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Vítimas suíças do Holocausto recebem homenagem com pedras

Pedras memoriais sendo fixadas no solo.
Pedras memoriais sendo fixadas no solo. Keystone / Ennio Leanza

"Stolpersteine", literalmente "pedras do tropeço", são uma forma estabelecida na Europa de lembrar das vítimas do Holocausto. Atualmente, elas estão se tornando cada vez mais recorrentes na Suíça. Uma associação recém-fundada pretende aprimorar a cultura da lembrança com essa escolha descentralizada, que se apresenta como uma alternativa aos grandes memoriais.

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No dia 27 de novembro de 2020, as “pedras do tropeço” foram colocadas pela primeira vez em Zurique em lembrança das vítimas da perseguição nazista. Dois entre esses sete paralelepípedos memoriais são dedicados a Lea Berr e a seu filho Alain: quadrados de latão, com um comprimento de borda de pouco menos de dez centímetros, esclarecem sobre o destino dos dois.

Lea Berr nasceu na Argentina, em 1915, em uma família suíça judia que havia migrado para o país sul-americano. Em 1937, retornou à Suíça e se casou com um francês. Isso fez com que ela perdesse a cidadania suíça [o que ocorria de acordo com as regras daquela época]. Com o marido, mudou-se para Nancy, onde, em 1942, nasceu seu filho Alain. Dois anos mais tarde, a Gestapo prendeu a família e deportou seus membros para Auschwitz, onde Lea e Alain foram assassinados.

Uma mulher segurando um bebê
Lea Berr com seu filho Alain. Foto extraída do livro “Os prisioneiros suíços do campo de concentração”. 2019 © by NZZ Libro

A colocação das pedras da memóriaLink externo no endereço Clausiusstrasse, n° 39, em Zurique, onde a família Berr morava, foi organizada pela recém-fundada Associação das Pedras do Tropeço na Suíça. A diretoria é presidida por Res Strehle, ex-editor-chefe do jornal Tages-Anzeiger.

A Associação conta com o apoio da escritora e professora Ruth Schweikert, do pastor reformado e colunista Roland Beat Diethelm, do consultor empresarial Roman Rosenstein e do historiador Jakob Tanner. O início do projeto em memória das vítimas foi amplamente coberto pela mídia e saudado por todas as partes.

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Levando passantes à reflexão

A ideia original de colocação das Stolpersteine (pedras do tropeço) é do artista berlinense Gunter Demnig. Os pequenos paralelepípedos de latão, incrustados no chão, contêm os nomes e breves dados biográficos das vítimas, a fim de incentivar os transeuntes a refletir sobre o destino das pessoas perseguidas e assassinadas pelo regime nazista. O local de colocação normalmente coincide com o da última residência escolhida voluntariamente pelas pessoas preseguidas antes de sua prisão, fuga ou expulsão.

Para Demnig, o mentor da ideia, importa a lembrança individual: “Os nazistas queriam exterminar as pessoas, transformando-as em números e apagando até mesmo a lembrança de que um dia existiram”, consta do site do artista. Demnig quis reverter esse processo, trazendo os nomes das vítimas de volta aos locais onde viveram em suas respectivas cidades. Segundo ele, os espaços centrais de memória costumam não ser suficientemente visíveis no espaço público.

Homem colocando pedras memoriais no chão
Gunter Demnig colocando pedras memoriais com a inscrição: “Stolpersteine e os republicanos espanhóis nos campos nazistas” em Madri. Antonio Navia / NurPhoto

Desde a virada do milênio, o conceito foi se espalhando a partir da Alemanha para toda a Europa – como um movimento popular. Hoje, ele pode ser considerado o maior memorial descentralizado do mundo. Mais de 75 mil pedras foram colocadas em 25 países, da Espanha à Rússia.

Vítimas suíças esquecidas

Pode parecer surpreendente que as pedras da memória estejam sendo colocadas também na Suíça, sobretudo porque o país não foi cenário de expulsões ou deportações. Durante muito tempo, a Suíça permaneceu isolada sem as pedras – em meio a muitos outros países com muitas delas. No entanto, não restam dúvidas de que a Suíça desempenhou um papel importante no contexto dos destinos de algumas vítimas da perseguição.

Nos anos 1990, foi desencadeado um debate sobre a política suíça de refugiados durante a Segunda Guerra Mundial e acerca da parcela de responsabilidade do país pela morte de judeus perseguidos. Casos de pessoas que auxiliaram fugas, como Paul Grüninger, cujos méritos foram reconhecidos em 1993, também fizeram parte do debate. Em 2013, por fim, foram colocadas as duas primeiras “pedras do tropeço” em solo suíço, mais precisamente em Kreuzlingen – em memória de duas pessoas que ajudaram refugiados na época.

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Últimos sobreviventes do Holocausto lutam contra o esquecimento

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As vítimas suíças do Holocausto, que, como Lea Berr, viviam no exterior, foram em sua grande maioria esquecidas. Em 2019, o livro Die Schweizer KZ-Häftlinge (Os prisioneiros suíços dos campos de concentração) despertou a consciência coletiva sobre essas vítimas. Trata-se de uma lista com mais de 700 pessoas – cidadãs e cidadãos suíços que viviam no exterior ou que perderam sua cidadania –, das quais aproximadamente 500 não sobreviveram aos campos de concentração.

Foi esse livro que levou Roman Rosenstein a fundar a Associação Pedras do Tropeço da Suíça. Segundo ele, que se empenha no combate ao antissemitismo em diversos grêmios e instituições internacionais, o destino de Berr é típico: ela não contou com a proteção do Estado suíço, porque morava no exterior e havia perdido sua cidadania em função do casamento.

Quando a mãe de Berr perguntou sobre seu paradeiro, órgãos da administração federal informaram que “as representações suíças no exterior não têm autorização para intervir nessa questão”. Devido à ausência de qualquer sinal de vida, a família acabou, por fim, concluindo que Lea Berr e seu filho Alain, de dois anos de idade, foram assassinados em Auschwitz.

Lembrança individual contra o esquecimento coletivo

Esses paralelepípedos da memória podem preencher lacunas na cultura da lembrança. Depois de Zurique, também há planos de colocação dos mesmos na Basileia, em Berna e Winterthur. “As pedras do tropeço têm o objetivo de marcar as lacunas deixadas por aqueles que foram perseguidos”, diz Jakob Tanner, professor emérito de história. Além disso, a forma descentralizada de homenagear as vítimas, segundo ele, combina perfeitamente com a tradição federalista de lembrança da Suíça.

Tanner não vê nenhuma concorrência entre esse projeto e os esforços atuais em prol da criação de um memorial central da Shoah na Suíça. “Projetos como as Stolpersteine podem ser compreendidos como conceitos ‘de baixo para cima’, capazes de servir de legitimação para um memorial nacional. Eles podem mostrar que todos os destinos individuais lembrados ali têm também algo a ver com a Suíça de modo geral, o que torna possível chamar o país, do ponto de vista político, à responsabilidade”.

Adaptação: Soraia Vilela

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Skulptur von jüdischen Gefangegnen

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