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Por que a Suíça blindou seu banco central na Constituição

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O Banco Nacional Suíço localiza-se neste prédio ao lado do Parlamento Federal em Berna. Keystone / Peter Schneider

A independência do banco central suíço está inscrita na Constituição desde 1999, colocando a Suíça em posição única frente aos Estados Unidos, onde a autonomia do FED não é garantida constitucionalmente.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diz claramente o que pensa das decisões do Sistema da Reserva Federal (FED, na sigla em inglês) em seu país. Ele não só vem exercendo pressão sobre o órgão publicamente, como também apontou interinamente Steve Miran, um de seus assessores econômicos mais próximos, para assumir o cargo de um dos sete governadores do FED, o sistema que funciona como banco central no país.

Especialistas demonstram preocupação com a conduta de Trump. “Essas ações minam a norma da independência do banco central”, afirma a professora Carolina Garriga, da Universidade de Essex, à Swissinfo. “Isso não é, contudo, diferente do efeito de outras ações, que, infelizmente, minam outras instituições e normas democráticas e tecnocráticas”, acrescenta.

Porém: embora a independência do Judiciário esteja garantida na Constituição dos Estados Unidos, não há qualquer menção à independência do banco central.

De onde vem a independência do banco central?

Conceder independência aos bancos centrais é um conceito relativamente recente, que surgiu como reação às tendências inflacionárias após o fim do Sistema de Bretton Woods. A norma dos bancos centrais independentes se disseminou durante as décadas de 1980 e 1990. Na Suíça, a independência do banco central está resguardada na Constituição do país desde 1999.

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“Nos anos 1980, muitos bancos centrais eram praticamente departamentos dos ministérios das finanças – 20 anos depois, a maioria deles já havia adquirido uma estrutura mais ou menos independente”, afirma Hans Kuhn, jurista e ex-diretor do departamento jurídico do Banco Nacional Suíço (SNB) entre 2001 e 2014.

E por que isso aconteceu? A causa está na pesquisa econômica. “Um grande número de estudos econômicos demonstrou empiricamente a correlação negativa entre a independência de um banco central e a inflação”, explica Kuhn. Isso significa que os bancos centrais autônomos têm como objetivo manter os preços estáveis, independentemente de governos que possam agir movidos por um pensamento de curto prazo.

A independência de um banco central deve ser, como descreve Garriga em um artigo científico recente, a tentativa de seguir uma política monetária que permaneça consistente ao longo do tempo. Mesmo que os contextos políticos mudem.

Qual é o real grau de independência dos bancos centrais?

Os dados de GarrigaLink externo sobre a independência dos bancos centrais em uma comparação global demonstram como a norma da independência varia no cenário internacional. Países como Índia, Japão e Austrália, por exemplo, têm bancos centrais que não são independentes em termos legais de fato.

Em países como Bielorrússia, Venezuela e Turcomenistão, mas também em Estados democráticos como o Equador, Garriga observou “restrições significativas” à independência desde a virada do milênio. De acordo com os dados coletados pela pesquisadora, a independência dos bancos centrais também se deteriorou na China e na Indonésia.

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Quais são as críticas democráticas à independência de um banco central?

Na esteira dos acontecimentos nos EUA, chamam também atenção as críticas que rotulam o conceito de autonomia de um banco central como antidemocrático.

Uma delas é a da teórica política Leah Downey, que questiona a ideia de que a independência de um banco central conduz à estabilidade dos preços. Segundo Downey, evidências empíricas para isso são “mais contraditórias do que normalmente se admite”. E a base de dados dos estudos muito citados, segundo ela, é limitada. Além disso, Downey considera que os argumentos a favor da independência significam, por fim, que “a política monetária é única”, ao contrário de qualquer outro setor. Para Downey, a complexidade da política monetária não é motivo para “conceder autonomia a especialistas nesse campo político”.

Downey acredita que, em longo prazo, a independência de um banco central prejudica “a saúde da democracia”. Segundo ela, a política monetária deveria continuar a ser conduzida “por um banco central com muitos especialistas e representantes de interesses”, mas “sob o controle ativo do legislativo”.

Downey considera as ações de Trump “claramente antidemocráticas”. Segundo ela, se o presidente tivesse a intenção de democratizar a política monetária, ele levaria a questão ao Congresso.

Um homem de terno e gravata
Jerome Powell, presidente do FED. EPA/JIM LO SCALZO

Essa centralização do poder nas mãos de um único indivíduo vai também contra a Constituição, pontua a especialista: “Os autores da Constituição dos Estados Unidos atribuíram expressamente as competências orçamentárias, bem como o poder de cunhar e regular a moeda, ao Legislativo e não ao Executivo”.

Qual é a situação na Suíça?

A independência do FED está resguardada na legislação dos Estados Unidos. Na Suíça, quase 60% dos eleitores votaram a favor da nova Constituição Federal no primeiro semestre de 1999, aceitando, assim, consciente ou inconscientemente, a independência do Banco Nacional. O artigo 99 da Lei Fundamental estabelece que o SNB, “como banco central independente, deve conduzir uma política monetária e cambial que atenda aos interesses gerais do país”. As autoridades suíças recebem a incumbência de “colaborar e supervisionar” administração.

Na Suíça, qualquer alteração constitucional deve ser submetida a um referendo popular. Por isso, em caso de mudança da situação política, seria mais difícil para o Conselho Federal (n.r.: o gabinete de ministros que forma o Poder Executivo na Suíça) e o Parlamento afrontar a independência do banco central do que nos EUA. O economista Ernst Baltensperger aponta, nesse caso, “obstáculos muito maiores em termos de política democrática”. Baltensperger considera ainda mais decisivo o fator da “autolimitação”: a seu ver, Parlamento e população se sentem comprometidos com o conceito de independência do SNB.

Na Suíça, um Conselho Bancário composto por 11 membros supervisiona o trabalho do Banco Nacional, que por sua vez é uma sociedade anônima, cujos acionistas majoritários são os cantões. Cinco dos onze membros desse Conselho Bancário são eleitos pela assembleia geral; seis pelo Conselho Federal. Os membros do ConselhoLink externo Bancário devem ter formação em ciências, economia e política, além conhecimentos especializados no setor financeiro.

Atualmente, fazem parte dele um professor de finanças e a presidente do maior sindicato suíço. O Conselho Bancário, na qualidade de órgão de fiscalização, propõe ao Conselho Federal, em caso de mudança, novos membros para a diretoria. O Conselho Federal os elege então para um mandato de seis anos – mais longo do que uma legislatura parlamentar.

Banco Nacional Suíço: uma instituição democrática?

O SNB é, portanto, uma instituição da democracia suíça? “O artigo 99 outorga um poder enorme, mas a estrutura é regulamentada por lei. Existe uma obrigação de prestação de contas. É uma questão tensa, que precisa ser compreendida e equilibrada”, acrescenta Kuhn.

Acima de tudo, segundo o especialista, a independência do banco central é “amplamente aceita e respeitada”. E acrescenta: “O respeito é grande, às vezes até grande demais. Percebo uma cautela quase demasiada, porque não se compreende bem o assunto”.

No entanto, muitas moções no Parlamento suíço afetam o SNB. A associação econômica EconomieSuisse apresentou, no final de 2024, sua análise dos “momentos Trump suíços”. De acordo com essa análise, desde 2014 todos os partidos políticos lançaram propostas relacionadas ao Banco Nacional, mas a maioria delas veio da esquerda. Cerca de 15% das iniciativas tratavam do mandato; pouco menos de um terço, da utilização do balanço. A EconomieSuisse não soube informar, quando questionada, quantas dessas iniciativas foram bem-sucedidas.

Kuhn tem uma visão diferenciada quando o Parlamento e a opinião pública debatem como os lucros do Banco Nacional devem ser utilizados: “Não é proibido refletir sobre o SNB, mas não pode haver interferências em seu mandato principal”, diz. Se os parlamentares quisessem interferir nas taxas de juros, isso seria particularmente delicado.

“Em comparação com os EUA, a instituição do SNB é robusta e morosa”, afirma Kuhn. Sendo assim, não existe, no FED, um conselho bancário que proponha os candidatos. Se um governo suíço quisesse substituir a equipe de gestão devido a uma postura crítica em relação ao SNB, isso só seria possível lentamente.

Quais são os possíveis efeitos globais dessa situação nos EUA?

“Nos EUA, estamos vivenciando isso de forma relativamente rápida”, diz Kuhn. Também porque as convenções sociais estão sendo desrespeitadas: “Quando se tem agentes políticos, que não se sentem vinculados a elas, eles podem causar rapidamente danos em estruturas frágeis”, analisa. Kuhn acredita que Steve Miran – ao contrário dos outros dois governadores do FED nomeados por Trump – não possui as competências econômicas exigidas por lei.

Fazer previsões sobre as repercussões das ações de Trump é algo complexo, de acordo com Kuhn, embora ele tenha “confiança de que a razão prevalecerá”. O especialista acredita que muitos países defenderão a norma de independência do banco central. O que dá esperança a ele é que outras nações também não venham a optar por medidas de retaliação no campo da política alfandegária. Donald Trump não é o primeiro chefe de governo a pressionar bancos centrais. Shinzo Abe, por exemplo, pressionouLink externo o Banco do Japão em 2013.

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Entretanto, se o governo dos EUA exercer pressão sobre o FED, as consequências terão uma dimensão econômica global, alerta Kuhn: “O dólar é a moeda âncora mundial. Se o valor âncora colapsar, os riscos são enormes”.

Edição: David Eugster

Adaptação: Soraia Vilela

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