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Tribunal alemão estabelece precedente climático, mas rejeita ação de agricultor contra grupo de energia

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Um tribunal alemão rejeitou nesta quarta-feira (28) a ação por questões ambientais movida por um agricultor peruano contra a empresa de energia RWE, mas estabeleceu um precedente importante sobre a responsabilidade das grandes empresas por suas emissões de carbono. 

O Tribunal de Apelações de Hamm, no oeste da Alemanha, decidiu que “se houver ameaça de dano, a parte responsável pelas emissões de CO2 poderá ser obrigada a tomar medidas preventivas (…) [ou] a arcar com os custos proporcionalmente à sua parcela de emissões”. 

Isso se aplicaria mesmo se o dano ocorresse longe do produtor de energia, estabelecendo um precedente importante, segundo defensores ambientais.

O caso começou com uma ação movida pelo peruano Saúl Luciano Lliuya, de 44 anos, que argumentou que a RWE, uma das maiores emissoras de dióxido de carbono do mundo, deveria compartilhar o custo de proteger sua cidade natal, Huaraz, de uma lagoa glacial que ameaça transbordar devido ao derretimento do gelo. 

O tribunal rejeitou a reclamação específica de Lliuya contra a RWE, que não opera no Peru, argumentando que “a coleta de provas demonstrou que não há perigo concreto para suas terras”, com o risco real estimado em menos de 1%.

O agricultor não poderá recorrer e terá que pagar os custos do processo.

No entanto, o tribunal baseou-se no código civil alemão para dar razão à parte autora sobre o princípio da indenização por danos ambientais, se comprovados. 

Se um risco for determinado, “o emissor de CO2 poderá ser obrigado a tomar medidas” para impedir sua materialização, afirmou o tribunal. 

E se o emissor se recusar a agir, “os custos podem ser estabelecidos antes que o risco se materialize”, e o produtor de energia “deve compensar proporcionalmente à sua cota de emissões”, acrescentou o tribunal. 

O tribunal rejeitou o argumento da empresa sobre a grande distância entre o local de residência do autor e as usinas, afirmando que isso “não pode constituir motivo suficiente para considerar a ação improcedente”. 

– Precedente –

O agricultor e as organizações que o apoiavam queriam que a RWE servisse como exemplo da responsabilidade jurídica global que, na visão deles, as empresas de energia têm pela mudança climática. 

Lliuya e a ONG Germanwatch exigiam que a gigante alemã de energia pagasse uma indenização proporcional à sua participação nas emissões globais de gases de efeito estufa desde o início da era industrial, que estimaram em 0,38%. 

Argumentaram, sem sucesso, que a casa do peruano estaria ameaçada pelo derretimento das geleiras que cercam a lagoa Palcacocha, na cordilheira central, acelerado pela mudança climática. 

Lliuya, ausente na audiência, expressou sua “decepção” em um comunicado afirmando que o tribunal não decidiu a seu favor. No entanto, disse estar “muito satisfeito com o precedente”. 

“É isso que queríamos desde o início: abrir as portas para outras ações judiciais; estabelecer um precedente na justiça”, enfatizou em entrevista coletiva por videochamada da cidade peruana de Huaraz.

A primeira ação judicial de Lliuya remonta a 2015 no tribunal de Essen, sede da RWE, onde ele reivindicou € 17.000 (R$ 25.000) da empresa para proteger sua comunidade de inundações. 

O tribunal rejeitou o pedido, mas a instância superior de Hamm admitiu um recurso em 2017.

– “Enorme avanço” –

A decisão gerou esperanças entre os defensores do meio ambiente, que esperavam que o caso estabelecesse um precedente para a “justiça climática global”, um conceito político segundo o qual o Norte poluidor deve indenizar suas vítimas nos países do Sul. 

A advogada do agricultor, Roda Verheyen, esperava que o tribunal confirmasse um princípio sem precedentes: o de que uma empresa deve ser responsabilizada pelas consequências de suas emissões de gases de efeito estufa. 

Trata-se de “uma mensagem muito importante aos tribunais de todo o mundo”, acrescentou Noah Walker-Crawford, pesquisador que assessora a equipe jurídica da Lliuya, e “um enorme avanço”. 

A RWE sustenta que os efeitos da mudança climática não podem ser legalmente atribuídos a emissores específicos. 

“Caso contrário, qualquer pessoa poderia processar outra por causa da mudança climática”, disse um porta-voz da empresa de energia à AFP, acrescentando que ela “sempre cumpriu todas as normas legais relativas às emissões de CO2 no curso de suas atividades comerciais”.

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