Situção dos direitos humanos em Cuba é dramática, adverte comissário da CIDH

Criminalização de protesto pacífico, prisões arbitrárias, julgamentos sumários, penas de até 30 anos de prisão, opositores presos com a saúde deteriorada: a situação dos direitos humanos em Cuba é “dramática”, advertiu nesta quinta-feira o relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para a ilha.
O jurista Stuardo Ralón, um dos sete membros da CIDH, conversou com a AFP depois que esse órgão da OEA manifestou preocupação com as centenas de pessoas detidas e processadas por terem participado das manifestações de julho passado em Cuba, e pediu a sua libertação.
P: Qual é a situação dos direitos humanos em Cuba?
R: É dramática, porque a liberdade das pessoas não é respeitada. Existe um único partido, o Partido Comunista, ao qual você deve pertencer para participar da política. E quem se manifestar contra o regime, emitir uma ideia diferente ou exigir liberdade, está sujeito a prisões arbitrárias, processos e penas de prisão de até 30 anos.
P: O Movimento San Isidro, criado em 2018 por artistas e intelectuais para exigir maior liberdade de expressão, informou nesta quarta-feira que um de seus fundadores, Luis Manuel Otero Alcántara, preso em 11 de julho, estava em greve de fome e que sua saúde era precária. O que a CIDH sabe sobre ele?
R: A última coisa que sabemos é de condições de prisão em que sua saúde é muito delicada, e com a qual estamos extremamente preocupados. A informação que temos é de que a situação nas prisões é de superlotação, sem as condições básicas de respeito à dignidade das pessoas, e que quando os detidos estão em greve de fome, sua saúde é extremamente afetada. Temos informações de que há outras pessoas em condições semelhantes às de Otero Alcántara.
P: Quantos ainda estão detidos pelos protestos de julho?
R: Há 790 pessoas presas sujeitas a processos, muitos deles sumários, sem garantias reais de direito de defesa, com penas de prisão de até 30 anos. E o que essas penas em julgamentos sumários pretendem é enviar uma mensagem de censura, de punição por pensar e se expressar de forma diferente do regime da ilha.
P: A CIDH destacou em comunicado a prisão de dezenas de adolescentes, assinalando que é uma medida que deve ser usada como último recurso.
R: Esse é outro dos princípios que foram quebrados.
P: Muitos manifestantes foram acusados de sedição. Qual a opinião da CIDH?
R: Percebemos que, em muitos desses processos sem garantias, são usadas tipificações ambíguas, como crimes de sedição ou terrorismo. Pretende-se, na verdade, criminalizar um ato que pedia uma abertura democrática.
P: Cuba foi excluída da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1962, após a revolução castrista. Desde 2009, quando essa decisão foi anulada, não pediu a sua reincorporação. A CIDH tem competência para se pronunciar sobre Cuba?
R: Sim. A competência da comissão para monitorar o respeito aos direitos humanos em todo o continente inclui Cuba.
P: A ativista Anamely Ramos denunciou que foi impedida de retornar a Havana “por motivos políticos”. Um governo pode negar a entrada de um de seus cidadãos no país?
R: Um padrão internacional é que um cidadão não pode ser proibido de entrar em seu próprio país. O problema é que, quando não há democracia, mas um único poder, que violou direitos humanos e garantias individuais, esse tipo de abuso pode acontecer. Isso é claramente algo extremamente grave, e também uma clara violação dos direitos humanos.
P: O que a comunidade internacional deve fazer?
R: Acredito que há uma responsabilidade enorme dos diferentes órgãos internacionais, de diferentes Estados, de cada um de acordo com suas competências, de dar visibilidade e denunciar, como faz a CIDH quando há violações, e exigir que essas situações não aconteçam. Se essas vozes forem em uníssono, pode-se gerar uma possibilidade esperada de mudança.
P: Cuba afirma que tem soberania para resolver os assuntos internos.
R: Cada Estado tem soberania para estabelecer certas normas e instituições, e mecanismos ou políticas para a sua própria realidade social. Isso é reconhecido pela própria OEA. No entanto, esse conceito não pode ser aplicado para que um poder de um determinado Estado viole os direitos humanos
P: O governo cubano acusa os dissidentes de serem financiados pelos Estados Unidos, que buscam uma mudança de regime em Cuba, e a OEA de ser um instrumento de Washington. O que você pensa sobre isso?
R: Não fazemos avaliações políticas. Como órgão técnico de monitoramento dos direitos humanos, parece-nos que existem reivindicações legítimas. Condenamos que haja violações sistemáticas dos direitos humanos em Cuba.