The Swiss voice in the world since 1935

Bangladesh: veneno na bomba de água

Ferimentos nas mãos são comuns no caso da contaminação por arsênico. (Foto: Maatrik) swissinfo.ch

A contaminação dos poços de Bangladesh por arsênico, Identificada, há dez anos, corre o risco de transformar-se numa catástrofe sanitária.

Entre os especialistas internacionais e do próprio país que trabalham in loco, encontram-se vários representantes da Cruz Vermelha Suíça.

Nagaskanda, localizada na ária rural do distrito de Faridpur, dista cerca de setenta quilômetros, a oeste de Dacca. Todos os matizes do verde da região podem ser vistos assim que de deixam as favelas da capital.

Nessas planícies entrecortadas por rios, canais e lagoas, estendem-se extensos arrozais, palmeiras, bananeiras e uma espécie de figueira, denominada baniana.

À sombra de frondosas árvores, espalham-se choupanas cobertas com junco trançado ou, mais raramente, com folhas de zinco.

Realçada por cores vivas dos saris, a impressão geral é bastante alegre, um paradoxal contraste da extrema pobreza com a beleza deslumbrante de seus campos.

Aqui, não há lixeiras a céu aberto. Simplesmente porque não se pode tolerar que se polua ou que se perca qualquer detrito.

Com certa freqüência, vêem-se mulheres de cócoras, vassouras de junco na mão, varrendo as beiras das estradas. Preocupação com a sujeira? Não, de modo algum. Simplesmente juntam os galhos e os ramos com folhas mortas para acender o fogo.

Efeitos do arsênico

Ao lado de uma bomba d’água com torneiras pintadas de vermelho, Joso Dharani e Anjuli mostram as palmas das mãos, manchadas e rachadas, sintomas da “doença do arsênico”. Na comunidade as duas mulheres são, por enquanto, as únicas pessoas atingidas pela enfermidade.


“Já nos disseram que parássemos de beber a água dos poços vermelhos, explica a mais desinibida. Sabemos perfeitamente disso, mas para sarar precisamos comer mais carne e mais legumes. Mas como é possível, quando a gente tem apenas meios para comprar arroz?”

Dados científicos sobre os efeitos do arsênico fazem ainda muita falta. A pequenas doses, esse veneno mata – é certo -, mas muito lentamente. Após as lesões cutâneas aparecem os problemas respiratórios e cardiovasculares, e, por fim, diferentes formas de câncer.

No momento, não há tratamento específico algum. Em estágio precoce, a doença pode desaparecer quando se pára de consumir água contaminada. E as proteínas e certas vitaminas ajudariam o organismo a eliminar o arsênico.

Ameaça de alcance desconhecido

Desconhece-se até a amplitude do problema. Nesse país de mais de 140 milhões de habitantes, as estimativas sobre o número de pessoas ameaçadas pelo arsênico oscilam entre 20 a 70 milhões.

Nos cerca de 160 vilarejos de que se ocupa a Cruz Vermelha Suíça (CVS), praticamente nove bombas d’água entre dez tiveram que ser pintadas de vermelho.

Fiel à sua tradição, a ajuda suíça apóia-se primeiramente nas estruturas locais. “Não devíamos chegar com soluções prontas”, explica Karl Schüler, responsável pela informação dos programas internacionais da CVS.

Mulheres na frente

Aliás, soluções prontas não existem. Em cada vilarejo foi preciso começar pela criação de um comitê encarregado das questões de saúde. Surpresa: foram mulheres a maioria das pessoas voluntárias que se apresentaram.

“É uma chance em regiões bastante conservadores como esta”, comenta Shaheen Akhtar, médico local a serviço da CVS. E realça: “Nosso país só conseguirá resolver os problemas de saúde e desenvolvimento com a participação das mulheres”.

Mas como os maridos aceitam obedecer a ordens de suas esposas, num país onde mais de 85% das pessoas são muçulmanas? Aparentemente tudo se passa bastante bem, embora os olhares sejam irônicos quando se faz a pergunta.

Quando o assunto é saúde, as comunidades locais parecem fazer pouco caso dos preconceitos: em um dos vilarejos de Nagaskanda, o responsável pelo Comitê é até de religião hinduísta.

Perigo previsível

“Nosso primeiro trabalho é um trabalho de educação, prossegue Shaheen Akhtar. Depois de dizer a essas pessoas que as bombas eram a salvação, é preciso agora ensinar-lhes a não utilizá-las”.

É, porém, muito difícil explicar os perigos de um veneno incolor, insípido e inodoro. Um veneno que pode se acumular nos tecidos durante anos, até começar a fazer estragos na saúde.

Aliás, Dr Akhtar não se ilude: “Se o recado surte efeito entre crianças e os mais jovens, sabemos que outras pessoas continuam, às escondidas, a beber a água dos poços vermelhos”.

Verdadeiro quebra-cabeça

Quando terminaram os testes e as bombas foram marcadas de vermelho (perigo) e de verde (sem perigo), certos vilarejos se viram praticamente sem água.

As pessoas tiveram que retomar velhos hábitos de fazer longas caminhadas para se abastecerem. Enquanto isso, perfuram-se outros poços, com a esperança de não se atingir lençóis subterrâneos contaminados.

Como não existe meio de “limpar” os lençóis freáticos, desenvolveram-se sistemas de filtros que retêm o arsênico. Fazendo passar a água por dois ou três potes de barro (terracota) ou de plástico, consegue-se uma água descontaminada.

Infelizmente, a adoção pouco prática desses recursos não os tornam realmente atraentes. Além do mais, são geralmente de preços inacessíveis à maioria das famílias.

swissinfo, Marc-André Miserez, de regresso de Bangladesh.
Traduzido por J.Gabriel Barbosa

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR