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A visão da arte de um grande mecenas suíço

Enst Beyeler, em seu museu, em 2004. Keystone

O mecenas suíço Ernst Beyeler faleceu na quinta-feira (25/2) em sua casa em Riehen, aos 88 anos. Amigo de Picasso e outros artistas, ele formou uma coleção de grandes obras de arte moderna. O futuro do Museu Beyeler está garantido.

Homem de falar pouco, em 2007 ele concedeu uma entrevista exclusiva à swissinfo.ch, em que explicava sua visão da arte, que agora publicamos novamente. Voltemos à situação da entrevista há dois anos.

Beyeler é uma daquelas pessoas com muitas histórias para contar, mas quando as narra evita citar nomes ou detalhes que possam invadir a privacidade alheia. É naturalmente elegante – e discreto. Embora tenha convivido com muitos artistas da arte moderna, prefere levar a conversa sempre para o lado profissional.

Ele começou a trabalhar com arte em 1945, quando comprou a livraria em que trabalhava no centro de Basileia – onde atualmente ainda funciona sua galeria.

Trabalhos de Toulouse-Lautrec e dos impressionistas Paul Klee e Picasso eram ali encontrados. Tinha tino comercial, mas percebeu que só isso não bastava.

“Inicialmente me interessei por arte africana e outras, mas percebi que eu precisava entender mais de arte. Fui estudar e me dediquei à arte contemporânea”, conta. Logo ficou conhecido pela qualidade de seu trabalho: editava os melhores catálogos de mostras e atraía os clientes internacionais.

No final dos anos 50 decidiu comprar grande parte da coleção de David Thompson, de Pittsburg, especialmente trabalhos de Alberto Giacometti e Paul Klee. Não foi nada fácil vender as peças na época.

“Mas tive a idéia de vender coleções e não só peça por peça”, lembra-se. Foi nessa época que Picasso o convidou para ir ao seu estúdio e teria dito para comprar o que o interessasse. Muitas dessas telas estão hoje na Fundação Beyeler, inaugurada em 1997 para abrigar um acervo particular que já tinha sido exibido com sucesso em vários países como Austrália, Alemanha e Espanha, entre outros.

Todos os dias ele vai à galeria ou à Fundação e passa despercebido entre os habitantes de Basileia que usam o bonde como veículo de transporte. Simples e sem ostentação, nem mesmo dos conhecimentos que tem de arte, numa manhã de quarta-feira ele chegou pontualmente às 9 horas em sua galeria, subiu dois lances de escadas e concedeu a seguinte entrevista exclusiva à swissinfo.ch:

swissinfo.ch: O senhor era um comerciante de arte e hoje tem um museu. Por que o senhor resolveu expor sua coleção privada?

E.B.: Eu já tinha feito cerca de 250 exposições com minha coleção, que hoje está na Fundação. Ao longo dos anos, comprava peças que me agradavam e formei um acervo particular de qualidade. Muitos museus tinham interesse nessas obras, mas eu queria fazer algo sozinho e achei interessante a idéia de criar um museu aqui. Como o acervo é de arte moderna, gostei mais da idéia de exibir os trabalhos num lugar afastado da cidade e não aqui no centro antigo de Basiléia. E acho que essa foi uma boa solução porque a Fundação tem um espaço grande e moderno.

swissinfo.ch: Quando surgiu a idéia do museu?

E.B.: Acho que quando expus minha coleção a pedido da diretora da Rainha Sofia da Espanha (1989). Todos os jornais elogiaram a mostra em Madri e vários museus me procuraram, mas queria fazer algo assim:diferente e com qualidade. Tivemos muitas reuniões (ele se refere a Renzo Piano, conhecido e renomado arquiteto italiano que assina a Fundação). E muitas discussões porque queria condições ideais de luminosidade, umidade. E discuti muito com ele, mas foi bom. Gostei de trabalhar com ele. O resultado foi bom.

swissinfo.ch: O senhor ainda tem telas em sua casa? Quais?

E.B.: Não muitas porque quase todas estão no museu. Moro numa pequena casa e parte é de concreto e parte de madeira. Isso não é bom por muito tempo para uma obra de arte. E acho que as peças ficam mais seguras e em condições ideais no museu.

swissinfo.ch: Onde o senhor mora?

E.B.: Perto do museu, em Riehen.

swissinfo.ch: Existe alguma tela em sua coleção que seja mais especial?

E.B.: Tenho dois quadros que ficaram muito tempo em minha casa, mas que agora estão na fundação. Um é do Picasso, Mulher, de 1907. O outro é Improvisação Número 10, de Kandinsky, de 1910 (a obra é considerada a primeira abstrata e teria sido confiscada pelo nazismo na 2ª. Guerra). São minhas favoritas.

swissinfo.ch: O senhor é chamado de Mecenas dos tempos modernos por ter preservado muitos dos trabalhos artísticos. Quais as vantagens de ser um mecenas?

E.B.: Mecenas ainda existem, mas acho que hoje as pessoas estão mais interessadas em dinheiro do que em preservar arte. E eu não me preocupo com títulos.

swissinfo.ch: Quando o senhor comprou as telas de Thompson Collection alguém o apoiou ou seus amigos achavam isso loucura?

E.B.: Eu tinha contatos com a galeria, mas não falei com muita gente sobre isso. Em Basiléia não existia um mercado para a arte e nem tinha muita gente que colecionava arte. Não era como em Los Angeles, onde as pessoas ligadas a cinema representavam um mercado importante para a arte. Fiz isso sozinho mesmo e comprei 340 peças. Eram trabalhos de Cézanne, Matisse, Monet e muitos mais. Na época tive empréstimo de banco, mas não era muito fácil vender as peças. Mesmo porque nunca gostei de empurrar obras de arte para as pessoas. Sempre mostrei os trabalhos, mas não gosto de forçar a compra.

swissinfo.ch: Em quanto tempo vendeu?

E.B.: Não sei dizer exatamente em quanto tempo, mas eram 340 trabalhos. Era muito difícil vender, mas na época tive uma idéia. Em vez de vender peça por peça, passei a oferecer a coleção. E alguns países ou instituições compravam essas coleções.

swissinfo.ch: O senhor estudou Economia e história da arte. O senhor acha que isso ajudou a combinar arte e dinheiro?

E.B.: Eu comecei a trabalhar aqui nesse prédio com livros e impressão de trabalhos artísticos. Gostava disso. Depois resolvi continuar com o trabalho, mas não tinha dinheiro. Cheguei a me interessar por arte africana e outras, mas logo percebi que os preços começavam a subir. Percebi que era preciso ser especialista porque realmente você precisa conhecer com o que trabalha. Fui estudar arte e me dediquei mais à arte contemporânea. Foi quando comecei a organizar algumas exposições. Era preciso fazer muita propaganda porque Basiléia não era um centro de arte como outras grandes cidades da época. Fazia catálogos para divulgar as exposições. Até que nos juntamos num grupo e começamos a organizar exposições de verão. A preocupação não era oferecer nomes, mas sim qualidade. E as pessoas começaram a se interessar, não só europeus, mas também os americanos. (Foi o início da ArtBasel, feira que ocorre todos os anos em Basiléia e agora conta com uma edição em Miami.)

swissinfo.ch: Qual era sua principal motivação: arte ou dinheiro?

E.B.: Trabalhava aqui e não tinha dinheiro. Mas acho que queria ter dinheiro para viver bem, mas esse também não era o meu único objetivo de vida. Mas queria ter isso fazendo uma coisa que gostava.

swissinfo.ch: O senhor praticamente começou a Artbasel. O que o senhor achou da feira esse ano?

E.B.: É difícil dizer. Acho que a feira mantém um bom nível de qualidade, mas a dificuldade em avaliar está na diversidade de materiais que existe. Em geral, o padrão de qualidade é bom.

swissinfo.ch: É um bom lugar para fazer negócios?

E.B.: Ainda é porque há muita competição. Basileia é uma cidade pequena e não há muitas opções como outras maiores da Europa. A feira é uma oportunidade para ver o mercado de arte.

swissinfo.ch: O senhor recomenda arte como investimento?

E.B.: Nunca recomendo arte como investimento. Isso está virando uma moda, mas acho que uma pessoa deve comprar uma obra de arte se gosta. Isso deve ficar por sua conta e risco. Tanto pode ganhar como perder dinheiro.

swissinfo.ch: Quem são seus melhores compradores de arte hoje? Europeus, americanos?

E.B.: A maioria dos meus clientes é da Europa, mas acho que a cada ano o panorama vai mudando. Pessoas do mundo inteiro vêm a Basiléia durante a feira de arte. Acabam visitando galerias ou exposições. Isso acontece muito aqui. Vem gente do mundo inteiro.

swissinfo.ch: O que o senhor recomenda para uma pessoa que queira comprar uma peça de arte?

E.B.: Compre o que gostar. Eu não gosto de recomendar arte para as pessoas. Elas devem decidir. Faço isso apenas com poucos e íntimos amigos, mas nunca tentei influenciar as pessoas para que comprem uma obra.

swissinfo.ch: Algumas pessoas têm usado a Internet para vender arte. O que o senhor acha?

E.B.: Não participo disso. Posso ser considerado antiquado, mas mostro arte aqui, com exposições na galeria. O computador pode ter outros usos, mas não para vender arte.

swissinfo.ch: Em 2008, Samuel Keller, atual diretor da Art Basel, será o presidente da Fundação Beyeler. O que o senhor acha disso? Vocês têm os mesmos conceitos de arte?

E.B.: Temos. Gostamos de qualidade. Acho que será muito bom ter o Samuel na Fundação porque ele tem a preocupação com a qualidade e o bom trabalho artístico.

Lourdes Sola, Basileia, swissinfo.ch

Ernst Beyeler nasceu em Basileia em 1921. Estudou economia e história da Arte na Universidade de Basileia. Seu primeiro negócio, em 1945, foi uma loja de antigüidades (livros, gravuras e desenhos). A primeira exposição que fez foi de gravuras japonesas, em 1947.

A partir de 1951, dedicou-se aos artistas modernos, dos quais organizou mais de 250 exposições. Comprou e vendeu coleções inteiras de Paul Klee, Cézanne, Monet, Picasso, Matisse, Miró, Braque e outros. Escolhia e comprava obras de Picasso, no ateliê do artista.

Foi co-fundador da Feira Internacional de Arte de Basiléia – ArtBasel – uma das mais importantes do mundo.

Criou o Museu Bayeler para expor sua coleção de 150 obras modernas e obras de arte da África e Oceania. Desde 19997, a Fundação Bayeler organiza exposições temporárias de grandes artistas.

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