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Combate ao desmatamento é mensagen de Lula em Davos

Entrada do WEF 2023 em Davos
O Fórum Econômico Mundial de 2023 abriu suas portas em Davos na segunda-feira (16.01). © Keystone / Laurent Gillieron

Marina Silva é o rosto do novo governo brasileiro e, em sua política externa, faz parte da ofensiva de Luiz Inácio Lula da Silva para convencer o mundo de que o Brasil finalmente vai se comprometer com o fim do desmatamento. Depois de anos sendo parte do problema, o Brasil quer ser parte da solução.

Silva, escolhida para o estratégico cargo de ministra do Meio Ambiente, participa do Fórum Econômico Mundial (WEF), em Davos, e leva consigo duas mensagens que a comunidade internacional espera do Brasil neste momento: a do compromisso pela democracia e pelo combate contra o desmatamento.

A viagem ocorre uma semana depois de a sede dos três poderes no Brasil ter sido alvo de ataques de simpatizantes de Jair Bolsonaro, o ex-presidente. O ato foi condenado pelo governo da Suíça e pela comunidade internacional.

Antes de embarcar, ela conversou com o jornalista da swissinfo.ch sobre sua primeira viagem ao exterior como ministra, suas mensagens aos donos do poder e a relação com a Suíça. Sua missão: virar a página da desconfiança internacional depois de quatro anos de um governo negacionista e responsável pelo maior aumento nas taxas de desmatamento no país em décadas.

swissinfo.ch: A senhora viaja uma semana depois dos ataques contra Brasília. Acredita que a credibilidade do país possa sofrer?

Marina Silva: Ela já vinha sofrendo e muito. E o que aconteceu no dia 8 é ainda o “resto a pagar” do que vinha ocorrendo. Isso foi a demonstração cabal que, do ponto de visto social, político e civilizatório, o Brasil não suportaria mais quatro anos de Jair Bolsonaro. É a demonstração cabal da importância estratégica da eleição de Lula.

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Assim como eles (bolsonaristas) estão deixando uma conta negativo de desmatamento, de pobreza, estão deixando essa conta negativa na imagem do Brasil. Uma coisa importante é que novo governo reverte isso. Vimos a quantidade de telefonemas que Lula recebeu e a sinalização de governos não compactuariam com qualquer aventura autoritária.

swissinfo.ch: Sobre a ameaça autoritária, a senhora leva para Davos alguma mensagem específica de que a democracia é sólida?

M.S.: Com certeza. As nossas instituições democráticas e a ação do estado brasileiro reagiram à altura à confrontação que foi feita. Temos confiança. Mas não podemos subestimar e precisamos ser vigilantes. E não ter a sensação de que somos autossuficientes. Onde a democracia é atacada num lugar, ela deve receber solidariedade de todos. A democracia é um ecossistema. Onde ela está enfraquecida em um lugar, está enfraquecendo a todos.   Se por um lado já conseguimos derrotar eleitoralmente esse movimento, agora é o esforço de continuar para que o governo da democracia seja vitorioso.

swissinfo.ch: E de uma forma geral, qual a mensagem da senhora para Davos?

M.S.: A mensagem é de que o Brasil volta ao protagonismo, sustentado pelo fortalecimento da democracia, combate à desigualdade e sustentabilidade. Obviamente que a tradução disso em termos efetivos é o grande desafio que está sendo colocado ao governo, com a clareza de que isso não é uma ação exclusiva do governo. Vai depender da capacidade de criar políticas públicas. Mas em forte parceria com diferires segmentos da sociedade, como empresários e movimentos sociais. 

swissinfo.ch: A senhora fez vários anúncios da retomada do Fundo da Amazônia e do fortalecimento dos controles ambientais. Quanto tempo até a nova política brasileira surtir efeitos e o desmatamento cair?

M.S.: No primeiro governo Lula (2003), quando chegamos, tivemos de criar as coisas do zero e num momento em que o desmatamento aumentava. Nunca nenhum governo tinha botado o desmatamento dentro das prioridades. Agora, é uma situação muito mais grave. Temos um orçamento completamente degradados, serviços públicos enfraquecido e equipes desmontadas. Mas, de outro lado, temos a experiência e sabemos que podemos fazer. O que eu posso dizer é que vamos fazer um trabalho consistente. Não posso falar em datas. Mas, mais que uma data, quero ter um resultado,

Marina Silva e Luiz Inácio Lula da Silva
Marina Silva (esq.) e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em 29 de dezembro de 2022, quando foi nomeada ministra do Meio Ambiente. Copyright 2022 The Associated Press. All Rights Reserved

swissinfo.ch: Vimos no governo do presidente Bolsonaro a forte presença de militares na administração pública e na Amazônia. Eles são parte do problema ou da solução?

M.S.: Eles podem fazer parte da solução, desde que sejam acionados para o que estão constitucionalmente aptos a fazer. Já fizeram isso no passado. Os resultados que obtivemos foi quando agimos de forma coordenada com 13 ministérios. E o Exército teve um papel importante, com apoio logístico para operações e um poder de dissuasão. O que eles não podem fazer é se colocar no lugar do Ibama (Agência de proteção ambiental do Brasil).

swissinfo.ch: Em sua avaliação, a agenda do Fórum Econômico Mundial tem tratado de forma suficiente o desafio ambiental?

M.S.: Cada vez mais esse tema ganha o principal foco dos eventos e do Fórum, o que é muito positivo. Também por estar ocorrendo também com o foco na desigualdade, desenvolvimento econômico e atender aos compromissos do Acordo de Paris. Claro, uma coisa são as declarações, que já acontecem em algumas edições do Fórum. Outra coisa são os resultados e como isso se traduz na prática.

Não basta apenas fazer declarações. Precisamos ter um cronograma e metas de implementação. Essa é a grande cobrança da sociedade civil. Assim como os governos mudam, os CEOs das grandes empresas também mudam. Então, tem de acabar com a lógica de declarações sem que tenham internalizado nas estruturas das empresas e governos o cumprimento dessas metas.

Não adianta um CEO assumir e anunciar uma meta. Alguns anos depois, ele sai e outro entra em seu lugar, e anuncia as mesmas metas. Enquanto isso, a empresa fica no mesmo lugar. A ONU, a sociedade civil, as empresas já estão cuidando para que esses processos sejam internalizados.

swissinfo.ch: O que multinacionais como Nestle ou as tradings de commodities como Trafigura e outras podem fazer para ajudar na agenda climática?

M.S.: Para responder aos problemas das mudanças climáticas, precisamos de governos e empresas. Se todos fizerem o dever de casa, vamos conseguir resolver. Se as 20 maiores economias do mundo resolvem atuar, resolvemos 80% das mudanças climáticas. Agora, o setor financeiro e grandes empresas tem a capacidade de dar uma grande contribuição.

Elas podem ajudar estimulando uma cultura naqueles que adquirem seus produtos. Em segundo lugar, elas devem oferecer produtos com qualidade, transparência e constâncias. Por exemplo, quando uma empresa diz que está fazendo seus produtos de forma sustentável, o que significa? Qual o percentual da produção total que de fato cumpre essa meta?

Um outro aspecto é o cidadão, que precisa cobrar das empresas. É uma mudança de produção e de consumo. Isso significa uma nova mentalidade diante de um mundo finito e de seres humanos com uma capacidade infinita de desejar. Se desejamos errado, vamos destruir as condições de nossa existência.

swissinfo.ch: Existem indícios na Suíça de que o ouro da Amazônia pode estar chegando às refinarias do país. Qual deve ser a postura dessas refinarias?

M.S.: O ouro da Amazonia é ilegal. Ele é produzido de forma ilegal, em terras indígenas e reservas ambientais, contaminando os solos e os rios. Temos imagens de crianças do povo Yanomami, como se estivessem em campos de concentração. O que eles têm de fazer é certamente cortar o suprimento dessa matéria prima.

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O cidadão não vai querer o ouro de sangue, o ouro de crianças que ficam com a visão comprometida por conta do garimpo, que ataca o sistema nervoso central. Se você não está preocupando com esse fornecimento, olhe o que está te ornamentando e provavelmente será a coisa mais feia e lamentável que você pode estar usando. De cada dez crianças Yanomami, quatro estão contaminadas pelo garimpo.

swissinfo.ch: O acordo comercial entre o Mercosul e o EFTA ainda esbarra no debate ambiental? A senhora considera que o comércio ajuda ou amplia o desmatamento?

M.S.: Depende de como você vai comercializar. Se for só olhar a qualidade proteica e nutricional, ou a qualidade sanitária, sem olhar para aspectos sociais, éticos, ambientais, culturais, ele pode prejudicar. Se integrarmos todos os outros elementos, podemos ajudar. O ato de comercializar não é bom ou ruim. Dependente de como é feito e o produto.

Quem participa

Os organizadores do Fórum Econômico Mundial (WEF) afirmam que o encontro de 2023 será notável pela participação histórica de todos os estratos sociais. Mais de 379 chefes de Estado, funcionários graduados e personalidades participam da reunião anual no resort suíço.

2023 será notável por sua participação histórica de representantes de todos os estratos sociais. A lista dos participantes inclui 52 chefes de Estado e de governo, a maioria deles europeus (30). Além disso, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também estará presente.

Os Estados Unidos e a China enviarão delegações, mas seus presidentes não estarão presentes. A delegação americana será chefiada pela chefe da inteligência nacional, Avril Haines, acompanhado pela representante comercial dos EUA, Katherine Tai; Christopher Wray, diretor do FBI e John Kerry, enviado especial para o Clima. A China, que acaba de suspender as medidas de restrição para combate ao Covid, será representada pelo vice-primeiro ministro Liu He.

Os organizadores observam que o contexto geopolítico e geoeconômico é particularmente sensível este ano. Em 2023, pelo segundo ano consecutivo, nenhum representante da Rússia, nação que tem sido alvo de sanções, estará presente em Davos. Ao mesmo tempo, a Casa da Ucrânia foi inaugurada em maio de 2022 em Davos. O espaço serve para denunciar os crimes humanitários cometidos no país pelas tropas russas. 

Como evitar uma recessão iminente e enfrentar o aumento dos preços dos alimentos e da energia? Essa questão deve ser respondida em Davos. A presença de 56 ministros das Finanças – outro recorde do WEF – 30 ministros do Comércio e 19 governadores de bancos centrais, reflete os presságios sombrios da economia mundial.

Ngozi Okonjo-Iweala, diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), e Kristalina Georgieva, diretora administrativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), liderarão o caminho para encontrar soluções relacionadas à principal missão do WEF em 2023, que é restaurar a confiança em um mundo fragmentado.

No lado dos negócios, a lista de convidados em Davos inclui 60 CEOs de todos os setores e países do mundo. Os principais executivos de multinacionais suíças como ABB, Adecco, AstraZeneca, Novartis, Roche, MKS Pamp, Nestlé e SICPA; assim como bancos como Credit Suisse e UBS, e a resseguradora SwissRe terão representantes participando do encontro.

A lista geral de convidados se inclina preponderantemente para as economias desenvolvidas do Norte Global e os países ricos do Ocidente, mas os organizadores observam que também haverá uma presença significativa da Ásia, América Latina e África. Os presidentes da Coréia do Sul, Yoon Suk-yeol, e das Filipinas, Ferdinand Marcos Jr., já confirmaram sua presença, assim como o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e o presidente do Equador, Guillermo Lasso.

Os organizadores convidaram o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva para o evento, mas o governo optou por ser representado por Marina Silva e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que terá a missão ainda de explicar sua política econômica aos CEOs das maiores multinacionais.

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