WIDER IMAGE-Na Amazônia, indígenas demarcam território onde governo está ausente
(Galeria de fotos: https://reut.rs/3ytzOrS)
Por Adriano Machado
ITAITUBA, Pará (Reuters) – Cinquenta guerreiros munduruku abrem caminho com facões pela mata da floresta amazônica, demarcando as fronteiras de suas terras ancestrais para realizar uma tarefa que o governo brasileiro não concluiu.
Ao criarem um caminho de seis metros de largura através da mata densa, muitas vezes escurecida pela copa da floresta acima, os munduruku param a cada quilômetro para pregar placas nos troncos das árvores, com os dizeres: “Governo Federal, Território Sawré Muybu, Terra Protegida”.
É um ato silencioso, mas desafiador, de um povo que luta há décadas para exigir que o governo brasileiro reconheça integralmente suas terras ancestrais — uma medida que garantiria proteção legal contra madeireiros, garimpeiros e até mesmo os projetos de infraestrutura do próprio governo.
“Este não é o nosso trabalho. É obrigação do governo demarcar as terras indígenas, mas eles não estão fazendo isso”, disse Juarez Saw, cacique da aldeia Sawré Muybu, depois que seus homens colocaram a 20ª e última placa de sua jornada de oito dias no mês passado.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) disse que estava sofrendo com falta de pessoal, mas trabalhando para estabelecer os limites das terras ancestrais dos indígenas, um processo que foi interrompido no governo passado.
Os homens munduruku são acompanhados na expedição por mulheres e crianças. No acampamento comunitário na floresta, onde redes balançam entre as árvores, as mulheres preparam a comida: arroz, farinha de mandioca e caça. Quando os caçadores não conseguem encontrar um porco selvagem, eles comem macacos. Enquanto elas cozinham, os jovens munduruku pulam no rio para brincar.
A última vez que os munduruku desbravaram as fronteiras deste território foi há uma década, tempo suficiente para que a maior floresta tropical do mundo apagasse seu trabalho com vegetação alta.
“Estamos lutando para proteger esta terra há 25 anos. Continuamos limpando as fronteiras para mantê-las vivas”, disse o cacique. “Se não fizermos isso, mais madeireiros e garimpeiros invadirão.”
O território Sawré Muybu inclui cerca de 178.000 hectares de floresta às margens do rio Tapajós, um afluente outrora intocado do Amazonas que ainda é um dos únicos grandes rios do Brasil sem uma represa hidrelétrica.
A área tem enfrentado invasões crescentes de madeireiros ilegais e garimpeiros, poluindo os rios e envenenando os peixes que alimentam os munduruku com níveis de mercúrio potencialmente fatais.
Outro grupo de 37 homens munduruku entrou na floresta por uma rota seguindo o rio Jamanxinzinho demarcando o lado oriental do territorio.
A luta dos munduruku para defender suas terras também é parte da batalha para impedir que a Amazônia passe de um ponto de destruição sem volta, de acordo com ambientalistas. O conhecimento, as práticas e o status legal dos povos indígenas do Brasil os tornam guardiões ideais da floresta tropical, o que é essencial para desacelerar o aquecimento global, dizem eles.
A demarcação formal de um território indígena é um passo fundamental para garantir proteções garantidas na constituição brasileira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o cargo no ano passado prometendo retomar o processo de reconhecimento de novas reservas, que seu antecessor Jair Bolsonaro havia interrompido.