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Voto digital desafia hegemonia do partido dominante no Japão

Pessoas no Japão frente a um cartaz
Cartazes eleitorais para as eleições para governador em Tóquio na quinta-feira, 20 de junho de 2024. Copyright 2024 The Associated Press. All Rights Reserved

O Japão aposta em aplicativos de voto inteligente para engajar jovens e ampliar a transparência no processo político. Com apoio de universidades e da mídia, ferramentas digitais ganham força como alternativa para combater o desinteresse do eleitor.

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Toda primavera, na época da florada das cerejeiras, o campus da tradicional Universidade Waseda, em Tóquio, a maior cidade do mundo, com cerca de 40 milhões de habitantes, se enche de vida.

Como numa feira, há uma competição de gritos: estudantes mais velhos, na primeira semana do semestre, tentam atrair os mais de 10 mil calouros para atividades tão diversas quanto comédia stand-up, aikido, jam sessions de jazz, clubes de chá filosófico, coletivos queer e células de estudos comunistas.

Estudantes no campus
No campus da Universidade de Waseda, em Tóquio. SWI swissinfo.ch/Bruno Kaufmann

“Desde o primeiro dia em que entrei aqui eu me envolvi num clube de política”, conta Kentaro Kikuchi, de 22 anos, estudante do quarto ano de ciências políticas na Waseda. Estamos no décimo-segundo andar do prédio principal, na sala do professor Airo Hino.

Kentaro e outro estudante, Yuta Suzuki, de 23 anos, participam conectados via Zoom: “Estamos nos preparando para as próximas eleições parlamentares”, diz o professor Hino, “e discutindo os principais critérios dos aplicativos de auxílio ao voto.”

No final de julho, metade do “Sangiin” será renovada nas eleições no Japão. Trata-se da câmara alta do parlamento nacional, composta por 248 membros. E, como em todas as eleições há mais de uma década, Airo Hino, junto com estudantes de sua faculdade, apoia atores interessados na implementação do “Smartvote”, conhecido no Japão como “Vote Match”.

Concretamente, Hino e sua equipe analisam as plataformas eleitorais dos partidos, bem como as declarações dos candidatos, e selecionam algumas dezenas de perguntas que tocam em questões urgentes para os eleitores. Os aplicativos de auxílio ao voto online são geralmente disponibilizadas por veículos de mídia, como o jornal diário Yomiuri.

Os aplicativos de auxílio ao voto online são instrumentos digitais que organizam os principais temas de campanha para os eleitores.

Elas cumprem funções democráticas importantes, promovendo transparência, incentivando a participação eleitoral e, assim, aumentando tanto o comparecimento quanto a legitimidade democrática dos pleitos.

Smartvote é uma plataforma online que conecta eleitores a candidatos e/ou partidos que compartilham de suas posições políticas.

A eleitora ou o eleitor cria um perfil político ao responder um questionário padronizado com 30 a 75 perguntas sobre temas políticos atuais.

Esse perfil é então comparado com os perfis previamente coletados dos candidatos e/ou partidos. Após preencher o questionário, a pessoa recebe uma lista de candidatos ou partidos (listas), ordenada em forma decrescente de acordo com o grau de afinidade com seu perfil.

Na Suíça, nos últimos 25 anos, mais de 250 eleições foram acompanhadas pela SmartvoteLink externo. Segundo dados da rede europeia de pesquisa ECPRLink externo, cerca de um quinto do eleitorado e quase 90% dos candidatos utilizam esse recurso.

Também fora da Suíça, as ferramentas de auxílio ao voto online estão se tornando cada vez mais parte da infraestrutura digital da democracia, como na União EuropeiaLink externo, nos Estados UnidosLink externo, no KosovoLink externo e no Japão.

No escritório do professor Hino, antes de cada eleição, as principais fontes de informação necessárias para criar um questionário são identificadas: “Examinamos os programas dos partidos e as promessas eleitorais, tanto dos partidos quanto dos candidatos individuais, mas também analisamos artigos de jornal e redes sociais”, explica Hino.

Professor em uma universidade
Professor Aino Hino em seu escritório na Universidade de Waseda. SWI swissinfo.ch/Bruno Kaufmann

Leia nosso artigo sobre o “Smartvote” na Suíça:

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“Políticos não são tão mentirosos como acreditamos”

Este conteúdo foi publicado em “Você apoia o aumento da idade mínima de aposentadoria? ”, “Estrangeiros deveriam ter o direito de voto depois de viver dez anos a Suíça? ”, “Pessoas do mesmo sexo casadas em cartório deveriam poder adotar uma criança? ”. O eleitor que entra no site Smarvote.chLink externo pode responder essas e outras questões em um formulário.…

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São, sobretudo, os eleitores mais jovens que utilizam a ferramenta, relata com satisfação Yuta Suzuki, que, assim como seu colega Kentaro Kikuchi, fez um estágio com um político durante a graduação.

“Isso me mostrou o quanto é importante, para a nossa democracia, estar bem informado e fazer uma escolha consciente”, enfatiza Suzuki, acrescentando: “Aplicativos como o Vote Match no celular oferecem também àqueles que não acompanham diariamente os debates políticos a oportunidade de formar uma opinião.”

Conteúdo externo

Como em outras democracias consolidadas, no Japão há uma grande diferença entre a participação eleitoral de jovens e idosos: nas últimas eleições nacionais para a câmara baixa, quase dois terços dos eleitores com mais de 70 anos compareceram às urnas, enquanto entre os menores de 30 anos a participação foi de pouco mais de um terço.

Contudo, com a redução da idade para votar de 20 para 18 anos e a ampliação das ferramentas online de auxílio ao voto, houve uma mudança de tendência entre os eleitores de primeira viagem, segundo um estudoLink externo do Ministério japonês do Interior: mais da metade dos jovens de 18 anos participou das últimas eleições nacionais.

2% de todos os municípios japoneses

Um novo sopro democrático também pode ser sentido no plano local: nas últimas eleições para prefeito da cidade de Suginami (583 mil habitantes), os eleitores elegeram pela primeira vez uma mulher para o cargo mais alto da política municipal, e metade das 48 cadeiras no parlamento local foi ocupada por mulheres.

“Já durante a minha campanha, eu me dirigi especialmente aos jovens por meio das redes sociais”, relata a prefeita Satoko Kishimoto, em entrevista no escritório de seu movimento cívico.

Mulher em um escritório
A prefeita de Suginami, Satoko Kishimoto, está fazendo campanha para a introdução de auxílios de votação on-line em nível local no Japão. SWI swissinfo.ch/Bruno Kaufmann

“A política japonesa é dominada por homens mais velhos”, aponta Kishimoto, uma das apenas 35 prefeitas entre mais de 1.700 municípios (comunas) do Japão. A média de idade entre os principais líderes políticos locais é atualmente de 67 anos, enquanto Kishimoto tem apenas 50.

Para as próximas eleições em Suginami, no ano que vem, ela pretende implementar um aplicativo local de auxílio ao voto online. “Com isso, poderíamos colocar o conteúdo da política em primeiro plano”, destaca ela. “Isso é mais importante do que rostos ou partidos.”

Após a derrota na II Guerra Mundial e a rendição em 2 de setembro, na esteira dos devastadores ataques atômicos a Hiroshima e Nagasaki, o Japão recebeu, por iniciativa americana, uma nova constituição democrática em 1947.

Essa constituição compromete o país com a paz e a renúncia à guerra. Até hoje, por isso, as Forças Armadas japonesas são chamadas de “Forças de Autodefesa”.

Desde meados dos anos 1950, o comando do forte Executivo japonês, o que também se reflete no papel proeminente dos prefeitos locais, é exercido principalmente pelo Partido Liberal-Democrata (PLD), que reúne votos que vão do centro político até a extrema-direita.

Apenas após escândalos de corrupção nos anos 1990, e novamente em 2009, é que o partido liberal de centro-esquerda conseguiu, por breve período, retirar o PLD do poder.

Nas eleições do ano passado, o PLD perdeu sua maioria e, desde então, governa em coalizão minoritária com o partido religioso Komeito.

Se o PLD também perder a maioria na câmara alta nas eleições de 27 de julho, seu histórico monopólio de poder poderá, enfim, chegar ao fim.

Apesar dessa flexibilização das relações de poder e da possível reorganização do cenário partidário, os cerca de 100 milhões de eleitores japoneses ainda dispõem de poucos direitos efetivos de participação: iniciativas populares locais para referendos até são possíveis, mas sua execução e interpretação dependem inteiramente do Executivo.

Em nível nacional, mudanças constitucionais só podem ocorrer após referendo obrigatório, mas isso nunca ocorreu desde 1947.

Com o apoio de especialistas como a equipe da Universidade Waseda, liderada pelo professor Airo Hino, e de outras universidades, veículos de comunicação locais, regionais e nacionais oferecem, antes de cada eleição, uma variedade de ferramentas de auxílio ao voto online.

“Isso nos permite comparar os pontos fortes e fracos de diferentes aplicações”, afirma Uwe Serdült, diretor do Digital Governance Systems Lab em Osaka, a cerca de 500 quilômetros ao sul de Tóquio.

Dois homens conversando
O suíço Uwe Serdült (à direita), visto aqui em conversa com o colega egípcio Shady Salama, dirige o Digital Governance System Lab na Universidade Ritsumeikan, em Osaka. SWI swissinfo.ch/Bruno Kaufmann

O laboratórioLink externo de Serdült foi fundado há um ano e é o resultado de uma colaboração entre a Universidade de Ritsumeikan, no Japão, e o Centro para Democracia da Universidade de Zurique, em Aarau. “Pesquisamos como tornar as ferramentas de voto online mais eficientes, transparentes e menos suscetíveis à influência política”, explica Serdült.

“Os métodos atualmente utilizados para coletar as declarações políticas relevantes de candidatos e partidos são muito trabalhosos e pouco claros para os usuários, o que enfraquece a confiança nesses instrumentos.” No Digital Governance Lab em Osaka, estão sendo desenvolvidos métodos para tornar a seleção de perguntas nas ferramentas de auxílio ao voto online sempre compreensível e transparente.

Como uma democracia multipartidária estável, com eleições frequentes, o Japão oferece, segundo especialistas como Airo Hino e Uwe Serdült, condições ideais para o uso, análise e desenvolvimento de novas formas digitais de participação cidadã.

Entre essas ferramentas estão, além das plataformas do tipo Smartvote, os direitos de petição e de iniciativa popular. Estes últimos também despertam o interesse da prefeita de Suginami, Satoko Kishimoto: “Como na Suíça, quero que os cidadãos da minha cidade se identifiquem mais com as decisões políticas e suas consequências, e assumam responsabilidade por elas”.

Edição: Mark Livingston

Adaptação: Karleno Bocarro

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