
Suíça é o único país europeu a oferecer tratamentos com psicodélicos

Com um em cada três pacientes psiquiátricos não respondendo ao tratamento com antidepressivos, médicos em hospitais e clínicas particulares da Suíça estão recorrendo a métodos alternativos, como os psicodélicos. Mas as terapias ainda são caras, raras e, às vezes, informais.
Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.
Depois de passar uma década tomando antidepressivos, o suíço Jonathan Crespo, de 45 anos, diz que seu pior momento foi quando começou a pensar em suicídio. Foi isso que despertou sua curiosidade por alternativas à medicação.
“Há quatro anos, meu terapeuta sugeriu que eu experimentasse terapia de eletroconvulsão no cantão de Vaud. A sugestão realmente me assustou e me levou a fazer algumas pesquisas”, explica ele.
+ Tratamentos com choques elétricos ressurgem como última esperança
Crespo se deparou com uma reportagem sobre os Hospitais Universitários de Genebra (HUG) e seu uso de psicodélicos no tratamento de pacientes, incluindo dietilamida do ácido lisérgico (LSD), uma das drogas psicodélicas mais potentes, e psilocibina, um tipo de cogumelo psicoativo. Pouco tempo depois, ele iniciou uma terapia de dois anos e meio que utilizava ambas as drogas e o MDMA, um estimulante popularmente conhecido como ecstasy.
Depois de três sessões, ele parou de tomar o antidepressivo e de beber álcool, perdeu peso, “reintegrou” seu corpo e, passo a passo, “começou a sentir [emoções] novamente”. Entre seis e dez pacientes estavam participando das sessões com ele, e passavam pelas mesmas mudanças. Mas, além deles, ninguém conseguia realmente entender como era se submeter a uma psicoterapia assistida por psicodélicos.
“Os pacientes costumam dizer: ‘meu marido ou minha esposa não consegue entender o que estou vivendo’. As pessoas acham que somos um pouco loucos”, diz Crespo. Foi isso que o motivou a participar da fundação da Psychedélos, uma associação dedicada ao bem-estar dos pacientes e à desestigmatização dessas substâncias, que antes eram associadas ao movimento de contracultura dos Estados Unidos e às boates noturnas.
Leia mais sobre a história da psiquiatria e a contribuição da Suíça:

Mostrar mais
De Jung aos psicodélicos: uma linha do tempo das contribuições suíças à psiquiatria
“Fomos o primeiro grupo de pacientes do mundo a lutar pelo uso de psicodélicos associados à psicoterapia. Não se trata de psicodélicos recreativos – é uma abordagem muito diferente”, diz Crespo.
Uma estrutura legal única no mundo
O uso de psilocibina, LSD e MDMA na medicina é legalizado na Suíça desde 2014, tanto para fins de pesquisa quanto para o tratamento de condições como depressão, transtorno de estresse pós-traumático e ansiedade. Embora essas substâncias não sejam aprovadas como medicamentos, médicos que desejem tratar um paciente com psicodélicos podem solicitar aprovação individual do Departamento Federal de Saúde Pública (análogo ao Ministério da Saúde) e obter uma “autorização excepcional”.
Essa estrutura legal colocou o país na vanguarda da terapia com psicodélicos, juntamente com os EUA, o Canadá e a Austrália. Mas apenas quem reside na Suíça pode acessar esses tratamentos no país. Além disso, a pessoa também é obrigada a realizar sessões de psicoterapia juntamente com a ingestão de psicodélicos.
Gabriel Thorens, psiquiatra especialista em dependência que trabalha nos Hospitais Universitários de Genebra, diz que qualquer médico especialista pode fazer a solicitação ao Departamento Federal de Saúde Pública. Colegas interessados em trabalhar com psicodélicos entram em contato com ele frequentemente, e sua equipe tem lidado com “mais solicitações do que o possível”. O hospital organiza de cinco a dez sessões por semana e já tratou 300 pacientes desde o lançamento do programa em 2019.
No entanto, o tratamento continua sendo um nicho, e a maioria dos pacientes que sofrem de problemas de saúde mental ainda tomam antidepressivos. Na Europa, o consumo de antidepressivos mais do que dobrou entre 2000 e 2020, quando foi registrada uma média de 75,3 doses diárias de medicação a cada 1.000 pessoas. Na Suíça, cerca de 770.000 pessoas – ou seja, 9% da população – estavam tomando antidepressivos em 2021.
Enquanto isso, apenas 686 pessoas realizaram um tratamento terapêutico assistido por psicodélicos em 2024. As opções de tratamento são limitadas a um punhado de clínicas particulares, às clínicas universitárias de Berna, Zurique e Friburgo e aos Hospitais Universitários de Genebra, onde os pacientes atualmente precisam esperar de seis meses a um ano para ter acesso ao tratamento.
Acesso limitado
Os tratamentos com psicodélicos são demorados e caros. Nas sessões, que podem durar até oito horas, há enfermeiros e enfermeiras que observam os indivíduos. E, no dia seguinte à ingestão da substância, o paciente precisa comparecer a uma sessão de psicoterapia. Algumas apólices de seguro cobrem o acompanhamento dos enfermeiros e a psicoterapia, mas as substâncias devem ser pagas pelos pacientes. Nos Hospitais Universitários de Genebra, uma sessão de terapia com LSD custa CHF 200-300, enquanto a terapia com psilocibina começa em CHF 400 e pode chegar a CHF 800 para doses altas. As sessões são repetidas cerca de três vezes por ano.
O registro dessas substâncias como medicamento seria um passo para que os pacientes conseguissem um reembolso. Mas essa possibilidade ainda parece distante. Nos Estados Unidos – que têm sido referência em aprovações médicas para o resto do mundo –, a Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA) rejeitou, no ano passado, um pedido para a realização de terapia assistida por MDMA, alegando que a empresa responsável deveria aprofundar os estudos sobre a segurança e a eficácia da substância.
“Precisamos continuar provando que esses tratamentos são pelo menos tão eficazes quanto os antidepressivos. Mas uma questão fundamental continua sendo o registro oficial das substâncias como medicamentos”, diz Thorens.
+ Em breve, terapias psicodélicas para todos?
Além disso, devido à dificuldade de prescrever essas substâncias para uso doméstico e à impossibilidade de patentear moléculas que não estão protegidas por propriedade intelectual – seja por terem sido descobertas há muito tempo ou por serem de origem natural –, o processo de comercialização avança lentamente.
A Johnson & Johnson conseguiu vender a cetamina, um anestésico com efeitos psicoativos, sob o nome de Spravato. O processo para comercializar o medicamento foi complexo, pois a cetamina não pode mais ser patenteada, já que foi descoberta há mais de 60 anos. A empresa teve de patentear uma parte de uma entidade molecular (esketamina), especificar o que ela trataria (depressão), a dosagem a ser tomada (56 mg ou 84 mg) e a forma de administração (spray nasal).
Atualmente, o medicamento está disponível em 77 países, incluindo os Estados Unidos, os Estados-membros da União Europeia, a Austrália e a Suíça.
Embora a cetamina não atue nos mesmos receptores que os psicodélicos como o LSD, seus efeitos alucinógenos em doses mais altas fazem com que ela seja considerada um psicodélico “atípico”.
O tratamento também é reconhecido pela Swissmedic, o órgão nacional responsável pela autorização de medicamentos na Suíça, que o descreve como uma “nova opção de tratamento” para pessoas que sofrem de transtorno depressivo ou bipolar e que estão em risco de suicídio.
‘Apenas aproveite’
Transtorno bipolar e pensamentos suicidas eram exatamente do que Tom, que está no espectro autista, estava sofrendo até que lhe foi proposta a utilização de cetamina em uma clínica em Meiringen, no cantão de Berna. Em 2023, todas as segundas, quartas e sextas-feiras à tarde, durante um período de três semanas, ele administrou cerca de cinco doses pelo nariz enquanto estava deitado em uma cama reservada para ele. A falta de orientações adicionais o deixou intrigado.
“O mais louco foi que ninguém me disse o que eu deveria fazer enquanto estivesse sob o efeito da cetamina. Os médicos basicamente me diziam: ‘apenas aproveite’”, lembra o paciente de 34 anos. Ele afirma que a terapia só funcionou porque ele “se dedicou pessoalmente” a fazer uma série de perguntas aos médicos entre as sessões e tentou se reconectar com sua criança interior durante as viagens, em vez de “apenas ficar chapado”.
Histórias de uso não regulamentadoLink externo têm circulado na Suíça, e a principal entidade profissional de psiquiatras do país divulgou recomendações de tratamentoLink externo para terapias assistidas por psicodélicos, afirmando que incorporou diretrizes da Associação Americana de Psiquiatria e do Colégio Real de Psiquiatras da Austrália e da Nova Zelândia.
“Como a terapia com psicodélicos difere dos métodos farmacológicos disponíveis anteriormente na psiquiatria, ela impõe exigências particularmente altas aos médicos em termos de indicação, orientação, aplicação e documentação, além de lidar com questões regulatórias e éticas”, diz o documento da Sociedade Suíça de Psiquiatria e Psicoterapia, publicado em maio de 2024.
Enquanto o modelo para a terapia com psicodélicos continua evoluindo, o verdadeiro objetivo é atender às necessidades dos pacientes, diz Thorens: “No fim das contas, o mais importante é oferecer o melhor tratamento possível para a melhor indicação possível”.
Edição: Virginie Mangin/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)
Mostrar mais

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.