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Reconvalescentes de Covid lutam por reconhecimento e ajuda

Esgotamento completo, também acompanhado de fraqueza muscular, é o sintoma mais comum das pessoas que se recuperam do Covid-19. Credit: Mariia Boiko / Alamy Stock Photo

A pandemia também trouxe o chamado "Covid Longo", uma nova doença que ainda recebe pouca atenção das autoridades. Na Suíça, com um dos melhores sistema de saúde do mundo, os afetados se sentem desamparados e relegados à autoajuda.

Se você procura alguém que personifica robustez física e mental, Chantal Britt seria provavelmente essa pessoa. A especialista em comunicação de 52 anos, e mãe de três filhos, era uma entusiasta do esporte. Um ano em que não corresse duas maratonas, não era um bom ano, ao seu ver.

Até que surgiu o novo coronavírus. No início de março de 2020, pouco antes do primeiro lockdown, Britt participou de um evento com 800 pessoas participantes. “Cinco dias depois eu adoeci.”

O que Chantal Britt não sabia então – e ainda não sabe com absoluta certeza – é que ela provavelmente contraiu o Covid-19. O que ela também não poderia ter sabido era que aquele seria o início de um período de sofrimento que continua até hoje. E ninguém pode lhe dizer quando ou se ele vai acabar.

Ela sai do isolamento e dá rosto à nova doença: Chantal Britt. SRF-SWI

Enquanto na primavera de 2020 ainda corria quilômetros, treinando com a regularidade de um relógio suíço ao longo do rio Aare em Berna, dez meses depois já fica sem fôlego ao subir alguns lances de escada. Ao menor esforço, seu pulso dispara até 150 batimentos. “Há quase um ano, passear tem sido a maior satisfação para mim. Não sou mais a mesma”, lamenta.

“Lançado” pelos pacientes

No início de maio, pouco mais de dois meses após o surgimento da pandemia na Europa, Paul Garner foi um dos primeiros a descrever os sintomas de Covid Longo. Em um post de blogLink externo, o professor da Escola de Medicina Tropical de Liverpool descreve as prolongadas consequências de sua própria doença Covid 19 como um “passeio na montanha-russa”.

Os resultados do maior estudo realizado até hoje sobre os efeitos tardios deLink externo Covid Longo, publicado em 8 de janeiro na revista científica The Lancet, são preocupantes. Nele, um grupo de pesquisadores chineses examinou a saúde de quase 2.500 pessoas hospitalizadas na primavera devido ao Covid-19 seis meses depois. Três quartos (76%) deles ainda têm pelo menos um sintoma, e quase dois terços (63%) sofrem de fadiga e fraqueza muscular. Também são comuns distúrbios do sono, ataques de ansiedade, depressão e hipofunção pulmonar, sendo que 13% sofre de hipofunção renal.

O termo Covid Longo (do inglês Long Covid) não é uma invenção dos médicos, mas sim de doentes que usaram o termo para descrever os efeitos tardios de sua infecção provocada pelo novo coronavírus. Contudo, em meio a uma crise de saúde, quando os líderes políticos e empresariais estão ficando sem respostas, um novo tipo difuso de doença tem uma dificuldade especial para entrar na consciência das pessoas.

Britânicos na liderança

Mas há exceções: uma delas é o Reino Unido, onde as autoridades sanitárias descreveram a doença e produziram diretrizes de tratamento. Em maio, os britânicos abriram a primeira clínica especializada para pacientes de Covid Longo.

Nos Estados Unidos, o renomado imunologista Anthony Fauci, que aconselhou o presidente americano Donald Trump e foi recebido com desprezo e zombaria por ele, parte do pressuposto de que 25% a 35% de todos os pacientes de Covid-19 apresentariam sintomas de longo prazo.

Na Suíça, o Covid Longo ainda é, em grande parte, desconhecido. O que os afetados em particular ressentem é a falta de informações oficiais por parte das autoridades, de horários de consulta e de serviços específicos de tratamento e reabilitação.

No entanto, as consequências a longo prazo do Covid-19 são o tema de três projetos de pesquisa lançados em agosto passado no âmbito do Programa Nacional de Pesquisa “Covid-19”.

Especificamente, estes projetos tratam de prognósticos baseados em inteligência artificial e efeitos neuropsicológicos tardios. Também estão em andamento estudos em hospitais suíços, como os hospitais universitários em Berna e Zurique.

Completamente exausta

Algumas semanas após a suspeita de infecção, Chantal Britt viveu um incidente que a alarmou. Após a quarentena ter sido decretada, ela quase sofreu um desmaio quando pedalava até seu escritório, onde buscaria suas coisas para trabalhar de casa. “Com uma ligeira subida, tive que parar após alguns metros, saltar da bicicleta e me recuperar na calçada. Estava completamente exausta. Meu coração estava acelerado e quase não conseguia respirar”.

Britt não tem a confirmação de um teste positivo para o Covid, já que no início de março de 2020 ainda não se testavam pessoas sem sintomas claros. Entretanto, o médico de família levou suas queixas a sério e a enviou a um especialista em pulmões. Ele diagnosticou que ela tinha a capacidade pulmonar de “uma mulher velha e acima do peso normal”, que nunca teria feito esporte, diz Britt. “Ainda sinto meus pulmões de ex-maratonista como se tivesse fumado dois maços de cigarro na noite anterior”.

Ao invés de seu antigo otimismo inabalável, o medo tomou conta da inglesa. Depois que um cardiologista a diagnosticou com inflamação do músculo cardíaco, ela tem dúvidas se seus pulmões e seu coração algum dia se recuperarão. A isso se soma o medo de nunca mais poder correr e de ter que passar o resto da vida com sequelas.

Do isolamento à autoajuda

Como ex-jornalista, ela procurou informações que pudessem ajudá-la a avaliar sua situação e a classificar seus sintomas. Àquela época, quase não encontrou algo sobre o tema. Assim abriu no Facebook o grupo de autoajuda Covid Longo Link externoda Suíça, juntamente com Florence Isler, de 43 anos, também mãe e sofrendo de uma forma particularmente severa da doença.

Eles também criaram o site longcovidch.infoLink externo. Nele listam uma variedade de sintomas físicos e psicológicosLink externo que os doentes têm relatado. Britt é também uma das signatárias de uma carta aberta intitulada StopCovidLink externo, enviada ao governo federal. Nela, este último é peticionado a tomar medidas drásticas para proteger a população.

Com suas iniciativas, Britt, Isler e outros participantes do grupo querem oferecer assistência inicial às pessoas afetadas e aumentar a conscientização pública sobre a nova doença. As principais demandas incluem o reconhecimento do Covid Longo como uma doença, melhor diagnóstico, tratamento e prevenção, bem como horas de consulta e apoio a pessoas com deficiências de longo prazo, mesmo que não apresentem diagnóstico positivo de Corona.

O grupo do Facebook tem pouco menos de 350 membros, com idades entre 17 e 58 anos, com mais adesões a cada dia. Com base em estimativas da Inglaterra, segundo as quais cada décima pessoa infectada ainda não está saudável meses depois, Britt calcula que cerca de 50 mil pessoas na Suíça podem estar sofrendo de sintomas mais ou menos graves desde a primeira onda. Não parece importar se a pessoa infectada foi entubada e entrou em coma artificial nos cuidados intensivos ou se teve nenhum ou apenas sintomas leves.

Britt, Isler e o crescente número de seus companheiros de campanha criticam o fato de que as autoridades sanitárias do país, que tem um dos sistemas de saúde mais caros do mundo, ainda não estão fornecendo informações e tratamento adequados para os pacientes de Covid Longo quase um ano após a pandemia. “Na página inicial do Depto. Federal de Saúde Pública, as pessoas afetadas ainda procuram em vão informações sobre Covid Longo”, afirma Britt.

Confrontado com estas acusações pela swissinfo.ch, um porta-voz do ministério suíço da Saúde (BAG) simplesmente se referiu a uma declaração em forma de sumário de diretrizes da força-tarefa federalLink externo sobre as possíveis consequências de longo prazo da infecção da corona, bem como a vários estudos em andamento.

Seguradoras de saúde ameaçam a exclusão

Em vez de receberem reconhecimento e ajuda crescentes, os sofredores da doença estão enfrentando pressões e a ameaça de restrições. “Já existem esforços das seguradoras de saúde para excluir os efeitos a longo prazo do Covid da cobertura de seguro suplementar”, diz Britt. A razão seria que a gama existente de terapias, como a fisioterapia, não se destina a condições de longo prazo, diz ela.

A falta de apoio, insegurança e isolamento também têm um impacto negativo sobre a psique já sobrecarregada das pessoas afetadas. Além das queixas físicas como exaustão, dores inexplicáveis, falta de ar e intolerância ao estresse, problemas psicológicos como depressão, ansiedade e problemas de sono também são queixas típicas (veja o quadro no final para mais informações).

Por uma quarentena restrita

Britt não esconde suas críticas ao governo, pois ela é uma das defensoras de uma quarentena estrita. “Em pesquisas realizadas durante a segunda onda, a maioria da população era a favor de medidas mais rigorosas. Se o Conselho Federal (Poder Executivo) se sobrepõe a isto, não está agindo democraticamente”, diz Britt. Com efeito, segundo o quinto “Monitor Corona” publicado pelo canal público de televisão SRF, desde o início de novembro, 54% dos entrevistados eram a favor de uma quarentena curta.

Ao manter empresas, estações de esqui e escolas abertas, diz ela, o governo está colocando as pessoas em grande risco. Elas podem ficar meses sem trabalho ou talvez até prejudicados para sempre, adverte Britt. “Não se pode ter isso em um país rico como a Suíça”.

Enquanto os efeitos de longo prazo da Covid-19 ainda não forem conhecidos, ela diz que a ordem do dia deve ser: “reduzir o número de casos”.

No grupo do Facebook, os membros trocam não apenas informações sobre suas reclamações e contratempos. Há sempre boas notícias, também. Mesmo quem passou a maior parte do tempo deitado ou em cadeiras de rodas desde a primavera como resultado de doenças musculares e neurológicas, também relata suas pequenas histórias de sucesso. Histórias estas que dão aos membros a esperança de que, em breve, o grupo de apoio não será mais necessário.

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