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Suíça como um centro para o comércio de máscaras

Mitarbeiter verarbeiten die Schutzmasken in einer Fabrik.
Produção de máscaras de proteção na empresa Wernli AG, em Rothrist (Argóvia), em abril de 2020. Keystone / Ennio Leanza

Graças à pandemia, intermediários ganham milhões com a comercialização de máscaras de proteção. Alguns empresários fizeram da Suíça um centro internacional do produto. Especialistas alertam sobre riscos para a reputação do país alpino e de lavagem de dinheiro.

O novo coronavírus fez sua fortuna. O empresário suíço Jan Küng já ganhou milhões na comercialização de materiais de proteção nos últimos meses sem sequer ter visto as máscaras e luvas. Qual seu segredo? Küng tem uma vantagem que seus parceiros comerciais da China ou do Oriente Médio não têm: sua conta em um banco suíço. Ele a utiliza para mover milhões de francos, passando quantias de um intermediário a outro, que ele encontra através de grupos na rede Whatsapp.

Küng deu ao jornal “NZZ am Sonntag” a visão de um negócio até então escondido, um comércio de materiais de proteção, hoje procurados em todo o mundo e que movimenta bilhões de dólares desde a eclosão da Covid-19. Seu exemplo mostra como a Suíça serve como um centro para negócios globais do setor.

Jan Küng tem aproximadamente quarenta anos e tem outros nomes, na realidade. Ele só se dispôs a falar com o jornal se permanecer anônimo. Como empresário e investidor está sempre à caça de oportunidades. O suíço já perdeu muito dinheiro com seus negócios, mas hoje está ganhando. Ele ressalta: só trabalha na legalidade.

10 a 20 por cento de comissão

Antes do aparecimento do novo coronavírus, esse empresário atuava no setor financeiro. O comércio de produtos de segurança veio através da dica de um amigo. Quando as máscaras se tornaram escassas durante a primeira onda de Covid, na primavera, grupos se formaram no WhatsApp para encontrar compradores europeus para produtos fabricados na China no valor de milhões. Quem encontrava compradores ganhava comissão. Foi assim que Küng ganhou seus primeiros milhões com a intermediação de máscaras de proteção.

Entretanto, o suíço descobriu um modelo de negócios mais lucrativo: agente de comissão. Seu trabalho se resume a aceitar dinheiro de compradores e dividi-lo entre os corretores de um negócio. Funciona assim: por exemplo, um comerciante quer vender um bilhão de máscaras. Porém esse comerciante tem, na maior parte das vezes, apenas uma reserva de compra de um bilhão de máscaras que serão produzidas em um determinado espaço de tempo. Então uma rede de intermediários procura compradores para o material.

O contrato de compra especifica o valor da comissão paga aos intermediários – muitas vezes entre 10 e 20% do preço de compra. A ordem de grandeza está geralmente nos bilhões, diz Küng. O jornal NZZ am Sonntag obteve documentos contratuais para uma transação no valor de doze bilhões de dólares. Küng ganhou cinco milhões de dólares com o negócio – simplesmente por ter pago uma parte das comissões para os corretores. Corretores da comissão como ele recebem entre um e dois por cento das taxas de corretagem.

Como é possível que pessoas como Jan Küng enriqueçam apenas dando alguns telefonemas e cliques no computador, embora haja hoje uma demanda mundial por máscaras e luvas, que custam no mercado apenas alguns centavos? Bettina Borisch, professora de Saúde Pública da Universidade de Genebra, explica: “Em uma situação de crise há sempre especuladores dispostos a explora as carências em seu benefício”. Não é uma situação satisfatória em plena pandemia, pois a especulação leva ao encarecimento de produtos de extrema necessidade, analisa.

Hedge funds no negócio

Especialmente durante a primeira onda da pandemia, os preços dos materiais de proteção subiram extremamente. Muitas vezes, grandes somas tiveram que ser disponibilizadas da noite para o dia, com governos incapazes de fornecer dinheiro diretamente. Essa carência foi um convite a investidores, dentre eles hedge funds, financiadores e empresas de investimento, que se encontravam em grupos do WhatsApp para trocar ideias.

Dentre os diálogos realizados nesse período e recolhidos pelo jornal NZZ am Sonntag, um foi de um desses investidores, com um número telefônico no Marrocos. Ele escreve que procurava máscaras de proteção em nome do governo israelense. Um intermediário da Alemanha respondeu: “Olá. Eu posso oferecer um bilhão de máscaras por 2,42, mais os custos de frete…Posso entregar em qualquer lugar do globo”. Em outra ocasião, o mesmo alemão ofereceu 20 milhões de máscaras originárias de um estoque privado em Portugal. “Quando você tem tempo para uma conferência telefônica?”, perguntou. Muitos encontraram-se pela primeira vez nesses grupos do Whatsapp. Uma vez esclarecidas as condições básicas, sinais de sorrisos eram acrescidos nas mensagens e de polegares para cima.

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É assim que, desde o início da pandemia, bilhões de máscaras e luvas foram comercializadas ao redor do mundo. A pressão para obtê-las era tão grande, que muitas autoridades preferiam fazer vista grossa aos negócios. O Exército suíço, por exemplo, pagou CHF 8.000.000 a dois jovens empresários pela compra de 900 mil máscaras de proteção FFP2 na primavera, cerca de três vezes mais do que o preço de mercado. No Reino Unido, o governo abriu um canal “VIP” durante a crise para possibilitar a compra de materiais de proteção em procedimentos curtos, sem muita burocracia, revelou o jornal americano “New York Times”. O governo também havia assinado contratos no valor de bilhões com empresas que anteriormente haviam chamado atenção por envolvimento em casos de corrupção ou evasão fiscal.

Para os investidores, o negócio há muito tempo se tornou uma nova aposta financeira, explica Jan Küng. Eles especulam em máscaras e luvas, assim como anteriormente o faziam com commodities como trigo, ouro ou até carne de porco. “Eles reservam para si quotas de produção para aumentar o preço do produto. Depois as passam para frente a empresas que compram materiais de proteção principalmente em nome de governos, organizações de ajuda e hospitais”. A mesma história é contada por vários comerciantes, fabricantes de máscaras e produtores de materiais não tecidos na Suíça e na Alemanha.

Conta bancária na Suíça ajuda

Uma conta bancária suíça vale muito neste ecossistema. Küng tem recebido cada vez mais pedidos desde setembro. Em oito transações esse empresário suíço está cuidando do pagamento das comissões, que envolvem negócios no valor de um bilhão de dólares. O dinheiro flui em parcelas em suas contas na Suíça. Delas, as somas passam a intermediários da Europa Oriental, Rússia, África, EUA ou até Oriente Médio.

Daniel Thelesklaf, especialista em finanças e lavagem de dinheiro, não se surpreende ao descobrir que comissões desses grandes negócios sejam pagas através da Suíça. Não há praticamente nenhum outro centro financeiro com a mesma estabilidade geopolítica, experiência profissional e eficiência do que o país alpino, diz.

A Suíça oferece um ecossistema ideal, que inclui universidades especializadas em finanças, o chamado “Vale Crypto” em Zug, onde muitas empresas fintech e advogados especializados atuam. Mas Thelesklaf adverte: “Os riscos para a reputação se a Suíça passa a ser vista com um centro internacional da comercialização de materiais de proteção são consideráveis, especialmente se se existe a possibilidade de lavagem de dinheiro nesses negócios”, analisa o especialista.

Um único negócio de comercialização de máscara frequentemente envolve grupos de intermediários de todas as partes do globo. Advogados, empresas de investimento e outros se envolvem e ganham sua parte. Tais estruturas complexas ao redor do mundo não são apenas incomuns para o que é, em si, um simples negócio comercial. Porém há o risco de lavagem de dinheiro, especialmente se organizações criminosas se aproveitarem da comercialização de máscaras para lavar dinheiro ganho ilegalmente até que, por exemplo, fortunas obtidas com o tráfico de drogas não possam mais ser reconhecidos como tal.

Lavagem de dinheiro

Os perigos também são conhecidos pelo Polícia Federal da Suíça: “A pandemia proporciona um terreno fértil para atividades criminosas e o centro financeiro suíço desempenha um papel central na área de lavagem de dinheiro”, alerta uma porta-voz, ressaltando que a cooperação com os bancos está sendo intensificada.

O principal organismo internacional de combate à lavagem de dinheiro, o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI; em inglês, Financial Action Task Force, ou FATF), também escreve: muitos países observam um aumento do chamado crime de colarinho branco através da comercialização de materiais de proteção. Seus especialistas consideram que a lavagem de dinheiro em transações comerciais do setor tinha de ser colocada sob vigilância.

Jan Küng avalia através de especialistas a idoneidade dos destinatários do seu dinheiro. O objetivo é garantir que eles não estejam em nenhuma lista de terroristas ou envolvidos em atividades de lavagem de dinheiro. O empresário ressalta que, até então, não detectou irregularidades. Os bancos suíços são obrigados por lei a verificar a origem do dinheiro e monitorar as transações de seus clientes de acordo com o nível de risco. O UBS, por exemplo, diz: “O banco verifica todas as transações comerciais, bem como as pessoas por trás delas, dentro da estrutura dos regulamentos estabelecidos pelo legislador e pelo órgão regulador de bancos, Finma”.

A propósito, Jan Küng já tem na mira novas oportunidades de negócio: “Cada vez mais corretores querem que seu dinheiro permaneça na Suíça”, diz Küng. Ele poderia ajudá-los a criar estruturas de otimização fiscal no país. O interesse cresce. É bem possível que o empresário entre no negócio.

O artigo foi originalmente publicado no jornal NZZ am SonntagLink externo e publicado na swissinfo.ch com permissão dos autores.

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