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Como bancos entregaram Maluf à polícia

Para o jornalista, Paulo Maluf acreditava na impunidade. swissinfo.ch

Rui Martins, jornalista brasileiro residente na Suíça e ex-correspondente da CBN, lançou um livro sobre os bastidores do caso Paulo Maluf.

Nele o jornalista conta como o escândalo das contas secretas, que já levou o político brasileiro à prisão, desvela as mazelas do segredo bancário suíço.

A vida é cheia de altos e baixos e não distingue classe social. Quando Paulo Maluf, um dos políticos mais conhecidos do Brasil, entrou em 30 de outubro de 2005 numa lanchonete em Campos do Jordão, a conhecida cidade turística distante 167 quilômetros da capital de São Paulo, ele não era mais do que um abatido senhor de 74 anos.

Acompanhado por dezenas de fotógrafos e jornalistas, o ex-governador de São Paulo pediu um café e tentou mostrar que não perdeu a sua famosa pose. Porém mesmo os serventes do estabelecimento haviam notado uma grande amargura e humilhação no seu olhar. Afinal, esse era o primeiro passeio do ex-poderoso depois de 40 dias passados numa cela comum da prisão da superintendência da Polícia Federal em São Paulo acompanhado pelo filho Flávio. Nada fácil para um político cotado muitas vezes para a presidência do maior país da América Latina, cuja liberdade havia passado a ser vista pela justiça como perigo para o andamento de um simples processo. A lista de acusações contra Maluf e sua família é tão longa quanto a de um mafioso italiano: crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e formação de quadrilha.

Centenas de quilômetros dessa realidade, entre as montanhas suíças em Berna, capital da Suíça, um jornalista brasileiro acompanha a via-crúcis de Maluf não sem esconder uma certa satisfação. As notícias publicadas quase que semanalmente nos jornais contendo mais acusações contra o político apenas confirmam que ele escolheu a hora certa para lançar o livro.

Correspondente surpreendido

“O dinheiro sujo da corrupção” é o título da obra de Rui Martins (Geração Editorial, 208 páginas, Coleção História Agora, R$ 28,00). O jornalista radicado há mais de vinte anos na Suíça e que abandonou o Brasil como exilado político em 1969, terminou de escrevê-lo em 2005. Nele ele explica não apenas por que Paulo Maluf, ex-prefeito, ex-governador, ex-deputado e ex-candidato à Presidência da República foi preso e continua sendo processado pela justiça brasileira, mas também revela como funciona o esquema de lavagem de dinheiro e o sistema de contas secretas nos paraísos fiscais como a Suíça ou a Ilha de Jersey.

Em entrevista à swissinfo, Martins lembra que a inspiração para escrever o livro surgiu ao ser confrontado com as primeiras notícias publicadas na imprensa sobre as contas secretas de Maluf.

– Eu me envergonhava pelo fato do caso ter estourado com a revelação das contas secretas na Suíça e eu não estar sabendo nada apesar de ser correspondente no país. Assim propus ao meu colega Jean-Noël Cuénod que trabalhássemos juntos nessa história. Ele pesquisaria suas fontes na justiça suíça e eu as brasileiras – explica.

Os dois jornalistas começaram a rastrear o caminho percorrido pelos 440 milhões de dólares que teriam sido movimentados por Paulo Maluf no exterior, um valor estimado pela Promotoria de São Paulo. O dinheiro teria vindo do superfaturamento de várias obras construídas no tempo que o político era prefeito de São Paulo, entre 1993 e 1996.

A Suíça entrou no caso quando surgiram as primeiras denúncias falando sobre a existência de contas de Maluf em bancos de Genebra. Acionadas, as autoridades helvéticas enviaram posteriormente três mil documentos, que foram se somar aos 130 mil papéis utilizados atualmente pela Promotoria nas acusações contra o ex-governador.

Limites do segredo bancário

A primeira surpresa contida livro de Rui Martins é descobrir que o segredo bancário suíço tem seus limites. A denúncia do movimento suspeito nas contas – US 200 milhões para as Ilhas Jersey foi feita pelo próprio banco, o Citybank, de Genebra.

A instituição estava apenas cumprindo a lei contra a lavagem de dinheiro (1997), especialmente o art. 9, que obriga a comunicação de movimentos suspeitos ao serviço federal de combate à lavagem de dinheiro. Este depende diretamente da Secretaria Federal de Polícia (OFP) – Ministério da Justiça e Polícia.

Essas novas regras foram criadas para melhorar a imagem do sistema financeiro helvético, abalado depois da revelação pela mídia que contas em bancos suíços eram o depósito mais seguro para as fortunas roubadas dos seus povos por tristes personagens internacionais como o ditador filipino Ferdinand Marcos ou o general nigeriano Sani Abacha, entre outros.

A Suíça teria sido o primeiro destino dos recursos de Maluf. Segundo a justiça de Genebra, Maluf optou por transferir posteriormente grande parte do dinheiro para Jersey, um paraíso fiscal que na época ainda assegurava maior sigilo sobre as contas bancárias que os demais centros financeiros da Europa.

Cobertura custa emprego

A cobertura do caso Maluf como correspondente na Suíça da CBN e a publicação de um livro não trouxeram apenas louros para o jornalista, que também já pertenceu aos quadros da Rádio Suíça Internacional, mas sim também lhe custou o emprego. Rui Martins acredita que sua demissão da emissora de rádio brasileira, ocorrida em fevereiro de 2002, tenha tido motivações políticas.

– Meus boletins colidiam com as explicações de Maluf de que ele não tinha contas na Suíça. Com meu silêncio, ficou mais fácil para Maluf ser candidato a governador e prefeito de São Paulo, pois os colegas brasileiros, sem acesso aos documentos em Genebra, receavam processos e escreviam no condicional – explicou em entrevista dada ao Observatório da Imprensa em novembro de 2005.

A demissão de Rui Martins foi explicada oficialmente pela CBN, que faz parte do Sistema Globo de Rádio, por questões econômicas. A emissora passou a utilizar os boletins gratuitos produzidos pela redação em português da BBC, que também dispõe de uma rede internacional de correspondentes. Para o jornalista brasileiro não há duvida: se o corte do seu emprego não foi por questões políticas, então o caso é de “dumping” da emissora inglesa.

– Dessa forma a CBN também passou a economizar mil dólares mensais utilizando os boletins da BBC. Só que ninguém pode me convencer que a CBN faliria se continuasse a pagar o meu salário. Porém, tentando tapar um buraco, a diretora da CBN abriu outro – se não foi demissão política, então foi por dumping, aceitando noticiário gratuito da BBC. Aos leitores do meu livro deixo a escolha e aos meus colegas jornalistas a crítica – replica.

Dinheiro do Maluf para MST

A quem pertence o dinheiro? Maluf chegou a declarar que quem descobrisse dinheiro seu na Suíça, podia ficar com ele. Não há mais dinheiro, mas existem documentos provando que havia. Se o governo brasileiro provar a culpabilidade penal de Maluf, ou seja, que o dinheiro dessas contas foi obtido de maneira ilícita, poderá pedir a devolução do dinheiro que, em princípio, deveria voltar à prefeitura de São Paulo.

Para tratar do tema, Rui Martins e Jean-Noël Cuénod organizaram uma coletiva de imprensa em 16 de dezembro de 2005 no Clube de Imprensa de Genebra. Na ocasião os dois propuseram que aceitariam de bom grado o dinheiro de Maluf já encontrado nas contas estrangeiras. Os milhões são bem-vindos, mas devem ser destinados a outros fins que garantir a aposentadoria do político.

– Simbolicamente gostaríamos que o dinheiro fosse doado ao Movimento dos Sem Terra (MST) – revelou Martins, em presença de uma representante do MST na Suíça.

Caso Maluf continua

No Brasil o caso Maluf continua seguindo seu curso. Depois da estadia de quarenta dias na prisão e de ser libertado para responder o processo em liberdade, o ex-governador continua lutando na justiça para provar sua inocência. Esta o impediu recentemente de saír do país para uma viagem planejada à França. A incômoda situação não o impediu, porém, de anunciar aos jornais que pretende se candidatar a um cargo político nas eleições de outubro.

Na última quinta-feira (19 de janeiro de 2006), a corte de justiça da Ilha de Jersey rejeitou um recurso dos advogados de Maluf, que pretendiam dificultar o envio das informações bancárias dele ao Brasil. Os dados bancários sobre o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) que estão com a Justiça da Ilha de Jersey podem ajudar a Suíça a também indiciá-lo por lavagem de dinheiro.

Caso o conteúdo desses documentos seja revelado, o processo por lavagem de dinheiro que existe contra Maluf em Genebra poderá deslanchar. Na Suíça, a justiça abriu uma investigação contra o ex-prefeito de São Paulo e ainda bloqueou cerca de US$ 4 milhões que estão em nome do filho mais velho dele, Flávio Maluf, num banco em Lausanne, como informa o Diário do Grande ABC.

A nova documentação, portanto, poderia revelar a informação que falta para que os suíços peçam o indiciamento de Maluf. Na decisão da Corte da Jersey, fica claro que a Procuradoria Geral conta com informações sobre eventuais crimes envolvendo o ex-prefeito que, segundo o tribunal, nem mesmo a Justiça brasileira conheceria.

swissinfo, Alexander Thoele

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