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Uma Arca de Noé para a flora intestinal

Forscherin zeigt zwei in Petrischalen angesetzte Stuhlproben
As amostras de fezes são preparadas em placas de laboratório para análise. swissinfo.ch

O coronavírus é maligno. No entanto, numerosos vírus, bactérias e outros micro-organismos vivem em nossos intestinos e nos são indispensáveis. A medicina espera muito deles. Um projeto pretende agora criar uma coleção do microbioma mundial. A localização desta abóbada para microrganismos: Suíça.

Ele tem muito que fazer. O robô sequenciador no laboratório do Hospital Universitário da Basileia analisa simultaneamente a informação genética das bactérias em dezenas de amostras fecais. As amostras, entregues ao laboratório em pequenos tubos, provêm de turistas que regressaram da Índia.

“Recebemos amostras de todo o mundo”, diz Adrian Egli. O médico dirige o Departamento de Bacteriologia Clínica e Micologia (ciência que estuda os fungos) e ocupa-se atualmente em realizar os primeiros testes para o projeto internacional “The Microbiota VaultLink externo” (em português: “A Caixa-forte da Microbiota”).

Sequenzier-Roboter
Com o robô, as amostras são sequenciadas e tornadas legíveis. swissinfo.ch

Em suma, trata-se de catalogar o microbioma global, ou seja, todos os microrganismos, em uma espécie de arquivo e preservá-lo para a posteridade. O ser humano está no centro disso.

Uma vez que nossa flora intestinal exerce um forte impacto em nossa saúde e psique. O problema: a urbanização e as grandes mudanças ambientais ameaçam a diversidade microbiana em todo o mundo.

>> Assista a reportagem clicando no vídeo abaixo:

A partir das amostras da Índia, Egli espera compreender melhor como a composição bacteriana muda no intestino e como isso está ligado à propagação da resistência aos antibióticos. Após uma viagem à Ásia, as amostras podem conter igualmente bactérias multirresistentes a antibióticos, que representam, portanto, um perigo para todos nós.

A composição da flora intestinal influencia a saúde e permite tirar conclusões sobre o estado de saúde de uma pessoa. Um ser humano adulto abriga centenas de tipos de bactérias (espécies) que pesam até dois quilos no total e têm uma influência muito forte no metabolismo. O “Microbiota Vault” destina-se a ajudar a compreender melhor essas complexas relações.

Há bilhões de microrganismos em uma única amostra de fezes, pelo que bastam poucas gramas para o sequenciamento. “Dividimos tais amostras fecais em pequenas porções e congelamo-las sob diferentes condições”, diz Egli. Isso torna possível comparar qual é a melhor condição de armazenamento para uma determinada amostra.

Preservar a diversidade

O mais tardar desde o grande sucesso do popular livro de ciência “Darm mit Charme” (“Intestino com charme”) em 2014, setores mais vastos da população vêm também tomando conhecimento do tema.

Em nossos intestinos movem-se trilhões de microrganismos que não só nos ajudam na digestão, mas também realizam uma incrível variedade de atividades em nosso corpo. Por exemplo, ajudam-nos a absorver vitaminas ou a estimular o sistema imunológico.

Digerimos nossos alimentos em diversas reações químicas. Segundo especialistas, apenas parte dessas reações químicas ocorrem diretamente em nosso corpo. Os micróbios assumem muitos deles para nós.

Ademais, o sistema imunológico só se pode desenvolver normalmente se a microbiota estiver presente no intestino. É muito importante para a saúde que o microbioma no intestino seja tão diverso quanto possível. Um microbioma diversificado significa pessoas e animais mais saudáveis.

Adrian Egli im Labor
Adrian Egli do Hospital Universitário da Basiléia conduz o a fase piloto do projeto internacional “O Cofre de Microbiota”. O biomédico é chefe do Departamento de Bacteriologia Clínica e Micologia. swissinfo.ch

À semelhança do que já está sendo feito para as plantas em Spitsbergen, Noruega, com o “Svalbard Global Seed VaultLink externo”, o projeto sem fins lucrativos “The Microbiota Vault” visa coletar e catalogar o máximo possível de todo a microbiota que povoa humanos e animais.

Além disso, existem micróbios de alimentos fermentados, dos quais a medicina também espera obter certos conhecimentos. Diz-se que as bactérias ácido-lácticas, em particular, são consideradas boas para a saúde. “A diversidade do microbioma está ameaçada”, diz Dominik Steiger, secretário da iniciativa “The Microbiota Vault”, que dirige a fase inicial do projeto.

A equipe

Além de Dominik Steiger e Adrian Egli, a equipe interdisciplinar de gestão na Suíça inclui dois outros especialistas: Pascale Vonaesch da Universidade de Lausanne e Nicholas Bokulich da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH).

E cita como motivos as mudanças no estilo de vida das pessoas: a urbanização, a globalização, a rápida alteração nas condições de vida das sociedades indígenas, bem como a mudança nos ecossistemas, também em conexão com as mudanças climáticas ou a destruição de habitats naturais.

Tudo isso está uniformizando cada vez mais o microbioma em nosso intestino. “Estamos perdendo sua diversidade em um momento no qual estamos apenas começando a entender a relevância do microbioma”, diz Steiger. Portanto, é hora de agir.

Caixa-forte para micróbios

Andrew Macpherson, da Universidade de Berna, também sublinha esse aspecto. Em seus projetos de pesquisa, ele examina a fundo as interações entre micróbios e seres humanos. Macpherson não está diretamente envolvido no projeto, mas conhece todos os participantes. “O momento é agora, se quisermos fazer algo a esse respeito. Por conseguinte, apoio totalmente o projeto, que discuti tanto com a equipe fundadora quanto com alguns dos atuais colaboradores”, diz.

“Estamos perdendo a diversidade do microbioma em um momento no qual estamos apenas começando a entender sua relevância.”

Dominik Steiger, chefe de projeto do “The Microbiota Vault”

O objetivo é preservar e catalogar, para melhores estudos, a diversidade do microbioma global. Segundo Steiger, é importante construir um sistema com os países pobres e ricos “baseado na equidade e no benefício mútuo”.

Isto significa que não só os pesquisadores suíços devem coletar, sequenciar e catalogar amostras. Devem trabalhar em conjunto com especialistas internacionais e construir uma rede de coleções já existentes. Steiger acrescenta: “O que há de especial em nossa iniciativa é que dizemos: Todos os depositores, ou seja, todas as coleções locais, permanecem soberanos sobre as amostras que armazenam conosco. Temos uma espécie de esquema de gestão fiduciária”.

Escolha recaiu sobre a Suíça

A ideia para o projeto partiu de um grupo internacional de pesquisadores de microbiologia que havia publicado um artigo sobre o assunto na revista “ScienceLink externo“. Realizaram um estudo de viabilidadeLink externo que comparou vários locais possíveis. Finalmente, “The Microbiota Vault” decidiu-se pela Suíça.

No entanto, Steiger quer que se assegure que a escolha do local não precisa ser exclusiva. O projeto, em colaboração com pesquisadores da Universidade Rutgers de Nova Jersey, EUA, da ETH, e das Universidades de Basileia e Lausanne, teve início neste país no final de 2021.

“O projeto é uma magnífica oportunidade para a Suíça.”

Adrian Egli, médico

Para este fim, iniciadores de todo o mundo – incluindo dois vencedores do Prêmio Nobel – conseguiram angariar um milhão de francos suíços. As maiores contribuições vieram de quatro fundações (Fundação Gebert Rüf, Fundação Seerave, Fundação Rockefeller, Fundação Oak).

Uma vez que se pensa em um projeto como esse em termos de décadas, é particularmente importante localizá-lo em um país estável e neutro, afirma Egli. Por outro lado, também devem existir meios e possibilidades para descrever muito bem essas amostras. “O projeto é uma magnífica oportunidade para a Suíça”.

Gefrierschrank
As amostras são armazenadas em armários. swissinfo.ch

No laboratório

Enquanto isso, podemos rastrear o que acontece a uma amostra quando ela está pronta para ser armazenada. Um membro da equipe abre um enorme congelador, cujo interior oferece uma temperatura constante de 80 graus negativos. Uma espessa camada de gelo torna visível que as amostras estão armazenadas muito frias. Em temperaturas tão baixas, é importante trabalhar com rapidez e segurança a fim de não danificar a pele.

“Também não se pode simplesmente congelar bactérias assim, senão elas morreriam”, ressalta Egli. A formação de cristais destrói a célula bacteriana. Para o “Microbiota Vault”, devem ser adicionados conservantes especiais às bactérias para que estas possam sobreviver ao processo de profundo congelamento. O procedimento está atualmente sendo definido na fase-piloto do projeto.

E quanto à segurança e qualidade de uma tal coleção? Não há risco de contaminação ou alterações durante o longo período de armazenamento? Segundo Egli, as amostras devem ser descritas com a maior precisão possível, recorrendo-se a métodos padronizados e reconhecidos internacionalmente, para que fique claro se uma amostra pode conter resistência a antibióticos ou toxinas (substâncias venenosas). Agentes patogénicos perigosos devem ser congelados separadamente.

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O conceito de qualidade do “Microbiota Vault” inclui também uma verificação de possíveis alterações na composição das amostras armazenadas, pois uma amostra ainda pode sofrer alterações durante o processo de congelamento. Portanto, a diversidade de bactérias em uma amostra deve ser precisa e previamente documentada, e, quando descongelada, o mesmo método deve ser utilizado para determinar se algo mudou.

A documentação clara das amostras é um elemento central do projeto. “É importante empregar o mesmo vocabulário em todo o mundo. É como uma língua: não consigo escrever algo uma vez em francês e uma vez em alemão”, diz Egli.

A longo prazo, as provavelmente mais de 100 mil amostras poderiam ser armazenadas em um antigo bunker militar nos Alpes suíços. “Mas é preciso muito investimento, e levará alguns anos até estarmos prontos”, reitera Egli.

Adaptação: Karleno Bocarro

Reconhecimento para a pesquisa de bactérias intestinais

Três pesquisadoras da Universidade e do Hospital Universitário de Berna receberam o Prêmio Pfizer por seu trabalho conjunto. Elas mostraram como nossas bactérias intestinais influenciam a formação de anticorpos.

O Prêmio Pfizer é um dos mais importantes prêmios de pesquisa para medicina na Suíça. É atribuído anualmente em cinco áreas, a pedido de comissões científicas independentes.

Fonte: Universidade de Berna

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