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Muçulmanos dialogam com governo suíço

Em Genebra, a Fundação Cultural Islâmica ficou escandalizada com a proibição de minaretes. AFP

A ministra suíça da Justiça recebeu recentemente em Berna alguns líderes de associações de muçulmanos para "prosseguir e ampliar o diálogo com a comunidade muçulmana".

Pessoas engajadas de longa data na aproximação de comunidades na Suíça sublinham os limites desse diálogo.

Quase um mês depois do voto em que a maioria dos eleitores que compareceram às urnas aprovou a proibição de construir novos minaretes na Suíça, a ministra da Justiça e Polícia, Eveline Widmer-Schlumpf, recebeu seis personalidades representando a Federação das Organizações islâmicas da Suíça, a Coordenação das Organizações Islâmicas da Suíça e a Fundação do Entre-Conhecimento, criada por Hafid Ouardari, ex-porta-voz da mesquita de Genebra.

“A ministra sublinhou que a decisão do povo restringe a liberdade, para os muçulmanos, de manifestar sua crença erigindo minaretes, mas não muda o direito de professar a fé nem de praticar sua religião. Ela explicou que a decisão popular é a expressão de problemas, mas também uma chance de fazer um amplo debate público”, afirma um comunicado do ministério.

Um sinal político

Depois de lembrar que esses encontros foram iniciados por Christoph Blocher, predecessor de Eveline Widmer-Schlumpf no ministério, Stéphane Lathion vê nesse diálogo um sinal político. “O ponto positivo é que o governo demonstra interesse e vontade de compreender melhor as comunidades muçulmanas da Suíça. Mas não se pode dar a essas associações um poder de representação que elas não têm”, afirma Lathion, presidente do Grupo de Pesquisa sobre o Islã na Suíça, instituto criado em 2002 e engajado desde o início na área associativa.

Outra personalidade engajada há muito tempo nas questões de integração e do diálogo cultural e político entre comunidades, Ahmed Benani acrescenta: “o governo, que não tem um grande conhecimento do Islã, tem tendência a considerar esses grupos como representantes porque precisa de interlocutores”.

Cientista político originário do Marrocos, Banani vai mais além: “A questão da representatividade é um falso problema. Na Suíça, a comunidade muçulmana não existe como tal. Os que falam em nome dela representam uma ínfima minoria.”

No entanto, os encontros conduzidos pela ministra da Justiça têm sua utilidade. “Na Suíça, é esse tipo de associações e federações que organizam o culto muçulmano, já que não existe uma estrutura hierarquizada nem um clérigo islâmico.”

De fato, a Federação de Organizações Islâmicas da Suíça existe na maioria dos estados (cantões) suíços e colabora com quase 150 centros islâmicos no país, segundo seu presidente Hisham Maizar, um dos seis representantes recebidos pela ministra da Justiça.

Primazia ao religioso

“O risco desse processo é de reforçar as organizações religiosas, porque existes comunidades muçulmanas que não têm a religião como prioridade”, insiste Stéphane Lathion. Ele acrescenta que “Berna não deve legitimar certas associações em detrimento de outras. É essencial as que se ocupam do culto muçulmano das outras (cultural, social ou outra). De fato, a grande maioria dos muçulmanos da Suíça não frequenta as mesquitas e não se reconhece nas associações existentes, mas os responsáveis de associações têm muita dificuldade em admitir que muitos têm uma relação distante com o Islã”, explica Lathion.


“É verdade, não se pode esquecer que a maioria dos muçulmanos na Suíça vêm da Europa, ou seja, dos Bálcãs”, confirma Ahmed Benani.

Dito de outra maneira, suas experiências históricas, políticas e culturais são muito diferentes dos muçulmanos dos países árabes que dirigem geralmente as associações muçulmanas na Suíça.

Ocorre então que a atitude do governo parece uma forma de injunção paradoxal que os psiquiatras conhecem bem. “Critica-se certos muçulmanos de comunitários, mas exige-se que o conjunto de pessoas de um país muçulmanos se organizem em comunidades”, diz Stéphane Lathion.

Superar a discriminação

Para escapar dessa armadinha, Ahmed Benani lança uma primeira ideia que começa a circular: “É urgente reconhecer o Islã como culto de utilidade pública. Na nova Constituição do estado de Vaud (oeste), o cantão o fez com o judaísmo. É preciso se inspirar nesse exemplo único na Suíça”.

O cientista político acrescenta que “é necessário organizar uma resposta cidadã nos municípios, estados e no plano federal; como dizem muitos muçulmanos praticantes ou não, o religioso na Suíça deve ser objetivo de igualdade de tratamento, qualquer que seja a confissão”.

“Se isso for feito, “acabaria a discriminação provocada pela proposta de lei contra os minaretes; esse reconhecimento amplo das religiões não cristãs permitiria separar o religioso das questões políticas e ideológicas, evitando os agitadores de todo tipo e o discurso de vítima do voto sobre os minaretes”.

Não seria melhor recorrer à Corte Europeia dos Direitos Humanos para anular a lei antiminaretes? Stéphane Lathion não tem certeza porque “ainda estamos na urgência; como me disse uma personalidade muçulmana da Suíça, a pressão da base é imensa, em particular entre os jovens, e depois do voto era preciso agir”.

Privilegiar o plano local

De qualquer maneira, as discussões iniciadas pelo voto contra a construção de novos minaretes prosseguirão a médio e longo prazo. “Como é o costume na Suíça, o essencial do trabalho deve ser feito no plano municipal e estadual”, lembra Stéphane Lathion.

De acordo com ele, a Comissão Federal de Migrações (CFM) mostra o caminho pois organiza dia 23 de janeiro um encontro com representantes das comunidades muçulmanas com base cidadã e não religiosa.

Stéphane Lathion conclui que “não se trata de negar o elemento religioso – que pode ser por vezes problemático – mas de não se restringir a essa dimensão porque existem outros problemas das pessoas originárias do mundo muçulmano que vivem na Suíça.”

Frédéric Burnand, Genève, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)

Segundo o censo 2000, havia 310.807 muçulmanos na Suíça. Em 1970 eram cerca de 16 mil, 57 mio em 1980 e 152 mil em 1990.

Em 1990, 2,2% da população suíça era de confissão muçulmana. Em 2000, a proporção subiu para 4,3%, com as guerras na antiga Iugoslávia e a chegada à Suíça de numerosos refugiados dos Bálcãs.

90% dos muçulmanos da Suíça provém da Turquia e dos Bálcãs. Os de origem árabe são 6% e de múltiplos países. Aproximadamente 10% deles têm passaporte suíço.

Essa população é jovem e majoritariamente urbana.

Apenas uma pequena minoria pode ser considerada estritamente praticante.

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