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“Em plebiscito a Copa teria tido noventa por cento”

O ministro Gilberto Carvalho considera que houve falhas na comunicação. José Cruz/ABr

O governo brasileiro cometeu erros de gerenciamento e comunicação, mas os protestos de rua contra a Copa do Mundo devem-se mais a um novo padrão de exigência da população. Em entrevista à swissinfo.ch, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, dá argumentos para defender a realização do megaevento, que teria sido também aprovado se fosse levado a uma consulta popular.

O clima está tenso em Brasília e outras capitais. Cinquenta dias antes de começar a Copa, violentos enfrentamentos e cenas de destruição foram vistas em Copacabana em decorrência do protesto de moradores de uma comunidade próxima contra a morte de um jovem dançarino por balas policiais. A impressão é de que até uma fagulha possa fazer tudo explodir.

Depois dos grandes protestos de rua em junho de 2013, a expectativa do governo federal é de que ocorram muitas manifestações de rua no contexto da Copa do Mundo. Para contrapor a opinião negativa – as pesquisas indicam quedas decrescentes na aceitação do evento – a presidente Dilma Rousseff ordenou uma grande ofensiva publicitária que envolve diversos escalões do governo e também agências de publicidade.

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, foi encarregado de dialogar com os movimentos sociais, sindicatos e organizações não-governamentais (ONGs). Para tal, iniciou em 2 de abril visitas às 12 cidades-sede da Copa para participar de eventos intitulados “Diálogos Governo-Sociedade Civil: Copa 2014”.

Ao receber swissinfo.ch em seu gabinete no Palácio do Planalto para uma entrevista exclusiva, Carvalho admitiu que o governo errou na comunicação e que houve “problemas de licitação ou mesmo incompetência gerencial”, para explicar os atrasos das obras de infraestrutura. Porém ressaltou que o Brasil “vai ganhar muito com a Copa”.

swissinfo.ch: Há poucos dias o New York Times publicou uma reportagem intitulada “Grandes visões fracassam no Brasil”. Por que o noticiário internacional sobre o país tem sido tão negativo nos últimos tempos?

Gilberto Carvalho: Acho que há um grande problema nessa questão da imagem que é a nossa dificuldade em nos comunicarmos adequadamente. Se você andar pelo Brasil não terá essa impressão efetivamente. Erramos muito, na medida em que permitimos que se criasse dentro do país – e por consequência fora também – uma imagem de que a Copa é uma gastança sem limites, uma gastança desnecessária em estádios enquanto saúde e educação tem um monte de problemas. É um evento em que a gente perde a autonomia e soberania, pois a FIFA impõe um monte de quesitos. Que os estádios não estarão prontos e as obras de infraestrutura também. Eu tenho dados aqui que mostram que nada disso estaria acontecendo se tivéssemos feito uma comunicação adequada.

swissinfo.ch: Seria uma questão então de falta de informação?

G.C.: Rigorosamente todas as 12 praças de esportes supermodernas vão estar prontas para a Copa, com atrasos no dia da entrega, mas não no dia do jogo. O país ganha 12 arenas multiuso que não serão elefantes-brancos. Eu vou te dar um exemplo: em trinta e seis anos, o antigo estádio Mané Garrincha (Brasília) recebeu um público de 340 mil pessoas. Em um ano de uso, o novo Mané Garrincha já recebeu 655 mil espectadores. E qual razão: pois ele não é só futebol. Eles são arenas para shows também. Além disso, nós entendemos que a Copa oportunizou uma mudança profunda na infraestrutura urbana – estou falando aqui de aeroportos, portos, obras viárias e outras obras de mobilidade urbana como ampliação de metrôs, VLTs (veículos leves sobre trilho) ou BRTs (corredores de ônibus), que de um lado não teriam sido iniciados se não fosse a Copa, mas, ao mesmo tempo, eles não vão servir só à Copa: são, sim, equipamentos que vão servir para o conjunto do país. Se não ficar pronto em junho, mas sim em agosto ou setembro, o benefício será da população e não da Copa. Fundamentalmente o problema real foi o desastre nosso na comunicação e não ter conseguido fazer a leitura para a população. Obviamente existe o interesse da oposição de jogar para baixo essa imagem.

swissinfo.ch: Ao chegar ao Brasil perdi o avião para Brasília devido a problemas nos terminais de Guarulhos. Das 31 grande obras de mobilidade urbana em planejamento no Brasil, apenas uma estaria realmente pronta, em Belo Horizonte. O que houve com as obras? Seria uma falta de planejamento?

G.C.: Eu te asseguro, primeiro com relação aos aeroportos, que no começo de junho isso não vai ocorrer. Nós teremos os aeroportos – naquilo que interessa à Copa – adequados à recepção. O aeroporto de Brasília está um inferno se você chegar agora. Mas hoje a tarde foi inaugurada a nova ala. Ele não vai estar totalmente pronto para a Copa, mas o que é essencial sim. Guarulhos é a mesma coisa. A presidenta entrega agora no dia 29 ou 30 as instalações modernas de Guarulhos. Houve sim, atraso, mas quero insistir que aquilo que for de importância as obras não serão um problema. Houve atraso devido a problemas de licitação ou mesmo incompetência gerencial em muitos aspectos, precisamos reconhecer. Mas eu quero insistir: aquilo que é da Copa vai estar entregue e as pessoas serão bem muito bem recebidas e vai ter conforto.

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Entre gols e protestos

Este conteúdo foi publicado em Que os grandes eventos esportivos não têm poder de minimizar os dilemas econômicos e sociais dos países que os sediam, não é novidade para ninguém.  Mas para o Brasil, que está prestes a ser o palco da Copa do Mundo, a questão é como tal evento repercutirá na economia e influenciará os diversos problemas que…

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swissinfo.ch: As manifestações do ano passada foram acompanhadas pela opinião internacional. O senhor tem encontrado nos últimos dias representantes dos movimentos sociais para discutir sobre as suas insatisfações. Por que as pessoas saem às ruas para protestar?

G.C.: É muito difícil você ter uma certeza sobre cada uma dessas coisas. No nosso entendimento, de fato, fizemos no Brasil um processo de inclusão extraordinário de mais de 40 milhões de brasileiros. Mas se esse processo é importante por incluir, ele também é feito dentro de um padrão de desenvolvimento e consumo que é problemático: ao incluir essas 40 milhões de pessoas, nós estressamos a vida nas cidades. É muito mais gente circulando, estudando, trabalhando e se deslocando. E infelizmente não fizemos o investimento que devíamos ter feito – estamos fazendo só agora – na mobilidade urbana no transporte coletivo. Além disso, havia nesse país um drama enorme na educação e saúde. Nós corremos atrás, mas não o suficiente. Não conseguimos dar conta de todos esses problemas. Essa população que foi emergindo, o padrão de exigência dela é outro. O jovem que está na rua hoje, é um jovem que quando o Lula começou a governar só tinha sete ou oito anos. Ele não conhece o Brasil de ontem. Ele ganhou uma consciência que acho extremamente positiva de cidadania e direito de luta, muito maior do que tínhamos antes sob a ditadura ou os governos neoliberais. Eu achei, primeiro, extremamente saudáveis essas manifestações. Elas obrigam o governo a avançar mais rápido. É em função delas que tivemos de fazer todo esse investimento que você vê agora nas grandes cidades. É por conta desse processo, temos de reconhecer isso. Com relação à Copa, parte das manifestações de protesto deve-se à falta de informação. Eu estou fazendo essa experiência: aonde vou e começo a falar dos dados da Copa, as pessoas ficam impressionadas e até revoltadas de não terem tido essas informações com antecedência.

swissinfo.ch: A expectativa é de ocorrer mais manifestações contra a Copa. Como o governo vai lidar com elas?

G.C.: Elas irão ocorrer e é bom que o mundo venha ao Brasil e veja que esse país é democrático e onde as pessoas se manifestam livremente. Mas o nosso problema é conter a violência. Queremos fazer um trabalho de isolar aqueles que acham que a violência é o melhor método de se manifestar, de modo a dar um tratamento particular a eles. Mas eles serão tão pequenos e isolados e que, sem apoio das grandes massas, vão perder muita força. As manifestações pacificas irão ocorrer, mas elas irão fazer parte do que eu chamo de colorido democrático da Copa.

swissinfo.ch: Uma das consequências das manifestações de rua no ano passado foi a proposta de uma reforma política através de uma consulta popular. No ano passado houve na Suíça um referendo sobre a realização das Olimpíadas de Inverno, que terminou com a reprovação do eleitor. Será que se a questão da Copa do Mundo tivesse sido levantada nas urnas, sua aceitação seria maior?

G.C.: O plebiscito sempre teria sido bom. Temos de criar na Constituição brasileira formas de participação mais efetiva. Nós estamos lançando agora um sistema nacional de participação social. Logo depois das manifestações, a presidenta lançou a ideia de um plebiscito da reforma política, mas que foi rechaçada pelo Congresso, que infelizmente é muito conservador. Mas a presidenta tem insistido com isso. Hoje mesmo ela falou para os jovens que só com manifestações de rua, quase que semelhantes aquelas que houveram nos tempos das Diretas-Já, é que nos vamos conseguir fazer, de fato, uma constituinte exclusiva para fazer a reforma política, acabando com essa doença que é o financiamento empresarial de campanha no Brasil, sobretudo, criando mecanismos de participação. Agora, eu não tenho dúvida nenhuma que, diferentemente da Suíça, se tivesse sido feito um plebiscito naquela época, a Copa ganharia em noventa por cento. Ela foi recebida no país com grande entusiasmo.

swissinfo.ch: Mas até agora não se viu nenhuma manifestação a favor da Copa…

G.C.: Não concordo. O problema não é contra a Copa, mas sim a maneira como foram construídos os processos para a Copa e, insisto, a falta de comunicação que tivemos para dizer às pessoas o que realmente estava ocorrendo.

swissinfo.ch: A previsão de gastos para a Copa é de R$ 25,6 bilhões entre recursos públicos e privados. Só do governo federal serão 5,6 bilhões. Quem conhece a realidade do Brasil não teria o direito de perguntar: para que gastar esse dinheiro?

G.C.: A Copa é uma enorme janela de oportunidades para o Brasil. Você imagina quanto custaria uma publicidade que colocasse o país no centro do mundo durante trinta ou quarenta dias? Cada cidade-sede irá receber equipes de jornalistas do mundo inteiro, que vão poder mostrar as mazelas e os problemas, mas que também vão mostrar a grandiosidade, os aspectos turísticos, culturais e econômicos da nossa gente. O Brasil vai ganhar muito do ponto de vista de crescimento do turismo. Estamos aumentando a nossa infraestrutura. Estamos gerando um número incrível de empregos. Nosso gasto total com o conjunto da Copa (começa a folhear gráficos) corresponde, de fato, a 25 bilhões. Desses, apenas oito foram para os estádios. Os dezessete outros são dinheiro público em logística, mudança de aeroportos, rodovia, avenidas, sistemas de transporte, etc. Desses oito bilhões, apenas um bilhão, que é o estádio de Brasília, foi dinheiro do estado. Do governo federal não tem um tostão. O que nós fizemos foi financiar por empréstimo – que será pago – a construção dos outros estádios, que pertencem à iniciativa privada, seja clube ou empresa como é o caso das arenas de Manaus ou Natal.

É um mito que se diz que o Brasil gastou bilhões na Copa e deixou de gastar em infraestrutura. O orçamento que temos no Brasil para educação e saúde durante toda a preparação da Copa mostra que investimos 825 bilhões de reais. Veja a proporção! Não tem sentido essa crítica. E esse dinheiro que foi gasto – e aqui não é dinheiro público – irá gerar, só de impostos e entrada de recurso para o comércio, aquecimento da indústria em diante, vai gerar um benefício muito superior ao que estamos gastando. É uma visão muito pequena e estreita de quem acha que isso é um gasto inútil. Trata-se, sim, de um investimento que vai ter um enorme retorno para o país. A Copa das Confederações, por exemplo, já se pagou. Olha aqui (exibindo gráficos): a Copa das Confederações gerou 303 mil empregos de acordo com a Fipe, que não é um órgão de governo. A Copa do Mundo é um evento três vezes maior. Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas, a Copa vai injetar mais de 142 bilhões na economia brasileira entre 2010 a 2014. Durante a Copa, só no setor de turismo serão gerados cerca de 47,9 mil vagas entre abril e junho de 2014. São benefícios, que seria uma perda para o Brasil não ter trazido a Copa para cá. O problema agora é a gente corrigir esses erros, fazer essa comunicação, uma grande falha nossa, mobilização e diálogo e fazer da Copa uma grande festa.

Nascido em Londrina, no Paraná, em 21 de janeiro de 1951, Gilberto Carvalho é o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República.

É formado em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, em 1973 e estudou Teologia por três anos no Studium Theologicum de Curitiba. Trabalhou como soldador de 1975 a 1984, em fábricas em Curitiba e no ABC paulista.

Militou na Pastoral Operária Nacional, ligada à Igreja Católica, entidade da qual foi secretário-geral entre 1985 e 1986. Carvalho foi também coordenador do Movimento Fé e Política, entre 2001-2003.

Foi secretário de Comunicação, entre 1997 e 2000, e de Governo, em 2001, da Prefeitura de Santo André, no ABC.

Ocupou vários cargos no Partido dos Trabalhadores, como: presidente do Diretório no Paraná (1987-89); secretário nacional de Formação Política (1989-93); diretor do Instituto Cajamar – Centro de Formação Política e Sindical (1989-93); secretário-geral nacional (1993-95); e secretário nacional de Comunicação (1995-97).

Antes de assumir a Secretaria-Geral da Presidência da República, chefiou o gabinete pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois mandatos.

Segundo a revista Piauí, Carvalho ocupa-se formalmente da relação do governo com os movimentos sociais, mas “seu principal papel hoje é ser o conselheiro para temas amplos, gerais e irrestritos, antes exercido pelo ministro Antonio Palocci”.

É casado e tem cinco filhos.

Fonte: governo brasileiro e revista Piauí

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