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Pesquisador usa inovação digital contra Covid-19 no Brasil e Suíça

Como a inteligência artificial aliada à participação cidadã pode ajudar no combate à Covid-19? O pernambucano Onício Leal, pesquisador do pós-doutorado na Universidade de Zurique, está envolvido em projetos no Brasil e na Suíça para identificar fatores de risco de infecção pelo novo coronavírus e monitorar a evolução da doença. 

Mulher com máscara usando celular
A internet pode ser utilizada no combate do vírus SARS-CoV-2. Na foto, uma mulher com máscara em Berlim, Alemanha, no início de abril de 2020. Keystone / Kay Nietfeld

O biomédico deu os primeiros passos para a criação de um mapa nacional de risco de contágio por meio do aplicativo gratuito “Brasil sem CoronaLink externo”. Os usuários podem se registrar de forma voluntária e fornecer informações sobre o seu estado de saúde e, assim, contribuir para o monitoramento em tempo real das regiões que podem ser mais afetadas pela Covid-19. Na Suíça, Onício Leal trabalha com equipes de saúde do Hospital de St. Gallen para analisar o nível de exposição dos profissionais ao novo coronavírus. Em breve, a iniciativa deverá ser expandida para toda Suíça.

Os dois projetos que contam com a participação do pesquisador têm em comum a detecção digital de doenças e a vigilância participativa, instrumentos inovadores para detectar epidemias com o engajamento dos cidadãos.

swissinfo.ch: O que a plataforma “Brasil sem Corona” já conseguiu apurar sobre a incidência de casos da Covid-19 no país?

Onício Leal: O “Brasil sem Corona” se ancora na vigilância participativa. O grande objetivo é tentar melhorar a detecção de casos da Covid-19 que o sistema tradicional de vigilância de saúde não consegue capturar. A estimativa no Brasil é que apenas 7% dos casos da Covid-19 estão sendo notificados. Existe um volume imenso de casos que estão se perdendo no meio do caminho. E a vigilância participativa tem o objetivo de resgatar esses casos que se perdem para poder estimar o real cenário, impacto e dimensão da epidemia num território.

No momento, ainda é cedo para falar que já estamos conseguindo identificar casos muito antes de serem notificados, mas a plataforma está mostrando áreas de risco que devem ser monitoradas pelas prefeituras do país.

swissinfo.ch: Portanto, há muitos casos que não são comunicados às autoridades, não são testados e, portanto, não entram nas estatísticas. Quantos casos já foram reportados por meio da plataforma?

O.L.: Os 10 mil usuários que temos já geraram mais de 25 mil relatórios. É importante ressaltar que a vigilância participativa não funciona para identificar um caso apenas, mas funciona na lógica de identificar agregados. Se encontramos um grupo de pessoas com os mesmos sintomas, no mesmo espaço, ao mesmo tempo, isso é um indicativo relevante. Essa informação é de extrema importância para que as secretarias de saúde e os times de vigilância epidemiológica das prefeituras consigam estimar esse risco e adotar uma intervenção de forma antecipada, em vez de ficar esperando os dados chegarem pelo método tradicional.

swissinfo.ch: Com quais prefeituras os dados da plataforma já foram compartilhados?

O.L.: O “Brasil sem Corona” tem usuários em mais de 1.100 municípios do Brasil. São cidades como São Paulo (SP), Teresina (PI), Recife (PE), Caruaru (PE) e Niterói (RJ). As prefeituras que têm apostado na vigilância participativa estão observando movimentos interessantes. Por exemplo, em Santo André (SP), a participação é tão grande que já passamos a avaliar os impactos socioeconômicos da crise gerada pelo novo coronavírus. Como já temos uma saturação de informações sobre vigilância participativa, estamos perguntando para os usuários outras questões relacionadas não apenas com a saúde, mas como essas pessoas têm sido impactadas economicamente pela pandemia.

swissinfo.ch: A vigilância participativa poderia ajudar o governo federal brasileiro na contabilização dos casos da Covid-19? Há como integrar as informações recebidas pela plataforma aos dados oficiais?

O.L.: Uma segunda etapa do projeto “Brasil sem Corona” é disponibilizar gratuitamente para as prefeituras e para o governo federal um painel chamado de nowcast. Esse painel vai trazer estimativas mais próximas à realidade sobre os casos de coronavírus, combinando dados provenientes do Ministério da Saúde, das secretarias estaduais de saúde e da nossa plataforma. Estamos desenvolvendo modelos de inteligência artificial que vão favorecer a compreensão dessa dimensão em tempo quase real. A partir desse modelo, poderemos inferir antecipadamente como o cenário da doença vai evoluir num período de 14 dias no Brasil. Certamente, será um instrumento que vai complementar muito bem o sistema de vigilância epidemiológica tradicional.

swissinfo.ch: Como a inteligência de dados epidemiológicos e as tecnologias de saúde podem ajudar a prever pandemias e a combatê-las?

O.L.: A epidemiologia se baseia na tríade “tempo, pessoa e lugar”. Hoje, temos a possibilidade de aplicar ferramentas tecnológicas e computacionais para aprimorar ainda mais a leitura de um fenômeno epidêmico. As ferramentas computacionais têm sido de extrema importância para fazer previsões e projeções de casos e óbitos. Isso tem levado os gestores e tomadores de decisão a entender o que é preciso fazer para conter a transmissão de uma doença.

A epidemiologia nunca foi tão popular. Estamos tratando de sistemas complexos que oferecem indícios de tendências, mas os modelos de avaliação sofrem alterações quase todos os dias. Por exemplo, aqui na Suíça, não se esperava que o número de casos [da Covid-19] iria diminuir neste momento e essa redução está acontecendo um pouco antes do que se esperava. 

swissinfo.ch: Como você avalia as medidas tomadas pela Suíça para conter o avanço da Covid-19?

O.L.: No início de abril, a Suíça era um dos países com mais casos per capita da Covid-19 e teve que implementar o isolamento social e o fechamento do comércio. Isso foi fundamental para que hoje possamos testemunhar a redução no número de casos no país. Até a Suíça, com toda prosperidade que existe aqui, entendeu que os dois elementos de linha de frente para fazer o enfrentamento da pandemia – a testagem e o isolamento social – talvez não fossem suficientes. Eu digo isso, porque também existe um projeto de vigilância participativa aqui na Suíça. O projeto começou na Universidade de Berna e conta com quase 200.000 usuários reportando os seus sintomas. O projeto tem mostrado como a doença tem se comportado e, claramente, oferecido o devido suporte às autoridades para tomar as suas decisões, com a combinação dos dados oficiais e dos dados da vigilância participativa.

swissinfo.ch: Você também está envolvido em projetos de vigilância participativa na Suíça?

O.L.: Eu estou envolvido num projeto em parceria com o Hospital de St. Gallen. Nós estamos monitorando profissionais de saúde para entender fatores de risco na transmissão da Covid-19 e resolver o desafio da limitação de testes para o diagnóstico da doença durante a pandemia. O projeto mescla a abordagem tradicional do diagnóstico laboratorial com a vigilância participativa. Profissionais de saúde de alguns hospitais do cantão de St. Gallen nos enviam diariamente um diário de saúde via SMS, o que nos permite identificar os fatores de risco. Como sabemos que a Covid-19 pode se manifestar em até 80% das vezes sem o paciente ter sintomas, é preciso que entendamos todas as exposições ao risco que um profissional de saúde possa ter. A partir dessa análise, podemos criar modelos de previsão de risco.

Homem em foto
O pernambucano Onício Leal é pesquisador do pós-doutorado da Universidade de Zurique, na Suíça Arquivo pessoal

Isso é para demonstrar que métodos alternativos para dimensionar a epidemia são necessários e estão sendo implementados em vários países, inclusive aqui na Suíça. Apesar de a Suíça ser próspera e poder comprar a quantidade de testes que necessitar, ainda assim, tem recorrido a métodos alternativos para enfrentar essa pandemia.

swissinfo.ch: A Epitrack, fundada por você, foi eleita a startup de maior impacto social do Brasil na competição Chivas Venture. A empresa tem alguma atuação na Suíça?

O.L.: Em 2015, nós fomos para a final mundial desse prêmio e, entre 27 startups mundiais, ficamos em nono lugar. Em seis anos existência, nós focamos na área de tecnologias para combater epidemias. Nós desenvolvemos o “Saúde na Copa”, uma plataforma de vigilância participativa durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil para monitorar os riscos de epidemias durante a competição. Naquela época, a preocupação era o sarampo e existia a necessidade de ter uma fonte complementar de informação. Nas Olimpíadas, estivemos presentes com o projeto “Guardiões da Saúde”, voltado à preocupação com o zika e a dengue. Estivemos também envolvidos em projetos de monitoramento do vírus influenza nos Estados Unidos, Canadá e Porto Rico, entre 2014 e 2016.

Na Suíça, a Epitrack está atuando em parceria com o Hospital de St. Gallen no projeto que eu mencionei. Então, temos uma atuação no Brasil e também na Suíça com projetos relacionados à Covid-19. A metodologia que estamos usando tem uma capacidade de escala muito grande. Existe uma movimentação para expandirmos o projeto de St. Gallen para 20 mil profissionais de saúde de todo o cantão e também para o resto da Suíça.

Quem é?

Onício Leal, 33 anos, é pesquisador de pós-doutorado no Departamento de Economia da Universidade de Zurique, na Suíça. O empreendedor e biomédico é fundador da Epitrack, eleita em 2015 a startup de maior impacto social do Brasil. A empresa desenvolve plataformas digitais para a detecção de doenças e oferece soluções de acesso inteligente à saúde. A plataforma “Brasil sem Corona”, co-criada pela Epitrack em março, está disponível no aplicativo ColabLink externo, a maior plataforma brasileira de engajamento para a cidadania.

Há pouco mais de um ano na Suíça, Onício Leal conduz, na Universidade de Zurique, pesquisas com tecnologias de inteligência artificial para compreender o desenvolvimento infantil no Malawi e para detectar epidemias no país.

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