com apego estrito à lei”, escreveu Boluarte mais cedo no Twitter logo após o anúncio presidencial.

“Hoje foi dado um golpe de Estado no melhor estilo do século XX. É um golpe fadado ao fracasso, o Peru quer viver na democracia. Este golpe de Estado não tem nenhum fundamento jurídico”, disse à rádio RPP o presidente do Tribunal Constitucional, Francisco Morales.

A procuradora-geral do Peru, Patricia Benavides, reagiu imediatamente ao anúncio presidencial, expressando sua “rejeição enfática” a “qualquer violação da ordem constitucional” e instou o presidente a “respeitar a Constituição, o Estado de Direito e a democracia que tanto nos custou”.

“O presidente Pedro Castillo deu um golpe de Estado. Ele violou o artigo 117 da Constituição peruana e passou à ilegalidade. Isso é um autogolpe”, comentou à AFP o analista político Augusto Álvarez.

Centenas de manifestantes pró e contra o presidente se concentravam em frente ao Parlamento desde antes do pronunciamento, à espera do debate sobre a destituição de Castillo.

No entanto, assim que foi declarada a vacância do cargo, só se ouviam declarações de repúdio a Castillo em frente ao Congresso.

“Já estamos cansados deste governo corrupto, deste governo que roubou desde o primeiro dia. Agora, resta (tirar) Dina Boluarte”, disse à AFP Johana Salazar, uma trabalhadora de 51 anos.

“Não pode dissolver o Congresso, o fechou sem nenhum motivo, vai para a prisão. Lamento por ele e por sua família”, afirmou Roxana Torres, uma comerciante de 48 anos.

“Que a vice-presidente Boluarte trabalhe bem, que se cerque de pessoas que a assessorem bem”, pediu Ricardo Palomino, engenheiro de sistemas de 50 anos.

“Totalmente inaceitável e inconstitucional (o que Castillo fez hoje), era contra tudo e aí estão as consequências”, acrescentou em declarações à AFP.

– Castillo preso? –

Após o anúncio de dissolução do Congresso, Castillo deixou o Palácio Presidencial e dirigiu-se à Prefeitura de Lima com sua guarda policial.

Imagens divulgadas pela administração da justiça peruana mostraram-no sentando em uma poltrona, cercado de procuradores e policiais. Sua situação legal é desconhecida, embora vários veículos de imprensa peruanos tenham reportado que ele estaria preso.

“Não era presidente; era um delinquente!”, gritavam opositores no local.

O paradeiro de sua esposa e filhos era desconhecido em meio a boatos de asilo na embaixada do México na capital peruana.

– Onda de renúncias –

Após o pronunciamento de Castillo, vários ministros do governo e funcionários de organismos internacionais anunciaram suas renúncias aos cargos através das redes sociais e em declarações à imprensa.

O embaixador do Peru na Organização de Estados Americanos (OEA), Harold Forsyth, anunciou, em Washington, sua demissão, devido à “ruptura (…) da ordem constitucional”.

“A partir de hoje, Castillo está na triste fila dos ditadores”, disse à mesma rádio o ex-presidente peruano Ollanta Humala ((2011-2016).

O anúncio de Castillo ocorre pouco mais de 30 anos após o autogolpe do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que dissolveu o Congresso em 5 de abril de 1992.

Processos similares no Congresso levaram à queda dos ex-presidentes Pedro Pablo Kuczynski, em 2018, e Martín Vizcarra, em 2020. O ex-presidente Alberto Fujimori foi destituído pelo Congresso em novembro de 2000.

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