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Como a extrema direita se tornou um movimento europeu após 1945

Telão exibindo o rosto de uma mulher
A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, do partido de extrema direita Fratelli d'Italia, participando por videoconferência de uma conferência em Madri do partido espanhol de extrema direita Vox, em setembro de 2025. EPA/J.J. Guillen

Durante muito tempo, os historiadores suíços negligenciaram o extremismo de direita após 1945. Mas agora investigam como extremistas de direita de todos os países se conectavam e qual foi o papel dos suíços nesse processo.

Gonzague de Reynold foi uma figura notável. Ele tentou convencer o ditador italiano Benito MussoliniLink externo a tornar seu fascismo mais católico. Ele acreditava que a democracia sem cristianismo “se tornaria inevitavelmente a forma de governo mais desumana”. Segundo uma biografia, ele era um “admirador cego” do ditador português Salazar, e esperava que a Europa se “portugalizasse”.

Entre democratas e antidemocratas

Nos anos 1930, paralelamente a tudo o que acontecia, de Reynold moldou a chamada “Defesa EspiritualLink externo da Nação na Suíça”, atuou na organização precursoraLink externo da UNESCO e assessorou membros do governo suíço.

Foto em preto e branco de um homem e uma mulher
Gonzague de Reynold (1880-1970) foi escritor e historiador. Nesta foto de março de 1940, ele passeia com sua esposa Marie-Louise de Reynold pelo parque de seu castelo em Cressier. Photopress-Archiv / Str

Hoje, de Reynold está amplamente esquecido, mas alguns jovens de direita fazem referência a ele. Clubes de lutaLink externo de extrema-direita na Suíça francófona citam de Reynold, e blogs católicosLink externo na França fazem renascer o “contrarrevolucionário” suíço.

Após a II Guerra Mundial, de Reynold conseguiu manter seu duplo papel como “construtor de pontes entre meios políticos”, como expressa o historiador Damir Skenderovic, e permaneceu uma figura conhecida até sua morte, em 1970.

Skenderovic o vê de forma ambivalente. Ele seria um exemplo de como, na Suíça, mesmo após a II Guerra Mundial era possível atuar como uma figura limítrofe entre autoritarismo e democracia, sem prejudicar a reputação. Um feito que, segundo ele, logo após 1945 era muitas vezes mais difícil em outras democracias europeias.

História negligenciada após 1945

Faz 30 anos que Skenderovic se dedica à direita extrema e reacionária, inicialmente como um dos poucos. “Não apenas na Suíça, mas de forma geral a historiografia deu muito pouca atenção ao extremismo de direita após 1945.” Por exemplo, historiadoras e historiadores na Alemanha só perceberam isso em 2018 quando, no “Congresso dos historiadores da Alemanha”, aprovaram uma resolução contra o perigo que movimentos populistas de direita representavam à democracia, mirando no partido Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão). “Eles se perguntaram então: onde está a história contemporânea? Será que dormimos no ponto?” A historiografia negligenciou isso por muito tempo.

Por outro lado, nas ciências políticas e na sociologia já existe pesquisa ampla sobre extremismo de direita há muito tempo.

Movimentos se identificam como europeus

Hoje, quando políticas e políticos de direita exibem suas amizades internacionais e várias facções de extrema-direita atuam no Parlamento Europeu, torna-se essencial entender como nacionalistas se conectaram transnacionalmente. “É importante notar que os atuais ativistas e movimentos de direita também se identificam positivamente como europeus”, escreve a cientista política italiana Manuela Caiani em um artigo no qual afirma que os partidos de extrema-direita da Europa Ocidental já tentavam se coordenar “desde meados dos anos 1980”, e que se tornaram bem-sucedidos nisso.

O artigo acadêmico começa com uma citação na qual a primeira-ministra italiana Giorgia MeloniLink externo faz campanha eleitoral para o partido espanhol de extrema-direita Vox: “A vitória de vocês pode dar impulso a toda a Europa.”

A historiografia tem aí uma lacuna a preencher. “Na história, muitos tomaram 1945 como um ponto de viragem – e se interessaram por outras coisas”, diz Skenderovic. Muito permanece inexplorado. Por exemplo, como ideias de uma geração mais velha de extremistas de direita foram transmitidas às mais jovens.

Skenderovic tem algo em comum com Gonzague de Reynold: é professor na Universidade de Friburgo. Nessa mesma universidade, ele fez um convite neste outono para uma conferência contemporânea sobre a extrema-direita transnacional. Lá, historiadoras e historiadores de toda a Europa compararam suas pesquisas e buscaram e encontraram pontos de conexão entre as biografias extremistas de direita após 1945, que depois analisam.

Papel para o extremismo de direita

O papel de países neutros como a Suíça, mas também a Suécia, foi significativo. Como se pôde ouvir na palestra de Valérie Dubslaff, nesses países era mais fácil “continuar sua participação nazista” após 1945. Um primeiro exemplo disso foi a conferência organizada pelo suíço Gaston-Armand Amaudruz em Malmö. Ela resultou na criação do “Movimento Social Europeu” (ESB, na sigla em alemão), uma “neonacionalista internacional”.

Essa extrema de direita internacional permaneceu pequena, mas sua estrutura foi apresentada de forma muito interessante na conferência: antes mesmo de a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço se estabelecer como precursora da atual UE, esses extremistas de direita já haviam fundado uma “Comissão Europeia” e um congresso em pequeno formato. Nessa união, enfatizavam uma perspectiva pan-europeia e anticomunista, e apresentavam a ideia de uma Europa como federação em alternativa à OTAN.

Logo se dividiu, com a participação de Amaudruz, e se formou um grupo ainda mais extremo do ESB, e a união rapidamente perdeu relevância. Mas as conexões internacionais permaneceram notáveis. Assim, Gamal Abdel Nasser (líder do pan-arabismo) recebeu ativistas do ESB e nazista alemão Karl-Heinz Priester.

Negacionista do Holocausto

A Suíça também ofereceu um marco jurídico-legal àqueles que, como Amaudruz, negavam o Holocausto. Até a introdução da norma penal antirracismo em 1995, nenhuma lei proibia a negação da Shoá. Consequentemente, livros que negavam o assassinato em massa de seis milhões de judias e judeus pelo nacional-socialismo eram com frequência disseminados a partir da Suíça. Também Amaudruz enviava seus panfletos por toda a Europa.

Um homem idoso de terno caminhando na rua
O negacionista do Holocausto e extremista de direita Gaston-Armand Amaudruz (1920-2018) após um processo contra ele na virada do milênio. Após cerca de 50 anos divulgando slogans antissemitas em seus artigos e negando o Holocausto, ele foi condenado a um ano de prisão. KEYSTONE/Laurent Gillieron

Os negacionistas do Holocausto, ativos na Europa entre as décadas de 1950 e 1990, alcançaram com suas revistas apenas algumas centenas ou alguns milhares de pessoas. Suas articulações transnacionais não foram um fenômeno de massa.

Mas Skenderovic está convencido de que eles são peças relevantes do quebra-cabeça para entender como ideologias fascistas e outras ideologias extremistas de direita puderam criar novas raízes após 1945.

Outras peças desse quebra-cabeça incluem o exílio e a diáspora, como Manuel Miraneau mostrou em Friburgo usando o exemplo do empresário romeno Iosif Drăgan, que se tornou rico na Itália após a II Guerra Mundial. Para Skenderovic, a diáspora e seu papel na conexão do extremismo de direita após o conflito é um aspecto que necessita de mais pesquisa.

Antifeminismo como tema

De acordo com Skenderovic, muitos jovens historiadoras e historiadores se dedicam atualmente ao extremismo de direita após 1945. Por muito tempo, principalmente homens pesquisaram esse tema. “O que também trouxe certo viés de pesquisa”, enfatiza. Hoje, um número considerável de mulheres investiga as continuidades transnacionais no antifeminismo e na militância antiaborto entre extremistas de direita internacionais. Aos poucos, começa a ficar claro o quanto esses temas são relevantes para as alianças internacionais da extrema-direita.

Além da visão patriarcal da mulher, a migração externa europeia e a identidade própria construída em contraste com ela também são elementos de união. Mas há muitas divergências entre nacionalistas quando se unem internacionalmente. Logicamente, cada um representa um patriotismo oposto.

Mesmo assim, nacionalistas se conectaram com outros países, afirma Skenderovic: “Os extremistas de direita e os nacionalistas conseguiram solidarizar-se além das fronteiras nacionais porque conseguiram estabelecer a ideia da Europa como um Ocidente cultural, diferente do que queriam racistas abertos como Amaudruz.” A pesquisa sobre até que ponto isso fez parte da história da integração europeia desde os anos 1950 está apenas começando.

Ideias extremistas na unificação europeia?

“Em que medida certas ideias extremistas de direita também influenciaram a história da integração europeia? Há cerca de 10 anos surgiram estudos mostrando que, para alguns atores da integração europeia nos anos 1950, o colonialismo desempenhou um papel. Eles imaginavam que uma Europa unificada poderia reforçar seu poder colonial na África”, diz Skenderovic.

Gonzague de Reynold já tinha uma perspectiva transnacional e cultivava na Suíça a ideia de uma “Europa das pátrias”. Seu ideal era o Sagrado Império Romano-Germânico e o Império Romano, como afirma a biografia do historiador Aram Mattioli.

Em 2025, muitas pessoas de orientação de direita ainda continuam a se inspirar nestes mesmos modelos.

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Edição: David Eugster

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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