The Swiss voice in the world since 1935

Vivendo dentro dos limites planetários: o experimento de 2.000 watts em Zurique

Um bairro com edifícios residenciais
O complexo habitacional Hunziker Areal, em Zurique, foi inspirado na sociedade dos 2.000 watts. A ideia é que cada pessoa não utilize mais de 2000 watts de energia elétrica por ano - um terço da média da Suíça. Vera Leysinger / SWI swissinfo.ch

Zurique abriga uma cooperativa habitacional única, concebida para servir de modelo para uma vida sustentável. Dez anos após seu lançamento, alguns moradores descobriram que mudar seus hábitos é mais desafiador do que imaginavam.

Situado em um bairro na região norte de Zurique, o Hunziker Areal parece apenas mais um condomínio residencial moderno. Mas ele é, na verdade, um experimento social cuidadosamente monitorado. Caso dê certo, ele pode se tornar um modelo para como centenas de milhares de pessoas poderão viver futuramente na Suíça.

Construído há uma década pela cooperativa mehr als wohnen (“mais do que morar”, em alemão), o complexo foi inspirado no conceito da sociedade de 2.000 watts, um marco teórico proposto no fim dos anos de 1990 por pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia ETH Zurique e posteriormente incorporado à estratégia energética e climática de longo prazo da Suíça.

A ideia é a seguinte: cada pessoa deve conseguir viver bem consumindo no máximo 2.000 watts de energia contínua – o equivalente a cerca de 17.500 quilowatt-hora por ano, aproximadamente um terço do que um suíço médio consome hoje. Reduzir esse número é considerado essencial para que o país alcance suas metas climáticas.

O Hunziker Areal possui 13 edifícios com eletrodomésticos e iluminação energeticamente eficientes. Suas oficinas compartilhadas e pátios sem carros pretendem demonstrar que uma vida urbana confortável também pode ser de baixo consumo energético. “Se você quer morar aqui, precisa abrir mão de seu carro”, diz Werner Brühwiler, membro fundador que vive no Hunziker desde sua inauguração, em 2015. “Você ainda pode dirigir, mas não pode estacionar na frente de casa”.

Quase dez anos depois, o Hunziker reduziu emissões e inspirou projetos semelhantes em toda a Suíça. Segundo sua recertificação de 2.000 watts, o complexo gera aproximadamente 16,6 quilos de equivalente de CO2 por metro quadrado, cerca de 20% abaixo do limite estabelecido pelo selo. Seus prédios também consomem cerca de um quarto da energia de um edifício residencial médio na Suíça, graças a sistemas de água quente, aquecimento e ventilação eficientes.

Ainda assim, o empreendimento também mostra o quanto é difícil mudar hábitos construídos ao longo de uma vida inteira.

Os moradores e moradoras aprenderam a conviver com menos espaço, carros e comodidades. Além disso, enfrentaram as tensões sociais que surgem ao redefinir conforto e conveniência dentro dos limites planetários. As lições do projeto vão muito além de Zurique: mostram que a sustentabilidade não é apenas um desafio técnico, mas também social.

Duas pessoas sentadas num sofá
Uschi Ringwald e Werner Brühwiler no seu apartamento em Hunziker Areal. Vera Leysinger / SWI swissinfo.ch

Formando novos hábitos

No papel, a cooperativa parece estar cumprindo suas metas. Ela utiliza aquecimento distrital fornecido pela usina de incineração de resíduos de Zurique, além de sistemas solares térmicos instalados nos telhados, mantendo o consumo de energia por morador próximo da meta de 2.000 watts.

O consumo de água é inferior à média graças a equipamentos eficientes, lavanderias compartilhadas e à coleta de água da chuva para reutilização nos jardins. Pequenas escolhas de design como essas incorporam a sustentabilidade ao cotidiano, sem exigir grandes mudanças conscientes no estilo de vida.

Os números contam parte da história, mas eu queria ver como pequenos passos em direção à sustentabilidade se transformaram no cotidiano dos moradores. Nos últimos anos, minha família vem conduzindo seu próprio experimento discreto de vida mais ecológica: pedalar em vez de dirigir, viajar de trem em vez de avião e abastecer nossa casa de campo com energia solar e uma bomba de calor. Alguns ajustes são simples, como trocar equipamentos; outros, como cozinhar comida vegetariana, exigem decisões conscientes todos os dias.

No Hunziker Areal, os ideais frequentemente vão de encontro aos hábitos. Reduzir o consumo de carne, por exemplo, é uma das formas mais eficazes de diminuir a pegada de carbono individual, mas a proporção de moradores que consomem pouca ou nenhuma carne diminuiu.

Brühwiler se descreve como involuntariamente “flexitariano” [pessoa que reduz, mas não elimina o consumo de carne], devido a problemas de saúde. “Fui obrigado a comer menos carne”, diz ele. “Quando me disseram que precisava [reduzir], saí para comer uma salsicha como última refeição. Mas minha companheira é a cozinheira aqui e ela é mais vegetariana, então acabei me acostumando”.

Mostrar mais

Mostrar mais

Política suíça

Um prédio para pessoas que gostam de compartilhar

Este conteúdo foi publicado em A porta do quarto se abre e mostra tudo que Pasquale Talerico acumulou na vida: uma cama, cadeira, mesa, laptop e alguns poucos objetos pessoais. Ao contrário de estar triste, esse ítalo-suíço de 44 anos não esconde o orgulho de possuir tão pouco. Depois de colocar a água para esquentar na cozinha comunitária, ele abre…

ler mais Um prédio para pessoas que gostam de compartilhar

Consigo me identificar com a mudança: sou vegetariano há três anos, mas foram necessários anos de experimentação e ajustes para que isso se tornasse natural.

A companheira de Brühwiler, Uschi Ringwald, diz que reduziu o consumo de carne principalmente por razões financeiras. “Procuro comprar a melhor comida que posso, mas, como sou aposentada, faço compras no Aldi [rede de supermercado com descontos].”

Para Ringwald, a mudança mais difícil foi abrir mão do carro. Embora Zurique tenha um dos sistemas de transporte público mais eficientes do mundo, a cidade ainda conta com 467 carros para cada mil habitantes. Essa proporção é bem superior à de cidades como Copenhague, Amsterdã ou Paris, onde a posse de veículos foi reduzida para cerca de 250 por mil habitantes.

Essa pequena mudança pode trazer grandes resultados. Segundo o monitoramento mais recente, as emissões de transporte privado entre os moradores do Hunziker Areal caíram para apenas 0,13 tonelada de CO2 por pessoa ao ano – muito abaixo da média de Zurique, que é de cerca de 0,8 tonelada.

O ideal comunitário e seus limites

O Hunziker Areal foi concebido não apenas como um modelo de habitação de baixo consumo energético, mas também como um experimento social – um teste para verificar se as pessoas conseguiriam viver de forma mais sustentável e coletiva, já que compartilhar espaços pode ser uma maneira mais ecológica de viver.

Os edifícios foram projetados para facilitar a vida compartilhada: cada apartamento possui sua própria cozinha e espaço privativo, mas o complexo também inclui cozinhas comunitárias, salões de eventos e oficinas compartilhadas. Nesses espaços, os vizinhos podem cozinhar, consertar objetos ou se reunir.

Os apartamentos são compactos, com uma média de cerca de 34 m² por pessoa – em comparação com 39 m² em Zurique e mais de 45 m² na média nacional. O espaço menor ajuda a reduzir o consumo de energia com aquecimento e materiais. 

Bairros como Hunziker ou Kalkbreite, em Zurique, provam que hoje em dia é possível viver com baixo consumo de energia e alta qualidade de vida.

Evangelos Panos, especialista em energia, Instituto Paul Scherrer

Moradores e moradoras lembram como, no começo, o local fervilhava de entusiasmo e as pessoas frequentemente saíam de seus apartamentos para socializar: jantares semanais, noites de cinema e projetos de jardinagem animavam os pátios. Quase uma década depois, a intensidade da socialização diminuiu.

“As pessoas eram muito ativas no começo”, diz Ringwald, que mora aqui com Brühwiler desde a inauguração do complexo. “Agora muita gente só quer um pouco de tranquilidade. Todo mundo precisa de sua própria caverna”.

Ela acrescenta que o espírito comunitário ainda existe, mas em círculos menores. “Ainda nos ajudamos, mas principalmente entre os vizinhos que conhecemos bem”.

Voos e ‘consumo terceirizado’ aumentam as emissões

Residentes do Hunziker podem até ter conseguido abrir mão dos carros, mas há uma fonte de emissões que continua persistentemente alta: o uso de aviões. Em 2024, apenas as viagens aéreas representaram cerca de 1,6 tonelada de CO2 por residente – mas de oito vezes o total de todos os outros meios de transporte somados.

E a Suíça tem outra fonte de emissões igualmente persistente: grande parte dos produtos consumidos são fabricados no exterior – como roupas, eletrônicos, materiais de construção e alimentos. Quando essa energia “embutida” nos produtos é contabilizada, a pegada de carbono de cada residente aumenta significativamente, diz o especialista em energia Evangelos Panos, do Instituto Paul Scherrer. “A Suíça é capaz de zerar suas emissões líquidas dentro de suas fronteiras. Mas ela ainda terceiriza grande parte de sua pegada de carbono por meio de produtos, combustíveis e materiais importados”.

Aqui, no entanto, os moradores do Hunziker conseguiram fazer ajustes significativos, embora pequenos. O relatório de sustentabilidade do empreendimento indica que os moradores tendem a consumir menos que a média nacional, além de comparem menos produtos novos. Muitos optam por móveis de segunda mão, consertam o que podem ou compartilham eletrodomésticos em espaços comuns.

“Complexos como o Hunziker ou o Kalkbreite, em Zurique, provam que já é possível viver de forma sustentável e com qualidade”, afirma Panos. “Eles reduziram as emissões diárias per capita de aquecimento, eletricidade e mobilidade em cerca de 60% em comparação à média suíça”.

Ainda assim, expandir o modelo permanece um desafio. “Em áreas urbanas densas, é viável; em regiões rurais, a dependência de carros e a infraestrutura dispersa dificultam o modelo”, acrescenta o especialista.

Panos ressalta: “A verdadeira sustentabilidade não significa apenas energia limpa, mas também circularidade e suficiência. A tecnologia pode nos ajudar na maior parte do caminho, mas a mudança de estilo de vida continua sendo essencial”.

Uma pesquisa realizada recentemente pela Swissinfo com cientistas especializados em clima também constatou que a maioria acredita que a mudança de estilo de vida é tão fundamental quanto as reformas políticas.

Vista interior de um bloco de apartamentos de vários andares com escadas, plantas e luz natural
Vista interior do bloco de apartamentos. Um aspeto especial do edifício são as janelas que conduzem do corredor para cada apartamento. Vera Leysinger / SWI swissinfo.ch

Vida dentro dos limites planetários

De pé no pátio do Hunziker, cercado por áreas verdes compartilhadas e bicicletários, é fácil imaginar como poderia ser um futuro com baixa emissão de carbono. Os edifícios são modestos, claros e eficientes. Mesmo aqui, hábitos formados ao longo da vida mudam lentamente, mas a organização da vida cotidiana incentiva as pessoas a viverem com moderação.

“Outro dia, no bonde, ouvi um jovem casal dizer que iria voar para Londres para fazer compras de Natal”, conta Ringwald, que não viaja mais de avião. “Fiquei pensando sobre como voar ainda parece normal para a maioria de nós. O aeroporto fica logo ali; os aviões chegam a cada minuto. É difícil mudar hábitos que antes pareciam tão naturais”.

“Morar aqui faz você refletir sobre tudo isso”.

Desenvolvida no final dos anos de 1990 por pesquisadores e pesquisadoras do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), a sociedade de 2.000 watts propõe um estilo de vida em que cada pessoa consome, no máximo, 2.000 watts de energia contínua – aproximadamente um terço da média suíça na época.

Objetivo: limitar o uso de energia a cerca de 17.500 kWh anuais por pessoa (2.000 watts) e limitar as emissões de CO2 a uma tonelada por pessoa, em linha com as metas climáticas globais. O consumo de energia da Suíça atualmente gira em torno de 5.500–6.000 watts por pessoa, apenas um pouco abaixo dos níveis da década de 1990. Já a pegada de carbono baseada no consumo permanece muito mais alta – 10 a 14 toneladas anuais de CO2 por pessoa, aproximadamente dez vezes a meta estabelecida de uma tonelada.

Implementação: desde que Zurique adotou a visão em 2008, várias cidades suíças seguiram o exemplo. Bairros e complexos certificados como sendo de 2.000 watts devem atender a critérios rigorosos de eficiência dos edifícios, uso de energia renovável, mobilidade compartilhada e moradia compacta.

Relação com o Minergie: hoje, a certificação de 2.000 watts se baseia no padrão de eficiência energética Minergie, mas vai além, levando em conta a energia incorporada nos materiais e a sustentabilidade social. Em 2025, mais de 30 empreendimentos em toda a Suíça estão certificados ou em processo de certificação como locais de 2.000 watts.

Edição:Veronica De Vore/fh
Adaptação: Clarice Dominguez & Fernando Hirschy

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR