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Como colaborar na busca de homens pré-históricos

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O Schnidejoch, região nos Alpes bernenses, também é um sítio arqueológico onde são encontrados muitos objetos pre-históricos da Era do Gelo. © NaturPanorama.ch, Hasle-Rüegsau. Foto: Simon Oberli NaturPanorama.ch

Quando você encontra um molho de chaves ou uma carteira, como bom cidadão você provavelmente vai entregá-los no Serviço de Achados e Perdidos. Mas, excursionando pelos Alpes Suíços, que faria você se tropeçasse numa bolsa de couro de 5.000 mil anos?

Deixemos a resposta a Leandra Naef, jovem arqueóloga à frente de um novo projeto, denominado ‘kAltes Eis’ (jogo de palavra em alemão para ‘gelo antigo e frio’). Seu plano é procurar artefatos perfeitamente preservados pelo gelo em trechos de caminhos, situados nas montanhas do Cantão dos Grisões (Graubünden, em alemão. Grisões fica no Leste suíço).

Nesses lugares, no verão, quando o gelo derrete, podem aparecer velhas garrafas, canecas de estanho e outros objetos jogados fora ou perdidos no decorrer dos anos – ou mesmo de milênios – como pedaços de madeira ou peças de roupa.

Como os arqueólogos não podem sempre estar no lugar certo e no momento certo – especialmente em se tratando do fenômeno do derretimento do gelo – kAltes Eis tem solicitado aos excursionistas e alpinistas que fiquem particularmente atentos a eventuais descobertas de coisas antigas.

A busca torna-se cada vez mais urgente, dado o ritmo com que as geleiras encolhem, em função de mudanças climáticas. Se tais objetos não são encontrados logo depois que emergem do gelo derretido, podem perder-se ou arruinar-se, em particular materiais orgânicos como a madeira e a roupa.

Esse sapato do período Neolítico foi encontrado nos confins dos Alpes bernenses. Keystone/Archaeologischer Dienst Kanton Bern

“Para nós, arqueólogos, trata-se de um verdadeiro Eldorado,” observa Naef, lembrando que o gelo pode até preservar objetos orgânicos.

Leandra Naef lançou o projeto ‘kAltes Eis’ em outubro de 2013, depois de licenciar-se em Arqueologia Pre-Histórica pela Universidade de Zurique, onde começou a interessar-se seriamente pela arqueologia das geleiras.

O projeto, realizado pelo ‘Institut für Kulturforschung Graubünden’ (instituto de pesquisa sobre a cultura dos Grisões), corre até dezembro de 2015. O objetivo é identificar os mais interessantes trechos de caminhos através de áreas geladas do Cantão a fim de que o serviço arqueológico interprete os vestígios do passado.

Achados

E segundo Leandra Naef, existe ainda muito território a explorar nos Alpes, quase um quarto de século depois que excursionistas acharam o cadáver de Ötzi – que emergiu com o retraimento de uma geleira no Sul do Tirol.

Entre as maiores descobertas recentes nos Alpes figuram um carcás feito de casca de bétula e legging de couro dos arredores dos anos 3000 AC, encontrados por um casal de excursionistas na geleira de Schnidejoch, no Cantão de Berna.

Esse arco e as flechas foram encontrados na geleira de Schnidejoch, nos Alpes bernenses. Archäologischer Dienst Kt. Bern

É um tanto intrigante o fato de os objetos encontrados em trechos gelados diferirem, dependendo do lugar em que forem achados. Nos Alpes, por exemplo, artefatos podem estar relacionados com pessoas ligadas a comércio, que viajaram através dos passes alpinos. Na América do Norte e Noruega, os objetos descobertos em situações similares estão geralmente vinculados à caça, enquanto na América do Sul têm laços com “atividades sagradas.” Esses artefatos preenchem lacunas no conhecimento, informando sobre a época e em que dimensão as pessoas se aventuraram nos Alpes. Descobriu-se, por exemplo, que Ötzi tem vínculos com os sardos.

Os objetos de Schnidejoch, juntamente com as vestimentas de Ötzi são os mais antigos achados de couro da Europa e os mais bem preservados graças ao gelo, e em consequência, com grande parte de DNA intacto.

A análise AND revelou que os leggings de Schnidejoch não eram apenas feitos de pele de cabra, mas desmentiu também que a raça do animal existisse apenas no Leste da Ásia.

Hora de agir

“Se quisermos fazer alguma coisa, tem que ser agora, senão será tarde demais, se já não for demasiadamente tarde,” diz Leandra Naef, que deseja descobrir alguns artefatos neste verão de 2014.

“Para mim ficou muito claro que se trata de uma boa ideia e as perspectivas de descobertas são bem favoráveis, e não há tempo a perder.”

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A lenda dos povos das palafitas

Este conteúdo foi publicado em Autoridades científicas da Suíça, França, Itália, Alemanha, Áustria e Eslovênia estão empenhadas em que os 152 mais importantes bens históricos chamados palafíticos (ou lacustres) do Arco Alpino sejam reconhecidos como parte do patrimônio mundial. Destes bens, 82 encontram-se na Suíça.

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De fato, o tempo encurta para os arqueólogos e para os artefatos que esperam descobrir. As geleiras do mundo inteiro encolhem, inclusive na Suíça.

“Nos últimos 30 a 40 anos, as altas temperaturas no verão e no inverno estão amplamente relacionadas com as antropogênicas mudanças climáticas,” disse à swissinfo.ch Martin Grosjean, diretor executivo do ‘Centre for Climate Change Research’ (centro de pesquisas sobre mudanças climáticas) da Universidade de Berna. “Não é simples coincidência ter havido verões extremamente quentes nos últimos 10 a 20 anos, com consequências sobre as geleiras. E o que resta de gelo derrete com extrema rapidez.”

“O espaço de oportunidades é de alguns anos ou, talvez, de uma ou duas décadas,” diz Grosjean, que se interessa também por geoarqueologia no sítio de Schnidjoch. “Já sabemos que dentro de 50 anos, todas essas geleiras terão desaparecido.”

Pontos de interesse

O projeto ‘Altes Eis de Leandra Naef focaliza as placas de gelo, mais estáveis que as geleiras, havendo, então, maior possibilidade de encontrar-se objetos perfeitamente preservados.

Utilizando um modelo de GIS (sigla inglesa para Sistema Geográfico de Informação) – inicialmente desenvolvido por arqueólogos do Alasca – ela conseguiu evidenciar com precisão possíveis sítios arqueológicos nas montanhas.

Progressivamente, ela reduziu o número desses sítios presumíveis a cerca de 300, privilegiando pequenos passes alpinos no Cantão que estejam a pelo menos a 2.500 m acima do nível do mar. Analisou-os ulteriormente, pontilhando os 300 sítios. Por exemplo, um passe que liga dois vales isolados era provavelmente utilizado, facilitando descobertas. Já um pequeno trecho, localizado perto de uma ampla passagem, não era provavelmente utilizado com grande frequência.

Um modelo baseado na tecnologia GIS mostra possíveis sítios arqueológicos no cantão dos Grisões. swissinfo.ch

No total, Naef identificou 40 locais em que, acredita, possam haver artefatos, e pretende examiná-los pessoalmente nos dois próximos verões.

Quantos aos outros 260 pontos de interesse, ela confia que excursionistas que vagarem pelas montanhas entre julho e setembro a informem de tudo que virem que possa parecer interessante.

Um dos principais pontos de contato para excursionistas serão os administradores de cabanas do Clube Alpino Suíço. Reto Barblan – responsável pela cabana de Kesch, nos Grisões – declara-se satisfeito em participar.

“Quando se diz às pessoas ser importante e interessante informarem sobre o que possam descobrir, elas farão talvez um esforço para comunicar eventuais achados aos arqueólogos,” observa Barblan.

Quanto a saber se alguns excursionistas optem por bancarem os espertalhões e fugirem com os tesouros, Leandra Naef não se diz preocupada, lembrando que os artefatos podem muito bem ser madeira ou outros itens orgânicos e não moedas de ouro.

“Procuramos objetos que sejam valiosos para a ciência, mas seu valor para cidadãos comuns é difícil de avaliar,” explica Naef. “Por isso não se deve recear furtos.”

Que fazer com achados?

Artefato – liberado pela neve ou pelo gelo.

Documente-o cuidadosamente sem tocá-lo ou movê-lo (tire uma foto que mostre seu relativo tamanho, utilizando como referência uma bengala, por exemplo; a posição GPS ou um esboço). O objeto deve ser removido unicamente se houver risco iminente de nevada, queda de pedras, em áreas com ameaça de desmoronamento, perigo de ser pisoteado ou em local de difícil acesso para especialistas do ramo. Caso seja retirado, o achado deve ser conservado em geladeira ou freezer antes de ser entregue a especialistas.

Artefato – liberado pelo gelo ou somente parcialmente exposto

Documente o objeto mas não o toque ou tente removê-lo, e alerte seja Leandra Naef ou outro serviço de arqueologia do Cantão dos Grisões logo que possível


Links

Altes Eis (alemãoLink externo)

Serviço Arqueológico – Cantão dos Grisões (alemão)Link externo

Achados de Schnidejoch (inglês)Link externo

Mostras no Tirol do Sul: ‘Frozen Tyrol’ Descobertas nas geleiras alpinasLink externo

Exposição em Berna: Casas em palafita – sobre a água e nos AlpesLink externo

Adaptação: J.Gabriel Barbosa

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