The Swiss voice in the world since 1935

Suíços em busca de criaturas misteriosas

imagem
O Pé Grande e o macaco de De Loys continuam sendo personagens importantes na criptozoologia até hoje. Ilustração de Marco Heer / blog do Museu Nacional Suíço

No século 20, dois suíços seguiram trajetórias muito distintas, mas partilharam a mesma obsessão: criaturas misteriosas. Conheça René Dahinden e François de Loys – o órfão e o geólogo que marcaram a história da criptozoologia.

A Swissinfo publica regularmente outros artigos do blog do Museu Nacional SuíçoLink externosobre temas históricos. Esses artigos estão sempre disponíveis em alemão, francês e inglês.

O iéti no Himalaia, o monstro do Lago Ness na Escócia, o pé-grande na América do Norte… criaturas lendárias nos fascinam há muito tempo. Desafiando o olhar cético da ciência, entusiastas do mundo todo, conhecidos como criptozoólogos, dedicam-se à busca de espécies ainda não reconhecidas oficialmente.

Entre esses pesquisadores de animais fantásticos, estão cidadãos suíços conhecidos por terem apresentado “provas” que até hoje influenciam a imagem dessa paraciência. Um dos mais famosos é René Dahinden, nascido em Lucerna, na Suíça Central. Em meados do século 20, ele partiu para explorar as florestas canadenses em busca do lendário pé-grande. O suíço adquiriu os direitos do documentário Bigfoot (também conhecido como o filme Patterson-Gimlin), considerado ainda hoje como a principal prova da existência do famoso hominídeo norte-americano.

>> Filme Patterson-Gimlin: é realmente o pé-grande andando pela floresta? (YouTube):

Conteúdo externo

Um geólogo suíço também fez outra contribuição decisiva para a criptozoologia.  Em 1920, François de Loys fotografou um macaco de aparência incomum na Venezuela. Essa foto continua sendo apresentada como prova da existência de grandes primatas desconhecidos na América do Sul. O filme Patterson-Gimlin e a fotografia de François de Loys foram transmitidos e reproduzidos em inúmeros livros, programas de televisão e sites. Os dois homens se tornaram figuras importantes da criptozoologia, embora seja difícil imaginar trajetórias mais distintas.

Da Suíça para o Canadá, passando pela Suécia

René Dahinden nasceu em 1930, em Lucerna, e cresceu em circunstâncias difíceis. Nascido fora do casamento, ele viveu em um orfanato até ser adotado por um casal de idosos, um ano após sua chegada. Mas quando sua mãe adotiva morreu e seu pai adotivo se casou novamente, René foi enviado para um colégio interno, onde aprendeu, como diria mais tarde, que “ninguém o queria”. Essa experiência se tornaria a base de sua personalidade independente. Aos 13 anos, ele se reencontrou com sua mãe biológica, com quem viveu por alguns meses, mas o reencontro acabou em fracasso. René foi colocado em uma fazenda, onde precisou trabalhar arduamente. Aos 15 anos, ele partiu por conta própria.

O jovem viajou por toda a Europa, trabalhando em uma grande variedade de profissões. Em 1952, ele conheceu sua futura esposa, Wanja Twan, na Suécia. Alguns meses depois, René decidiu emigrar para o Canadá, onde começou a trabalhar em uma fazenda perto de Calgary. Foi lá que descobriu a lenda do iéti e ouviu falar que havia criaturas semelhantes na província canadense da Colúmbia Britânica. Essas histórias despertaram sua curiosidade e, durante toda a sua vida, ele manteria uma paixão pelo pé-grande, também conhecido como Sasquatch – nome dado ao iéti canadense.

imagem
No início da década de 1950, Dahinden partiu para Calgary. Internet Archive

Em 1955, Dahinden mudou-se para Williams Lake, na Colúmbia Britânica, onde trabalhou em uma serraria e começou a dedicar seu tempo livre à pesquisa e ao estudo do Sasquatch. Em 1956, ele se casou com Wanja, que também havia se mudado para o Canadá. Eles tiveram dois filhos, Erik e Martin. Mas a crescente paixão de René pela busca do pé-grande era um fardo para a família. O casal se separou em 1967, vítima da obsessão de René pela criatura. Dahinden se tornou uma figura importante nos esforços de busca e desempenhou um papel central em alguns eventos marcantes, como a análise do famoso filme de Patterson-Gimlin de 1967. Essa breve filmagem em 35 mm, gravada no norte da Califórnia, supostamente mostra um pé-grande atravessando uma clareira. Até hoje, muitos a consideram a melhor evidência da existência da criatura.

>> Como Dahinden passou sua vida procurando o “pé-grande”: vídeo em inglês (YouTube):

Conteúdo externo

Em 1971, Dahinden embarcou em uma turnê mundial que tinha como objetivo conquistar cientistas para sua causa. Ele apresentou o filme Patterson-Gimlin em lugares como a União Soviética e fez tudo ao seu alcance para garantir que o documento recebesse a atenção científica que ele achava que merecia. Graças à sua persistência – e, sem dúvida, também ao seu forte sotaque suíço –, Dahinden se tornou uma personalidade conhecida, mesmo fora da criptozoologia. Ele deu várias entrevistas na televisão e, na década de 1990, chegou a aparecer em um anúncioLink externo de uma cerveja canadense.

imagem
Artigo sobre René Dahinden publicado no Walliser Volksfreund, fevereiro de 1972. e-newspaperarchives

Nos anos que antecederam sua morte, Dahinden adquiriu os direitos das imagens do filme Patterson-Gimlin, o que lhe rendeu um longo processo judicial. Até a velhice, ele permaneceu membro ativo da comunidade de caçadores do pé-grande, mas morreu em 2001 sem jamais ter visto a criatura.

Expedição para a Venezuela

Diferentemente de René Dahinden, François de Loys entrou no mundo da criptozoologia por acaso. Nascido em 1892, ele era de uma família abastada da Suíça francófona. Em 1912, começou seus estudos na Universidade de Lausanne, onde obteve seu título de doutor em geologia em 1917. Nesse mesmo ano, de Loys foi contratado por uma empresa petrolífera holandesa para realizar estudos geológicos na Venezuela. Na época, a região em que ele estava trabalhando era praticamente inexplorada, com terras inacessíveis, doenças tropicais e povos indígenas hostis.

Em 1920, durante uma expedição na região remota do rio Tarra, François de Loys teria se deparado com dois animais estranhos. Ele contou ter encontrado dois grandes macacos de pelo ruivo às margens do rio Tarra. Surpreendentemente, ambos os animais se locomoviam em pé. Eles se aproximaram do acampamento nitidamente furiosos: gritavam, gesticulavam e jogavam seus excrementos na cabeça dos homens, como de Loys relatou mais tarde. Diante disso, os membros da expedição decidiram atirar nos macacos, matando a fêmea.

De Loys então tirou uma foto do animal morto. A imagem mostra um macaco morto sentado em uma caixa de transporte, com a cabeça excepcionalmente expressiva apoiada em uma vara para manter o corpo ereto. A imagem do “Ameranthropoides loysi” gerou muita polêmica.

imagem
Imagem retirada de um artigo publicado no jornal Illustrated London News de 15 de junho de 1929 sobre o macaco de Loys. Internet Archive

Georges Montandon, antropólogo franco-suíço, publicou a foto de de Loys em 1929, em um artigo no Journal de la société des américanistesLink externo. Para ele, o registro era uma prova de sua teoria pessoal da evolução. MontandonLink externo tinha afinidades com o nacional-socialismo, e suas teorias racistas e eugenistas deixavam isso evidente: ele postulava que a espécie humana havia se desenvolvido de forma independente nos diferentes continentes. Esse preconceito influenciou sua percepção da foto de de Loys, já que a descoberta de um macaco antropoide sul-americano confirmava suas teorias. O próprio “descobridor” publicou um artigo sobre esse macaco no Illustrated London News, em junho daquele mesmo ano.

Mas muitos zoólogos renomados, incluindo o primatologista americano Philip Hershkovitz, rejeitaram de forma categórica a suposta descoberta de de Loys. Hershkovitz, que conhecia bem a região do rio Tarra, não encontrou qualquer indício da existência de um macaco como aquele e descreveu a descoberta como uma fraude. Criticou duramente de Loys, que considerava um cientista pouco confiável, e afirmou que a descoberta só poderia ser resultado da confusão com uma espécie local conhecida ou uma farsa deliberada.

imagem
Retrato de François de Loys, anos 1920. e-periodica

Nenhuma outra evidência da existência do “Ameranthropoides loysi” foi encontrada. Pelo contrário: em 1962, um certo Dr. Enrique Tejera se deparou com um artigo sobre o macaco de Loys na revista The Universal e decidiu escrever para o autor. Sua carta, que foi publicada posteriormente, contava uma história completamente diferente sobre a foto.

Tejera dizia que havia trabalhado com de Loys na Venezuela para uma empresa de petróleo. O macaco era, na verdade, um macaco-aranha local que havia sido dado a de Loys. A cauda do animal havia sido amputada após um ferimento. Pouco tempo depois, o animal morreu, e de Loys aproveitou a oportunidade para tirar essa foto. Qual das duas histórias é verdadeira? Provavelmente nunca saberemos. Após sua aventura na Venezuela, de Loys continuou trabalhando como geólogo e fez carreira no setor de petróleo, principalmente na Turkish Petroleum Company. Ele trabalhou por um longo período no Oriente Médio, onde faleceu em 1935 em decorrência de uma doença.

Os suíços René Dahinden e François de Loys deixaram sua marca na criptozoologia. Mas a figura mais influente foi, sem dúvida, Bernard Heuvelmans (1916-2001). Considerado o pai dessa pseudociência, em 1999 ele deixou todos os seus documentos e coleções para o NaturéumLink externo [o Museu Cantonal de Ciências Naturais] em Lausanne, onde estão arquivados.

Christoph Kummer é historiador e jornalista independente. Ele se interessa por pessoas e eventos que são desconhecidos do público em geral.

Adaptação: Clarice Dominguez

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR