Suíça resiste a impor próprias sanções contra a Rússia
A Suíça está chocada com o conflito na Ucrânia, mas apoiará as sanções da União Europeia em vez de impor as suas próprias sanções.
O Ministério das Relações Exteriores suíço considera as ações russas na Ucrânia como uma “invasão” e uma “violação grosseira do direito internacional”, de acordo com uma declaração emitida na quinta-feira.
Switzerland's statement on recent developments in #UkraineLink externo pic.twitter.com/4FhxPxrAyKLink externo
— Swiss MFA (@SwissMFA) February 24, 2022Link externo
Na tarde de quinta-feira, o presidente suíço Ignazio Cassis anunciou que a Suíça apoiaria sanções da UE nas áreas de viagens e finanças, mas que ainda não imporia sanções próprias.
Um exemplo concreto é que enquanto a UE congelará ativos de pessoas em sua lista de sanções, a Suíça apenas garantirá que seus bancos não aceitem mais fundos desses indivíduos. Isto é para evitar que os russos sancionados utilizem a Suíça para contornar as medidas da UE.
A Secretária de Estado Livia Leu justificou a mudança citando o papel dos bons ofícios da Suíça e aludiu, em particular, ao mandato de poder protetor que ela assume entre a Rússia e a Geórgia.
No Twitter, o presidente ucraniano Volodimir Selensky e Alexei Navalny, opositor russo encarcerado, apelaram para sanções duras contra a Rússia.
A União Europeia, que já aplicou sanções, está considerando medidas punitivas adicionais. Enquanto isso, os Estados Unidos estão exortando o Ocidente a coordenar as sanções. O que a Suíça deve fazer?
Anteriormente, o governo suíço havia indicado que queria evitar que o país fosse utilizado para contornar as sanções impostas pela UE. É por isso que ele estava estudando de perto as medidas que outros Estados estavam impondo. O governo tinha seguido a mesma abordagem quando a Rússia anexou a Crimeia da Ucrânia em 2014.
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Qual é o futuro da neutralidade suíça?
O que a Suíça precisa levar em consideração
Vários fatores desempenham um papel no equilíbrio das considerações para os suíços:
Neutralidade
Sob este princípio, a Suíça deve manter uma distância comparativamente grande das partes em um conflito. Entretanto, especialistas em direito internacional concordam que isto não se aplica se, como no caso da Rússia, houver um claro ataque unilateral em violação ao direito internacional.
Um papel potencial como mediador no conflito. A Suíça organizou uma cúpula entre o presidente russo Vladimir Putin e seu homólogo americano Joe Biden em Genebra em junho passado e tem oferecido repetidamente seus bons ofícios aos dois países. As sanções podem comprometer o papel da Suíça na diplomacia.
Conferência de Reforma da Ucrânia
Este ano, a Suíça está organizando a Conferência Anual de Reforma da Ucrânia, que se concentra no desenvolvimento econômico do país. Ela está programada para acontecer em Locarno, em julho. Para o presidente suíço Ignazio Cassis, é um projeto de prestígio e uma importante plataforma para a economia suíça – a Ucrânia é vista como um mercado emergente. Se a Suíça não mostrar solidariedade agora, pode prejudicar a Ucrânia.
Relações com a UE
A relação entre Bruxelas e Berna atingiu um mínimo histórico com o fim das negociações do ano passado sobre um acordo-quadro. A Suíça está tentando não causar mais problemas com a Europa. Se a UE seguir adiante com sanções duras, a Suíça se encontrará sob pressão.
Centro financeiro
Os bancos russos também estão presentes na Suíça. O Sberbank e o Gazprombank têm uma agência cada um no país, de acordo com a embaixada russa em Berna. A Suíça é também de longe o maior destinatário do capital privado russo. Entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões (CHF4,6-9,2 bilhões) de dinheiro privado russo flui para a Suíça todos os anos. Estes são outros potenciais pontos de pressão que a comunidade internacional poderia pedir à Suíça para seguir em frente.
Local de negócios
A Suíça abriga a sede de muitas empresas de commodities com forte envolvimento financeiro com a Rússia ou que são ativas no comércio de matérias-primas russas, tais como petróleo e gás.
Cerca de 80% do comércio de commodities da Rússia passa pela Suíça, de acordo com a embaixada russa em Berna. Vitol e Trafigura têm participações no gigante petrolífero russo Rosneft e comercializam petróleo russo, assim como a trading de commodities Gunvor. Todos os três conduzem grande parte de suas atividades comerciais fora de Genebra.
A sede do controverso projeto russo de gasoduto Nord Stream 2 também fica na Suíça. O projeto foi alvo de sanções por parte dos EUA na quarta-feira. Isto dá à Suíça uma vantagem considerável caso ela decida fazer uso das mesmas.
Suíços do Exterior
Há cerca de 700 cidadãos suíços vivendo na Rússia. Eles teriam que lidar com a crise caso a Suíça adotasse sanções duras contra a Rússia por sua agressão à vizinha Ucrânia. A população suíça expatriada é menor na Ucrânia – apenas 210. Eles estão agora em zona de guerra.
Primeiras ações de protesto
A resposta do público suíço tem sido bastante tênue. Enquanto no passado mais de 10.000 pessoas saíram às ruas na Suíça para protestar contra a Guerra do Golfo em 1991 e a guerra no Iraque em 2003, não houve tais manifestações nas últimas semanas, mesmo que a crise na Ucrânia estivesse claramente em modo de escalada.
Na quarta-feira à noite, apenas cerca de 100 pessoas se reuniram em frente à embaixada russa em Berna num ato de protesto. Eles exigiram a retirada das tropas russas do leste da Ucrânia, onde Moscou reconheceu duas regiões separatistas pró-russos.
Mais manifestações são esperadas. Uma aliança de movimentos e organizações, incluindo o Partido Socialista (PS), está convocando uma manifestação pela paz no sábado.
Reações na política e na mídia
Sob a hashtag #StandWithUkraine, muitas pessoas na Suíça estão expressando sua indignação.
“A Rússia lançou uma guerra de agressão contra a Ucrânia”, tuitou o deputado socialista Fabian Molina. “Esta brutal violação do direito internacional está destruindo a paz na Europa. A Suíça deve estar em total solidariedade ao lado de nossos parceiros europeus”.
Jon Pult, outro deputado socialista, tuitou: “Putin está travando uma guerra contra a Ucrânia e violando a Carta das Nações Unidas. Não há neutralidade diante de tais violações do direito internacional”. A Suíça deve apoiar as sanções, disse ele, acrescentando que a hesitação do governo é inaceitável. “O sistema oligárquico de Putin deve ser enfraquecido financeiramente”.
A imprensa suíça reagiu com alarme, chamando a invasão russa da Ucrânia de uma flagrante violação do direito internacional e de um ponto de inflexão política para a Europa.
“A política sem convicção da América e da Europa em relação ao tirano Putin falhou”, escreveu o jornal de língua alemã Neue Zürcher Zeitung. “Em vista do perigo da Rússia para todo o continente, agora é necessária uma reviravolta”.
“O fim do velho mundo começou”, lê-se na manchete do Tages-Anzeiger. “Depois deste dia negro, nada voltará a ser o mesmo”.
Putin, comenta o jornal, perdeu toda a empatia, todo o senso de proporção. “A discussão sobre sanções duras parece estranhamente deslocada e desamparada, porque deixa claro que no momento nada pode deter a loucura”, diz o jornal.
Mas há também os chamados “simpatizantes de Putin” na Suíça, que vão dos círculos conservadores de direita aos comunistas.
Yvette Estermann, do Partido Popular Suíço, de direita, por exemplo, disse ao Aargauer Zeitung que estabelecer uma zona tampão entre o Oriente e o Ocidente faz sentido. Essa zona-tampão seria a Ucrânia, a região de Donbass, de modo que as tropas da OTAN não se encontrem em nenhum lugar perto da fronteira russa.
Filippo Lombardi, senador do centro que dirigia o grupo de amizade parlamentar Suíça-Rússia, disse ao Aargauer Zeitung: “O Ocidente cometeu pelo menos tantos erros quanto a Rússia”.
Impacto no franco suíço
Enquanto os preços das ações estão caindo, os preços do petróleo e do ouro estão subindo. Moedas como o franco suíço estão sendo procuradas como refúgio nestes tempos tumultuosos.
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Adaptação: Fernando Hirschy
Adaptação: Fernando Hirschy
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