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Disque-ajuda contra a exploração sexual

Halimatou (à direita) esconde o rosto durante a coletiva no Clube Suíço de Imprensa. Keystone

Duas ONGs baseadas em Genebra lançam um número telefônico gratuito e confidencial (0800 208020) para orientar vítimas do tráfico humano, a terceira mais lucrativa atividade do crime internacional.

A cada ano a Suíça registra até três mil vítimas do tráfico, em grande parte obrigadas a se prostituir. Leia aqui o “Passaporte para a liberdade”, um guia para as brasileiras no exterior feito pela OIT.

Para muitas mulheres de países do Terceiro Mundo, a perspectiva de encontrar um trabalho na “rica” Europa espanta qualquer hesitação. O que muitas não esperam, quando chegam ao seu destino, é que serão violadas, seus passaportes confiscados e o prometido emprego no restaurante se transformará em prostituição nos milhares de bordéis legais ou clandestinos ativos no velho continente.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o tráfico de seres humanos é hoje a terceira atividade criminosa mais lucrativa das máfias internacionais, estando apenas atrás do comércio de armas e de drogas. Os lucros gerados por essa atividade movimentam anualmente 32 bilhões de dólares, dos quais 28 bilhões viriam diretamente da exploração sexual de mulheres e crianças. Os especialistas estimam em 2,5 milhões de pessoas o número de vítimas do crime a cada ano.

A Suíça é ponto de passagem ou muitas vezes o destino final para mulheres originárias do leste europeu, Brasil, República Dominicana ou África. Em grande parte elas são forçadas a se prostituir, mas as autoridades também identificam casos limitados de exploração como mão-de-obra barata em casas de família ou embaixadas.

Uma peculiaridade helvética, ao contrário dos vizinhos europeus, é que o país criou em 1975 um visto especial para dançarinas de cabaré. Oficialmente, o visto “L” permite o trabalho “artístico” por até dezoito meses. O problema é que os controles regulares feitos pela polícia não permitem saber o que a pessoa faz fora das horas de serviço. Essa brecha é utilizada por muitas redes de traficantes.

Em 2006, a Suíça ratificou a convenção da ONU contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. Logo depois ela fez as modificações necessárias na sua legislação, que prevêem penas de até vinte anos (ler coluna da direita) para os autores do crime. Ao mesmo tempo, várias ONGs já procuram uma forma de lutar contra o problema de forma concreta. Duas delas dão o exemplo.

Depoimento da vítima

A “Amigos da Humanidade” (Friends of Humanity) e “Acabe com o Tráfico Humano Agora!” (End Human Trafficking Now!), baseadas em Genebra, criaram uma linha telefônica especialmente desenvolvida para vítimas do tráfico de seres humanos. Seu lançamento ocorreu durante uma coletiva de imprensa realizada na terça-feira (03.06). Para reforçar o apelo à mídia, eles trouxeram um vítima, que deu um emocionante depoimento.

“Fui submetida a humilhações indescritíveis, tanto física como mental”, conta envergonhada Halimatou, uma jovem originária da África ocidental. Hoje ela vive no “Au Coeur des Grottes”, um centro genebrino de acolhimento para mulheres em fuga.

Halimatou conta que saiu da África em 2005 à convite de um amigo, que havia lhe prometido casamento e uma vida melhor na Europa. Quando chegou em Genebra, seu passaporte foi confiscado e ela foi obrigada a se prostituir. Depois de dois anos de martírio, ela reuniu coragem e escapou do pequeno apartamento onde vivia para procurar a polícia. Esta levou-a ao centro e abriu um processo contra os proxenetas.

Anne Marie von Arx-Vernon, é vice-diretora do “Au Coeur des Grottes”. Ela conta à swissinfo que, nos últimos doze anos, sua instituição abrigou cinqüenta mulheres com uma história similar a de Halimatou. Para ela, essa é apenas a ponta do iceberg.

“A maioria das vítimas não estão nos cabarés ou salões de massagem, mas sim confinadas em apartamentos. Depois de algum tempo, elas acabam conseguindo escapar. A primeira coisa que dizem quando chegam no centro é que não sabiam que alguém poderia ajudar”, conta.

O número telefônico

O “disque-denúncia” em Genebra tem como principal objetivo oferecer um canal independente de comunicação para as vítimas. Devido a situação de ilegalidade no país, muitas delas temem ir às autoridades. O medo de expulsão é maior do que dos martirizadores.

Um serviço similar foi criado em 2004 pelo Centro de Informações para Mulheres da África, Ásia, América Latina e Europa Oriental (FIZ, na sigla em alemão), com sede em Zurique.

Nos dois casos, os serviços são gratuitos e confidenciais. “Esse número está voltado para a situação da vítima e nos permitirá entender melhor o problema em Genebra. As pessoas podem explicar sua situação sem dar a identidade e receber orientação dos serviços que oferecemos. A vítima é que tem de dar o primeiro passo”, diz Ivana Schellongova.

Embora existam diversos instrumentos legais, sejam nacionais ou internacionais, de combate ao tráfico, as vítimas não sabem que têm direito à assistência por parte das autoridades, explica a diretora do programa na ONG “Acabe com o Tráfico Humano Agora!”.

No Brasil, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) também lançou uma campanha de alerta voltada para brasileiras. Entre outras informações disponibilizadas, ela oferece o “Passaporte para a liberdade – Um guia para as brasileiras no exterior” (O livreto de 84 páginas pode ser baixado ao clicar sobre o link na parte superior direita da página).

Proteção

De acordo com a Polícia Federal, a Suíça investe anualmente entre dois e três milhões de francos em campanhas para prevenir o tráfico de seres humanos e de informação nos países de origem. Porém a legislação de combate ao problema e de apoio às vítimas ainda está atrasada na Suíça, acredita Schellongova. “As leis que prevêem o apoio à vítima precisam ser reforçadas e equiparadas à convenção contra o tráfico humano assinada pelos países membros do Conselho da Europa”.

A convenção, lançada em 2005, prevê que os signatários protejam as vítimas de qualquer forma de exploração e programem medidas para garantir seus direitos. De forma concreta, os países devem dar mais tempo às vítimas para elas se recuperarem do calvário e decidir se irão ajudar as autoridades policiais a perseguir os criminosos. Isso significa que elas receberiam vistos de permanência no país onde escaparam.

Na Suíça, diversas leis criadas nos últimos anos para combater a imigração ilegal criminalizaram as vítimas de prostituição forçada. Muitas delas terminam sendo deportadas, informa o Centro Suíço de Informação para Mulheres.

A ONG suíça “Terre des Femmes” reivindica direito de permanência para vítimas do tráfico humano e prostituição forçada. Até hoje, o visto só é dado caso a pessoa colabore com as autoridades ao participar de inquéritos e testemunhar, algo que muitas temem devido às ameaças que sofrem.

No “Au Coeur des Grottes” muitas delas encontram um aliado. “Lutamos frente às autoridades para as mulheres que estão conosco não sejam expulsas. Elas precisam de tempo para se recuperar. Ao comprovarmos sua situação é até possível fazer um pedido de visto humanitário de um até dois anos”, explica von Arx-Vernon.

swissinfo, Alexander Thoele e Simon Bradley

Um relatório da Polícia Federal Suíça publicado no ano passado estima que a indústria do sexo chega a movimentar 3,2 bilhões de francos (US$ 3,07 bilhões) por ano no país.
O número de prostitutas trabalhando na Suíça aumentou em 20% entre 2003 e 2005, com 14 mil delas registradas como “trabalhadoras do sexo” em 2005.
O relatório estima entre 1.500 e 3.000 o número de vítimas de tráfico humano no país em 2005.
O tráfico humano é a terceira mais lucrativa atividade criminosa, depois de tráfico de armas e de drogas.
O número telefônico de atendimento em Genebra: 0800 20 80 20 (funciona de 14 às 18 horas, de segunda à sexta-feira)

Prostituição é legal na Suíça, mas as prostitutas devem registrar frente às autoridades municipais e de saúde, além de fazer regularmente “check-ups” médicos.

Proxenetismo é ilegal e incomum: a maior parte das prostitutas opera de forma independente em pequenos estúdios; o contato é feito através de celulares. Elas não são permitidas de se expor nas ruas.

Tráfico humano pode dar penas de prisão de até vinte anos. Coagir uma pessoa à prostituição é punível com até dez anos de prisão. Ao lado de tráfico com objetivo de exploração sexual, a legislação está sendo modificada para tornar punível o tráfico de mão-de-obra e também a remoção de órgãos humanos.

Os vistos “L” foram criados em 1975 e permitem que pessoas de países sem acordo de livre circulação com a Suíça possam vir ao país trabalhar como dançarinas em clubes e cabarés por no máximo oito meses.

Em 2006, a Suíça ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e criança.

O FIZ (Centro de Informações para Mulheres da África, Ásia, América Latina e Europa Oriental) atende mulheres que precisam de ajuda ou aconselhamento na Suíça.

Os assistentes sociais falam vários idiomas e tratam dos seguintes temas: tráfico de mulheres, violência, direito de permanência na Suíça e ilegalidade, separação e divórcio, e trabalho em cabarés e prostituição.

Endereço:
Badenerstrasse 134, 8004 Zürich
Entrada por trás do prédio
Tel: 044 240 4422 (segundas às quintas-feiras, das 9 às 13 horas)
Fax: 044 240 4423
E-mail: contact@fiz-info.ch
Site: http://www.fiz-info.ch

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