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Marta: “Muitas vezes choro depois de um gol”

Marta recebe o troféu de melhor do mundo da Fifa, na Ópera de Zurique. Keystone

Eleita pela terceira vez consecutiva como melhor jogadora do mundo, a brasileira Marta teve uma carreira fulminante e ainda tem muitos projetos para o futuro.

Apesar de colecionar títulos e prêmios, ela não se considera a melhor do mundo. Em entrevista ao jornal Tagesanzeiger, da Suíça, ela diz que o sucesso depende da equipe.

Um dia frio e nublado em Zurique. Frio demais para Marta, que no dia anterior recebeu pela terceira vez consecutiva o título de melhor jogadora do mundo. Depois de um giro para compras na famosa Banhofstrasse, a brasileira de 22 anos, que cresceu em condições humildes em Dois Riachos (AL), volta ao principesco hotel Dolder Grande, onde está hospedada.

Há cinco anos, Marta veio para a Europa. Hoje ela é uma estrela do futebol feminino, tão conhecida quanto Ronaldinho. Em Zurique, ela anunciou que vai deixar o clube sueco de Umea, cerca de 300 km ao sul do Círculo Polar, para jogar no Los Angeles Sol e ajudar a criar a liga de futebol feminino dos EUA. Isso também lhe garantirá um salário comparável aos que são pagos no futebol masculino.

Tagesanzeiger: Marta, você gostou do passeio pela cidade de Zurique?

Marta: Gostei muito, como sempre, quando estou aqui. Gosto de fazer compras nessa cidade. Desfrutei muito desse dia aqui.

As temperaturas devem ser parecidas às de Umea, sua pátria temporária.

Oh não, lá agora é bem mais frio.

Como você, uma brasileira, conseguiu aguentar tanto tempo lá?

Fui para lá para jogar futebol. Sempre foi meu sonho jogar no exterior. Essa oportunidade me foi oferecida na Suécia. E me adaptei rapidamente, encontrei amigos – isso facilitou a vida. Além disso, o futebol me é mais importante do que as condições climáticas. Em Umea pude jogar num time forte.

Você foi nomeada cinco vezes como melhor jogadora do mundo e ganhou três vezes em série. O título deste ano novamente foi para a jogadora certa?

Desde cedo eu tinha a meta de me tornar a melhor jogadora de futebol do mundo. Lutei e trabalhei duro para isso. Mas nunca direi que sou a melhor. Continuo ambiciosa, este título me motiva a trabalhar ainda mais duro.

Você coleciona título e distinções?

Num quarto da casa da minha mãe, no Brasil, estão todas as taças, os troféus e as medalhas que conquistei. É um pequeno museu. Desta forma, os títulos também são dedicados à minha mãe, também aquele da segunda-feira.

Você conquistou títulos com o Umea e com a seleção brasileira – eles são mais importantes para você do que as homenagens pessoais?

Uma distinção no futebol nunca é uma homenagem puramente individual. Sem minhas colegas de equipe, seja no Umea ou na seleção do Brasil, eu não teria conquistado qualquer título. Essas distinções sempre são também um mérito das colegas e do espírito de equipe.

Durante seu discurso, depois da eleição em Zurique, você chorou, como nos dois anos anteriores. Você ainda não se acostumou a ser homenageada como a melhor jogadora do mundo?

Naturalmente foi um momento emocional, eu sou uma pessoa emocional. Muitas vezes, eu também choro depois de um gol ou de uma vitória importante. Emoções fazem parte do futebol, e se eu não pudesse mais chorar, tudo teria acabado. Sem emoções, eu teria de encerrar minha carreira.

Aos 14 anos, você saiu da casa de seus pais para se concentrar totalmente no futebol. Você já sabia como adolescente o que era preciso para ir longe nesse negócio?

Senti cedo que eu poderia ir longe. Minha vontade era me impor como jogadora profissional de futebol, eu sabia que poderia ter sucesso nesse esporte. Essa era a minha meta. Mas não pude prever como isso acabaria se desenvolvendo. Foi tudo muito rápido.

Assim você foi parar na Suécia, no frio, longe de sua pátria quente.

Isso foi um choque muito grande. Quando eu soube da oferta do Umea, em 2003, eu nem sabia onde ficava a Suécia. Eu só sabia que era na Europa. Inicialmente, tive dúvida, mas a oferta era interessante. Eu queria conhecer a Suécia, como se fala lá, e descobrir as diferenças entre duas culturas tão diversas.

Essas diferenças também existem entre o Brasil e a Alemanha, para onde você também poderia ter ido. Por que a Suécia. Por que Umea?

Na Copa de 2003 nos EUA, fomos eliminados pela Suécia nas quartas-de-final. Isso foi uma surpresa total para nós. Muitas jogadoras da seleção sueca tinham contrato com o Umea. Isso despertou a ambição de querer me impor nessa equipe, contra as jogadoras da seleção sueca.

Após cinco anos na Suécia, você agora se transfere para o Los Angeles Sol, dos EUA. A Califórnia lhe agrada mais do que Umea?

Eu nunca estive lá. Não sei como é Los Angeles. Em fevereiro vou para lá pela primeira vez.

Em termos de clima será mais agradável.

Tudo indica que sim. Foi o que me disseram.

Também em termos futebolísticos?

O projeto da nova liga de futebol feminino é muito interessante e um grande desafio. O objetivo é criar a liga mais forte do mundo.

Portanto, você deve receber um salário e tanto pela sua missão.

Ah, sabe … (ri e cala).

Você é a melhor jogadora do mundo. Irrita-lhe o fato de, no show de gala da Fifa, os homens estejam em primeiro plano, que todo mundo fale de Cristiano Ronaldo, que quase ninguém de Marta?

Isso não me irrita nem um pouco. É normal que o futebol masculino desperte mais interesse. Isso sempre foi assim. Os homens inventaram esse esporte e o determinaram por muito tempo. Mas estou convencida de que o futebol feminino se encontra em ascensão e que sua popularidade vai aumentar.

Com você dando impulso?

Como pessoa privada, certamente não. Se isso é possível, então como esportista, com meu jogo. Eu posso comprovar que se pode jogar bonito como mulher, especialmente em grandes torneios. Por isso, é possível que eu faça parte de um processo de popularização do futebol feminino. Mas não vejo isso como decisivo. Nada é possível sem equipe.

Qual jogador você teria eleito como melhor do mundo?

Cristiano Ronaldo. Ele conquistou três títulos no ano passado. Aí não há discussão sobre o vencedor.

No Umea, você jogou durante dois anos com Ramona Bachmann, que, aos 18 anos, é considerada uma das jovens talentos do futebol feminino suíço. Como você a avalia?

Ramona tem um talento fenomenal e uma enorme ambição. Ela pode se tornar uma das melhores jogadores do mundo, se ela continuar fazendo esses progressos.

Como você, Bachmann também tem a meta de carreira tornar-se a melhor jogadora do mundo. Ela considera você seu ídolo. Ela poderá ser a sua sucessora?

Com certeza. Como eu deixo o Umea, o caminho para ela está livre. Eu passei a bola. Agora é vez dela.

Tagesanzeiger, Peter M. Birrer e David Wiederkehr
(Tradução de Geraldo Hoffmann, swissinfo, com autorização do jornal)

Marta Vieira da Silva nasceu em 19 de fevereiro de 1986, em Dois Riachos, no estado de Alagoas.

Títulos

Seleção Brasileira:
Jogos Pan-americanos – medalha de ouro (2003 e 2007)
Campeonato Sul-Americano Feminino (2003)

Vasco da Gama
Campeonato Brasileiro Sub-19 em 2001

Umeå IK
Copa da UEFA Feminina em 2003/04 e 2004/05
Campeonato Sueco em 2005, 2006, 2008
Copa da Suécia em 2007

Campanhas de destaque

Seleção Brasileira
Copa do Mundo de Futebol Feminino – 2º lugar (2007)
Campeonato Sul-Americano Feminino – 2º lugar (2006)
Jogos Olímpicos – medalha de prata (2004 e 2008)

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