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Os convertidos ao Islã que fazem medo à Suíça

Na época das caricaturas de Maomé, muçulmanos protestam na praça em frente ao Palácio Federal, em Berna. Keystone

Uma ameaça potencial para a segurança nacional: é assim que o chefe do Departamento Federal de Migrações vê alguns suíços convertidos ao Islã. Porém essas pessoas rejeitam a crítica.

Os próprios muçulmanos na Suíça estão divididos nas suas diferentes visões da crença.

Alard du Bois-Reymond, diretor do Departamento Federal de Migrações (BFM, na sigla em alemão) exprimiu seus temores frente ao Conselho Central Islâmico Suíço (CCIS), fundado recentemente na cidade de Bienne (oeste) por jovens suíços convertidos ao Islã. Durante uma entrevista dada ao jornal dominical NZZ am Sonntag, ele declarou que algumas dessas pessoas pleiteiam “uma sociedade radicalmente diferente”.

O funcionário graduado se baseou em exemplos britânicos e alemães. “Nesses países”, afirma Alard du Bois-Reymond, “os grupos de convertidos são um terreno fértil para terroristas em potencial.”

O mesmo grupo, o CCIS, foi objeto recente de crítica em um artigo publicado na revista semanal Weltwoche. Segundo o autor do texto, o líder do grupo, Nicolas Blancho, seria considerado “o islamita mais perigoso da Suíça.”

Segundo a publicação, o jovem prega a forma mais estrita do Islã como o praticado na Arábia Saudita, defendendo também a intolerância para com as mulheres e os não muçulmanos. Um dos objetivos do grupo de interesse à longo prazo é de criar escolas que permitiriam muçulmanos a evitar as obrigações, dos quais eles muitas vezes tentam escapar como os cursos de natação para meninas ou as classes mistas nas escolas.

O porta-voz do CCIS, Qaasim Illi, rejeita categoricamente a acusação de terrorismo. Segundo ele, não existe nenhum paralelo com os convertidos de outros países que estiveram implicados em atos terroristas.

“Terroristas falam em público? Eles trabalham por um objetivo ideal ou político falado abertamente em público? É óbvio que não. Esses vão em mesquitas escondidas, longe dos olhos da mídia”, refuta Qaasim Illi.

“Desde o início decidimos a falar diretamente com o público. Nossos métodos são baseados no respeito das leis, não no terrorismo”, acrescenta o porta-voz.

Reconhecimento

O CCIS foi fundado pouco tempo depois da votação de 2009 que decidiu pela interdição de construir novos minaretes na Suíça. Muçulmanos tradicionalistas se questionam hoje em dia se sua comunidade não foi tímida demais em levar ao debate seus argumentos.

O objetivo do grupo de interesse é de reunir muçulmanos suíços e lhes preparar às futuras votações sobre projetos ligados ao Islã como a interdição do véu ou do burka, afirma o Conselho.

Quanto à afirmação da Weltwoche na qual o CCIS pretende introduzir a lei muçulmana, a charia, Qaasim Illi responde que essa lei só pode ser aplicada “em um sistema ou Estado islâmico”. A Suíça é um Estado liberal e democrático, no qual o princípio do pluralismo deve ser respeitado.

“Exigimos respeito aos nossos direitos, mas também respeitamos aos dos outros”, afirma o porta-voz, afirmando aceitar que uma muçulmana não use o véu e que se converta ao cristianismo.

“Temos o direito de usar barba e trajar vestimentas escolhidas por nós. Gostaríamos de ser aceitos e não vistos como terroristas”, reclama Illi.

Interdição solicitada

No entanto o CCIS suscita controvérsia entre outros grupos de muçulmanos. Saïda Keller-Massahli, do Fórum por um Islã progressista declarou à Weltwoche que, apesar da imagem pública civilizada e amistosa desse grupo, ela considera Qaasim Illi e Nicolas Blancho como pessoas perigosas.

“São jovens muçulmanos e não muçulmanos que procuram regras claras e têm necessidade de ver o mundo preto e branco”, declara Saïda Keller-Massahli. Segundo ela, o CCIS propaga uma ideologia perigosa, incompatível com a Constituição helvética.

Saïda Keller-Massahli duvida também que o grupo de Bienne seja financiado por fundos originados da Suíça. “Não há dúvida que eles recebem coletivamente, ou de forma individual, ajuda da Arábia Saudita”. Ao final, Keller-Massahli pede a interdição do CCIS.

Outro muçulmano influente na Suíça, Hisham Maizar, da Federação de Organizações Islâmicas da Suíça, estima que o CCIS “atrai inúmeros jovens que não têm perspectivas”. Mas, segundo ele, uma proibição só terá como fruto tornar o grupo mais interessante para eles.

Larbi Guesmi, da Comunidade Muçulmana de Neuchâtel, é mais sutil. “Mesmo se Nicolas Blancho tem ideias que eu não qualificaria de extremistas, mas sim de incomuns, são ideias que merecem ser discutidas. É normal que existam pensamentos diferentes em uma sociedade”, ressalta.

A responsável da Associação Cultural de Mulheres Muçulmanas da Suíça, Nadia Karmous, acredita na importância de procurar uma compreensão mútua antes de se lançar em atividades políticas. “Deveríamos nos conhecer melhor e explicar o que somos às pessoas que têm medo do Islã”, lança.

Estética MTV

Susanne Leuenberger, que escreve atualmente uma tese sobre os convertidos suíços para a Universidade de Berna, acredita que não há perigo por trás do CCIS.

“Fui várias vezes às suas reuniões e creio que não há nada além nos seus discursos do que os que eles já falam publicamente”, afirma a pesquisadora. “Finalmente, acho que é possível acusar todo o mundo de ter intenções negativas ou escondidas. É um argumento típico para ver com maus olhos uma minoria.”

O CCIS atrai jovens, pois faz algo por eles. Eles têm um bom site na internet e também convidam oradores capazes. “Essa mistura de retórica e prática religiosa, combinada ao que poderíamos chamar de uma espécie de estética MTV, é muito sedutor para os jovens”, avalia Leuenberger.

“Nem sempre é fácil para os muçulmanos com certa idade e já bem estabelecidos de ter um contato direto com esses jovens”, admite Larbi Guesmi. “É nesse ponto que o CCSI faz a diferença.”

“Atraímos jovens, pois abordamos seus problemas”, defende Qaasim Illi.

Julia Slater, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)

Muçulmanos na Suíça
Segundo o censo 2000, havia 310.807 muçulmanos na Suíça. Em 1970 eram cerca de 16 mil, 57 mio em 1980 e 152 mil em 1990.

Em 1990, 2,2% da população suíça era de confissão muçulmana. Em 2000, a proporção subiu para 4,3%, com as guerras na antiga Iugoslávia e a chegada à Suíça de numerosos refugiados dos Bálcãs.

90% dos muçulmanos da Suíça provém da Turquia e dos Bálcãs. Os de origem árabe são 6% e de múltiplos países. Aproximadamente 10% deles têm passaporte suíço.

Essa população é jovem e majoritariamente urbana.

Apenas uma pequena minoria pode ser considerada estritamente praticante.

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