O povo, o soberano supremo
Os suíços são os "campeões das urnas". O povo participa diretamente do processo decisório político. Os cidadãos votam, em média, quatro vezes por ano para se exprimir sobre os temas mais variados, seja em nível federal, cantonal ou comunal (municipal).
A Suíça não detém o monopólio da democracia direta, mas é certamente o país onde ela é praticada da forma mais intensa. Introduzida no século 19, essa participação direta nas decisões constantemente evoluiu no decorrer de décadas.
Para ser preciso, a democracia suíça é qualificada de semidireta. Isso significa que os dois sistemas coexistem: o da democracia direta, onde os cidadãos se exprimem diretamente e o da democracia representativa, onde eles delegam uma parte dos poderes a candidatos eleitos.
Concretamente, os suíços elegem seu parlamento federal a cada quatro anos. E a cada três meses, eles se exprimem sobre temas submetidos ao voto. O sistema é mais ou menos semelhante em nível cantonal e comunal.
A frequência elevada dos escrutínios e o número de temas tratados se explicam pelo fato de que o povo dispõe de dois direitos inéditos: o referendo e a iniciativa popular.
Referendo
Primeiramente existe o referendo obrigatório. Como o nome indica, o povo é obrigatoriamente consultado no caso de qualquer mudança, mesmo mínima, da Constituição federal através do Parlamento. Para entrar em vigor, a modificação deve ser aceita em dupla maioria, ou seja, a maioria do povo e dos cantões.
Os casos de modificações constitucionais não são raros, mas a carta fundamental do Estado suíço contém muitas disposições suscetíveis de serem regularmente modificadas. Um exemplo dentre outros: o imposto sobre circulação de mercadorias (TVA, na sigla em francês). Uma eventual adesão a órgãos supranacionais é igualmente submetida ao referendo obrigatório.
O referendo facultativo pode, no seu caso, ser utilizado para contestar toda lei adotada ou modificada pelo Parlamento. Para lançar esse referendo, é necessário recolher pelo menos 50 mil assinaturas de eleitores e entregá-las à Chancelaria federal no período de cem dias após a publicação da lei contestada. Para que o referendo facultativo seja aprovado, é necessário que a lei obtenha a maioria dos votos.
Iniciativa
A iniciativa popular permite aos cidadãos propor modificações constitucionais, seja introduzindo novos dispositivos na Constituição, seja os modificando ou revogando os dispositivos existentes. Para que uma iniciativa seja submetida ao veredito das urnas, seus promotores devem reunir 100 mil assinaturas de eleitores e entregá-las na Chancelaria federal no espaço de 18 meses.
Se o Parlamento reconhece a legitimidade das reivindicações contidas na iniciativa, mas que não está de acordo com as soluções propostas por ela, ele pode se opor através de um contra projeto. Este pode ser direto, ou seja, regulamentado em nível constitucional. A iniciativa e o contra projeto são então submetidos simultaneamente aos cidadãos, com uma questão subsidiária questionando qual dos dois projetos tem sua preferência no caso se os dois forem aprovados.
Mas o Parlamento pode optar também por um contra projeto indireto, ou seja, regulamentado em nível legislativo. Nesse caso, apenas a iniciativa é submetida ao povo. E se ela é refutada, então o contra projeto indireto é aplicado, sob a condição de que este não tenha sido objeto de um referendo.
Enfim, é possível que os autores da iniciativa estejam satisfeitos com o contra projeto do Parlamento. Nesse caso a iniciativa não é submetida ao voto.
Até 1971 a Suíça federal era uma democracia exclusivamente masculina, mesmo se, em nível cantonal e comunal, as mulheres tenham obtido o direito de voto e elegibilidade desde os anos 1960. A Suíça foi um dos últimos países ocidentais a dar o direito de voto às mulheres.
Atualmente, mesmo que o sufrágio universal seja um direito adquirido, menos da metade dos cidadãos em média participam realmente dos escrutínios.
Críticas
Se o referendo constitui muito mais um freio ao Parlamento, a iniciativa representa um acelerador em relação às questões que os parlamentares não querem mais tratar e aos quais eles nunca teriam sonhado em lidar. Especialmente os partidos e os movimentos sociais, que não têm facilidade para obter uma maioria no Parlamento, é que utilizam esses dois instrumentos da democracia direta.
Muitas vezes a esquerda aproveita o momento para temas de caráter econômico e social. Já a chamada direita conservadora a utiliza para abordar temas ligados à identidade nacional e aos estrangeiros. Mas ocorre, por vezes, também que pequenas associações ou pessoas privadas consigam lançar um referendo ou uma iniciativa. Suas chances de sucesso são geralmente bem limitadas, mas não totalmente supérfluas.
Mesmo que o sistema suíço seja frequentemente citado como um modelo de democracia direta, não faltam críticos a ela. As mais frequentes estão relacionadas ao número e, especialmente, à complexidade dos escrutínios, dois fatores que influenciam negativamente a taxa de participação. A taxa média foi de menos de 45% entre 2001 e 2012.
Alguns criticam também o fato de que o povo seja conclamado a se exprimir sobre tudo. Ora, mais do que os parlamentares, os simples cidadãos têm a tendência a serem suscetíveis à emoção ou a pré-julgamentos
Vantagens
Face às críticas, os cientistas políticos ressaltam as vantagens dos direitos populares. O referendo é considerado como um instrumento que favoriza a política de consenso entre os partidos.
Com a ameaça do referendo, tanto o Parlamento como o governo são levados a procurar um consenso o mais amplo possível para fazer passar uma lei. Se a insatisfação é limitada, por exemplo, a um só partido, existem fortes chances que o povo termine apoiando um projeto.
Quanto à iniciativa popular, ela apresenta a vantagem de lançar debates de fundo sobre temas que não teriam sido normalmente abordados no Parlamento e permite aos seus autores de ver, por vezes, uma parte das suas reivindicações atendidas através de um contra projeto.
Existem casos – muito raros – onde as iniciativas refutadas pela maioria do Parlamento obtém a maioria do povo e dos cantões. Esse foi o caso da iniciativa “Contra as remunerações abusivas”, que permite aos acionistas de se pronunciar sobre as remunerações dos executivos das empresas. Essa iniciativa, lançada pelo pequeno empresário Thomas Minder, foi aceita em 3 de março de 2013 por 68% dos cidadãos e todos os cantões.
420 iniciativa populares foram lançadas desde 1891, data da introdução do direito popular.
Das 304 que se concretizaram formalmente, 183 foram submetidas ao voto popular, 4 foram declaradas nulas, 2 classificadas e 90 retiradas.
Somente vinte iniciativas foram aceitas pelo povo e pelos cantões. A primeira (“Proibição de abater gado sem ter anestesiado”) tinha um caráter antissemita. A última (“Contra as remunerações abusivas”) foi aceita em 3 de março de 2013.
A proporção das iniciativas aceitas aumentou fortemente durante os últimos anos. Enquanto somente 13 foram aprovadas entre 1891 e 2003, 7 foram entre 2004 a 2013.
Em relação aos referendos facultativos: 170 foram lançados com sucesso de 1848 até o final de 2012. Em 76 dos casos, seus autores ganharam, ou seja, os eleitores rejeitaram nas urnas uma determinada lei.
Durante o mesmo período, sobre 230 referendos obrigatórios, 166 foram aceitos pelos eleitores e os cantões, enquanto 64 foram recusados.
Adaptação: Alexander Thoele
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