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Viena e Singapura mostram saídas públicas para moradia acessível

Casal jantando em restaurante
Um casal jantando na torre do Centro de Exposições da Basiléia Keystone

Diante da crescente crise habitacional em centros urbanos, cidades como Viena, Singapura e Barcelona apostam em caminhos distintos para garantir o acesso à moradia. Enquanto a regulação excessiva tende a reduzir a construção, modelos de controle estatal ou flexibilização urbana surgem como alternativas.

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Grandes cidades ao redor do mundo sofrem de um vírus. E esse vírus se chama crise habitacional.

Em dezembro passado, dez metrópoles europeias soaram o alarme: em uma carta aberta, pediram à União Europeia (UE) que tornasse a crise habitacional uma prioridade.

A Comissão Europeia reagiu prometendo elaborar um plano para moradia acessível, e nomeou um comissário da UE para questões habitacionais.

Isso refletiu, em grande escala, o que a cidade de Zurique vive em pequena escala. A metrópole econômica suíça já nomeou no ano passado um “delegado de habitação”. Este deve resolver a crise habitacional em uma cidade onde atualmente apenas 0,07% dos imóveis estão vagos.

Os exemplos mostram: aqui e acolá, a política reconheceu o problema. Mas a grande questão é: quais medidas levam a alcançar as metas?

De fato, houve e há muitas intervenções na política habitacional — na Suíça, na Europa, e praticamente em todo o mundo. No entanto, várias delas não tiveram sucesso. Sete exemplos e a pergunta: o que se pode aprender com eles?

Basileia: riscos e efeitos colaterais do controle de aluguel

Vista aérea da Basileia
Na Basileia, uma comissão determina se um aumento de aluguel é permitido. Keystone / Georgios Kefalas

Na Basileia, uma comissão de proteção habitacional determina quanto pode ser o aluguel após uma reforma, acréscimo ou reconstrução de um imóvel. Assim determinou a população local, que aprovou uma iniciativa popular correspondente em 2021.

O controle estatal pretende impedir aumentos massivos de aluguel após reformas. Mas ele não vem sem efeitos colaterais: a perspectiva de rendimentos menores aparentemente afastou investidores.

Segundo análiseLink externo da consultoria Wüest Partner, os pedidos de construção e ampliação em Basileia caíram significativamente desde o plebiscito — ao contrário do que ocorreu em cidades suíças do mesmo porte.

Que tetos de aluguel inibem atividades de construção e reforma não é uma novidade. Exemplos recentes vêm também de Paris e Berlim.

Em Berlim, o teto do aluguel levou muitos apartamentos a serem vendidos como propriedade privada — antes que o Tribunal Constitucional Federal anulasse a regulamentação. E em Paris isso gerou um mercado negro de aluguéis informais.

São Francisco também tem experiência com controle de aluguéis, introduzida no fim dos anos 1970 e ajustada nos anos 1990. Segundo um estudoLink externo de 2018, isso reduziu a construção de novos imóveis, restringindo a oferta e elevando os preços. Além disso, houve menos reformas e a qualidade dos imóveis caiu.

Barcelona: imóveis misteriosamente vazios no sul da Europa

Protestos de rua em Barcelona.
Em Barcelona, as pessoas estão se manifestando contra o turismo de massa. No entanto, parte do déficit habitacional é de origem doméstica. Keystone

Em destinos turísticos como Barcelona, discute-se calorosamente o impacto dos aluguéis de temporada nos preços. Ignora-se, no entanto, que o número de imóveis desocupados é muito maior. A criticada empresa Airbnb citou dados do Instituto de Estatística da Espanha, segundo os quais “o número de imóveis vagos em Barcelona é quase oito vezes maior do que o número de licenças de aluguel de temporada”.

O fenômeno não se limita a Barcelona. Em Lisboa, Paris e Atenas, há uma alta quantidade de imóveis vazios em relação aos de temporada. Os motivos variam: falta de dinheiro para reformas ou disputas entre herdeiros que não chegam a um acordo sobre a destinação do imóvel.

A regulamentação também influencia. Segundo o jornal “HandelszeitungLink externo“, Juan Velayos, consultor de investimentos e professor na IE Business School de Madri, aponta que a nova lei habitacional de Barcelona contribui para os imóveis vazios, ao garantir aos inquilinos contratos com validade mínima de cinco anos.

“Quem tem um apartamento que os filhos usarão para estudar em três anos, não pode alugá-lo nesse meio tempo — isso é absurdo”, afirma Velayos.

Viena: o segredo da cidade modelo europeia

Lua no início da noite em Viena.
Viena: a capital austríaca é a menina dos olhos da Europa no que diz respeito à política habitacional. Keystone

Em Viena, os aluguéis custam, em média, um terço do que se paga em Londres, Paris ou Dublin. Esse foi o resultado de um relatórioLink externo de 2024 da consultoria Deloitte, confirmando a fama da capital austríaca como modelo europeu de política habitacional.

O principal motivo é a forte presença de habitação estatal e subsidiada. Mais da metade da população vive em imóveis públicos ou cooperativos, bem longe do mercado privado.

Isso foi possível graças a uma política fundiária ativa e com visão de futuro. Após o fim da monarquia Habsburgo em 1918, muitas propriedades imperiais passaram à República e à cidade de Viena. Viena não privatizou essas áreas. Ao contrário de outras cidades, ela tem direitos de preferência e um fundo fundiário criado nos anos 80, com o qual a cidade expandiu sistematicamente sua posse de terrenos.

O modelo vienense, porém, não está isento de críticas. Nos cerca de 40% do mercado privado, os preços sobem de maneira semelhante aos de outras capitais europeias.

Critica-se também o fato de que a condição financeira dos inquilinos só é avaliada na candidatura, e não é usada como critério para permanência. Isso permite que pessoas que enriquecem ao longo do contrato permaneçam em imóveis subsidiados.

Além disso, há críticas à baixa taxa de propriedade: cerca de 80% da população de Viena vive de aluguel.

Singapura: onde o normal é ser proprietário

Arranhas-céus em Cingapura
Em Cingapura, o estado controla a maior parte da construção residencial. Copyright 2025 The Associated Press. All Rights Reserved

O mercado habitacional de Singapura é uma exceção mundial. No Estado insular do sudeste asiático, mais de 70% dos imóveis são de propriedade dos moradores, construídos pelo Estado no âmbito do “Programa Habitacional”. Segundo dados oficiais, mais de 80% da população vive nesses imóveis.

Trata-se, de fato, de uma estatizaçãoLink externo ampla da habitação, executada pelo Conselho de Desenvolvimento Habitacional. Essa política foi viabilizada por grandes aquisições de terras a partir dos anos 1960, incluindo desapropriações, com terrenos comprados abaixo do valor de mercado.

O Estado mantém o controle do solo indefinidamente, pois as moradias são, na prática, arrendadas por 99 anos.

Críticos apontam que o governo utiliza a política habitacional com outros propósitos, especialmente familiares. Casais jovens heterossexuais têm prioridade na distribuição dos imóveis.

Se este últimos se separarem nos primeiros cinco anos após a mudança, perdem o direito ao imóvel. Solteiros e pais solteiros com menos de 35 anos praticamente não têm chance. Imigrantes também estão excluídos.

Outra crítica é o comércio crescente desses imóveis, apesar das restrições. Localizações centrais e populares tornaram-se caras no mercado secundário, inacessíveis à nova geração.

Tóquio: adensamento e liberalização

Prédios em Tóquio.
Nenhum espaço permanece sem uso em Tóquio. Ao aumentar a densidade, a cidade conseguiu compensar parte da pressão habitacional. Keystone

Desde os anos 1960, Tóquio adota uma política de adensamento para atender à demanda por moradia. As normas de construção foram flexibilizadas diversas vezes e os limites de altura dos prédios aumentaram.

Um marco regulatório importante foi a lei de 2002, que promove a reconstrução de edifícios residenciais. Ela reduziu a proporção mínima de coproprietários necessária para aprovar demolições, e permitiu maior densidade nas reconstruções.

A vida útil dos prédios em Tóquio é baixa na comparação internacional. Segundo um estudoLink externo publicado no início do ano pela Sociedade Imobiliária Housing Japan, ela é de 47 anos para estruturas de concreto e 21 anos para as de madeira.

Graças ao adensamento, Tóquio conseguiu absorver o crescimento populacional ao longo das décadas, em grande parte por causa do mercado privado. O setor habitacional público ou social é pequeno. Recentemente, no entanto, os preços e aluguéis nas áreas centrais subiram, aumentando as críticas.

A situação política do Japão, no entanto, é distinta da Europa ou dos EUA: devido ao envelhecimento populacional e à baixa imigração, o país caminha para um excedente habitacional.

Especialistas esperam que os preços nas áreas centrais de Tóquio permaneçam altos, mas que o mercado imobiliário, no geral, se torne mais equilibrado.

Munique: um modelo de construção de valor agregado

Vista de prédios históricos em Munique
A prefeitura e a Igreja de Maria em Munique, cidade ao sul da Alemanha. Keystone / Laurent Gillieron

Transformar áreas em zonas urbanas ou aumentar sua densidade, resulta em grande valorização imobiliária. Em muitos países ocidentais, é comum exigir que parte desses ganhos seja usada para financiar infraestrutura pública, como escolas.

Além disso, costuma-se impor cotas mínimas de habitação social. Na Suíça, cidades como Berna adotaram esse modelo. Nos EUA, cidades como Nova York, Boston e Washington D.C. usam políticas de zoneamento inclusivo (inclusionary zoning).

Munique, assolada pela crise habitacional, implementou uma abordagem interessante. Em 2021, expandiu sua política de uso socialmente justo do solo, a chamada SoBoN, e a tornou mais flexível com um “sistema modular”. Isso permite aos investidores escolher diferentes caminhos de construção e contribuição financeira.

Ainda é cedo para avaliar os resultados do modelo de Munique. O desafio geral para as cidades é desenhar uma política de valor agregado que continue atraente para investidores.

Vancouver: Canadá e a proibição tardia de compras

Vista panorâmica de Vancouver, no Canadá
Durante anos, investidores estrangeiros compraram propriedades em Vancouver sem usá-las. Enquanto isso, uma “proibição de compradores estrangeiros” se aplica a todo o Canadá. Keystone

Durante anos, Vancouver assistiu à entrada maciça de capital estrangeiro no mercado imobiliário. Investidores, especialmente da China e Oriente Médio, compravam imóveis centrais como reserva de valor. Muitos ficavam vazios, enquanto a classe média não conseguia mais comprar imóveis.

Há cerca de dez anos, a pressão popular obrigou o governo a agir. Em 2016, Vancouver instituiu um impostoLink externo sobre compradores estrangeiros, mais tarde aumentado e complementado com um imposto sobre imóveis vazios.

Em 2023, o governo federal canadense também reagiu com o “Foreign Buyer Ban”, proibindo compras por estrangeiros, com exceções, como imóveis de férias.

A Suíça já possui desde 1985 a “Lex Koller”, uma proibição semelhante, sendo exemplo da eficácia da medida. Apesar da crise habitacional nas cidades suíças, Zurique e Genebra praticamente não têm imóveis vazios, ao contrário de Londres, onde a liberalização excessiva levou ao abandono de imóveis em bairros como Kensington.

O que se pode aprender com esses exemplos?

Os preços da moradia não podem ser controlados de forma sustentável apenas com regulamentações no setor privado, como tetos de aluguel e proteção contra despejos.

Essas medidas geram evasões ou desviam o capital para setores mais lucrativos, reduzindo a atividade de construção, o que leva a uma nova escassez.

Se o Estado restringe o setor privado, precisa, consequentemente, assumir a responsabilidade pela construção. Isso exige terrenos urbanos, que muitas grandes cidades não possuem.

Avanços significativos, dentro de um Estado de direito, só são possíveis com uma política fundiária robusta, capitalizada e mantida por décadas.

A alternativa é facilitar juridicamente a construção e permitir maior densidade, incentivando novas construções e substituições. Isso, porém, gera conflitos urbanísticos e questões distributivas.

Uma prática global é a captura de parte do valor agregado, exigindo que novas construções incluam unidades de habitação social.

O problema é a criação de mercados paralelos, com realidades de preços completamente distintas. Se o Estado exagera na regulamentação, inibe a construção privada. É necessário um consenso entre governo e setor da construção.

Para evitar imóveis vazios em áreas cobiçadas, a proibição de compra por estrangeiros sem residência permanente no país é uma medida eficaz e popular.

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Debate
Moderador: Marc Leutenegger

Você já sentiu falta de moradia e aluguéis caros?

Na Suíça, falta moradia e os aluguéis disparam. A imigração cresce, mas a construção não acompanha. Gentrificação avança e a crise habitacional se agrava. Acontece o mesmo onde você vive?

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Edição: Balz Rigendinger

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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