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Emigração: o mito da volta

Cerca de 15% dos habitantes de Gissi se estabeleceram em Bienne entre os anos 50 e 70. (foto famiglia Cirulli) Familie Cirulli

Centena de milhares de cidadãos italianos emigraram para a Suíça entre 1950 e 1970. Após alguns anos ou algumas décadas, a maior parte deles voltou para a Itália.

Percorrendo a experiência dos emigrantes de um vilarejo dos Abrúzios, uma pesquisa da Universidade de Neuchâtel aponta as razões e as dificuldades da volta.

“Quando cheguei pela primeira vez, em Bienne, meu pai era para mim praticamente um desconhecido, pois ele já vivia 4 anos na Suíça” : é assim que Giovanni Esposito evoca sua partida em 1960 de Gissi, vilarejo dos Abruzzos.

“Iniciei minha vida na Suíça como clandestino, mas três meses depois, vencido o visto de entrada de turista, os meus pais foram obrigados a me enconder em um orfanato. A minha presença, porém, foi descoberta pela polícia, que me mandou de volta para Gissi”.

Os pais de Giovanni Esposito precisaram esperar diversos meses antes de obter o direito de reunir a família naquela cidadezinha suíça.

Quinze anos depois, os pais retornaram a Gissi. Giovanni Esposito se tornou professor e vive, agora, em Bienne com sua família.

Vilarejo reconstruído em Bienne

Uma estória de separações, ausências, saudades e recordações, vivida por milhares de abruzzenses, por milhões de italianos, especialmente nos anos 50 e 60, período da grande emigração econômica.

Na aquele tempo, chegaram a Bienne 300 pessoas, somente de Gissi, uma vila que tinha 3.000 habitantes. Uma um procedimento bastante comum : quem já havia chegado chamava parentes e amigos.

“Essa família, originária de Gissi, reconstruiu um pouco de seu vilarejo em Bienne”, conta o geógrafo Thierry Burkhard, da Universidade de Neuchâtel, que realizou, recentemente, um estudo sobre os fatores que influenciam ou não o regresso à Itália.

“Os imigrantes de Gissi viviam sempre muito juntos, agrupados, tinham sua própria equipe de futebol, se encontravam ou no seu clube abruzzense ou nas suas associações católicas”.

Sem projeto de vida na Suíça

Pouco integrados à realidade local e desinteressados em participar da vida pública, continuavam a viver entre os seus, na expectativa da volta.

“Estavam, em Bienne, exclusivamente para trabalhar. Por isso mesmo, geralmente não procuravam desenvolver um projeto de vida na Suíça. Limitavam-se a cultivar o sonho da volta”, explica Thierry Burkhard.

Atualmente, apenas alguns poucos habitantes de Gissi ainda moram naquela cidade suíça. São representantes da segunda geração de imigrantes que, ao contrário dos pais, se integraram perfeitamente à vida local.

“Quando ainda era um jovem, tive de enfrentar alguns ataques verbais de fundo racista, os quais resolvi a socos. Mas, de resto, nunca mais tive problemas de integração e, desde o início, quase que só tive amigos suíços”, recorda-se Giovanni Esposito.

Trabalho e escolaridade

O que estimulou a maior parte dos membros da primeira geração a deixar a Suíça ?

Antes de mais nada, ressalta Thierry Burkhard, a crise econômica da metade dos anos 70 atingiu, em primeiro lugar, a indústria e a construção civil, isto é, os setores econômicos em que mais trabalhavam os imigrantes italianos.

Um outro fator importante e bastante desvalorizado, é a escolaridade dos filhos.

“Os filhos representavam, de certo modo, um elemento perturbador : se adolescentes, não queriam mais retornar à Itália e, se fossem constrangidos a voltar, era para eles um novo dilaceramento”, explica o geógrafo.

“Sabia tudo aquilo que haveria de reconstruir na Itália para poder estar bem mas não me sentia estimulado. Preferi permanecer na Suíça, quando os meus pais voltaram”, confirma Giovanni Esposito.

Poucos atritos

A onda de xenofobia dos anos 80 – que produziu várias iniciativas anti-estrangeiros, rejeitadas em votação popular – parece não ter influenciado o regresso, de acordo com o narrado pelas pessoas interrogadas por Thierry Burkhard em Bienne e em Gissi.

“Não havia grandes atritos. No início, os italianos em Bienne eram considerados um pouco estranhos, por exemplo, porque comiam espaguete e molho de tomate. Mas eram os primeiros representantes de uma grande onda de imigração na Suíça”.

Para o geógrafo, certamente figuram entre os principais motivos da partida de muitos imigrantes a falta de um projeto de vida na Suíça e o “mito” da volta.

Um mito, porque para inúmeros habitantes de Gissi regressados à casa, o retorno não podia corresponder aos sonhos deles.

Divisão social

“Para os meus pais, depois de 20 anos em Bienne, o regresso foi muito difícil. Qualquer projeção que uma pessoa possa fazer em sua mente, não consegue imaginar a que ponto mudou o lugar de onde havia saído. E o quanto ele próprio mudara”, observa Giovanni Esposito.

“Em Gissi, se tem uma ligeira impressão que se formaram dois grupos sociais : os que permaneceram e os ex-imigrantes. Estes últimos sentem-se incompreendidos, criticam a “falta de visão” dos outros, gostariam de introduzir inovações e experiências conquistadas no exterior”, acrescenta Thierry Burkhard.

“No vilarejo dos Abruzzos, diversos ex-imigrantes se lembram das liberdades que tinham em uma cidade como Bienne. E mantiveram hábitos adquiridos na Suíça, como, por exemplo, comer mais cedo do que os outros e, às vezes, conversar em francês ou alemão”.

Este é, provavelmente, o destino dos emigrantes da primeira geração: os que voltam lamentam ter voltado; os que ficam deploram ter ficado.

swissinfo, Armando Mombelli
Tradução de J.Gabriel Barbosa

Desde a metade do século XIX, cerca de 30 milhões de italianos emigraram.
Nos anos 50 do século passado, as partidas chegaram a um pico de quase um milhão de pessoas por ano.
Em 1970 viviam 500.000 cidadãos italianos em território suíço.
Os italianos formam agora a comunidade estrangeira mais numerosa na Suíça com 300.000 pessoas.

– Em 1948 e 1964, as autoridades de Berna e Roma firmaram dois acordos regulando a imigração de cidadãos italianos à Suíça.

– O fluxo migratório na direção da Suíça aumentou fortemete entre 1950 e 1970. No período, a população estrangeira residente na Suíça passou dos 6% para os 16%.

– A imigração diminuiu muito durante a crise econômica da metade dos anos 70, quando 67% das pessoas despedidas tinham nacionalidade estrangeira.
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