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Quando o talento supera a deficiência

© Collection Antoine de Galbert, Paris

Em Friburgo, uma experiência muito original permite deficientes mentais e físicos de explorar seu talento criador, de trabalhar em ateliê, de expor e vender, como qualquer outro artista. Reportagem de swissinfo.ch no ateliê CREAHM.

O ateliê está escondido atrás da escola de Cormanon, na periferia de Friburgo. É pena que ele não seja mais central, uma vez que é a vitrina dos 18 artistas que ali trabalham de um a três dias por semana. Mas o espaço, com um aluguel bem baratinho, é arejado e luminoso, com uma sábia desordem entre cavaletes e mesas, latas de pintura e de pincéis, obras para todo lado, uma biblioteca de livros de arte.

Hoje eles são oito. Feitas as apresentações na mesa da cozinha com café e bolachas, cada um volta ao seu lugar. Alguns podem falar, outros não. Um deles, Elmar Schafer, está na cadeira de rodas e pinta com a cabeça, com pincéis fixados em um capacete, telas cheias de movimento. Cada um é em seu mundo, reina um silêncio especial, feito de concentração e cumplicidade.

Myriam, Josiane, Stéphane e os outros

O cantinho de Myriam Schoen constitui um ateliê no ateliê. Suas composições dinâmicas e coloridas representam geralmente uma paisagem imaginária impregnada de quatro elementos. Ela mostra com orgulho suas pinturas e, vendo o número, ela trabalha muito. Através de um aparelho vocal, ela explica que além dos três dias por semana no CREAHM, ela trabalha mais um dia em um ateliê de Berna. “Tenho que ir embora, vou tomar meu trem”, diz ela puxando sua valise de rodas.

Um pouco mais longe, Josiane Lauper dobra em quatro páginas de uma revista que ela fura sobre uma peça de metal, fazendo uma escultura de papel. Sobre o seu cavalete, um quadro minuciosamente colorido espera suas próximas pinceladas rápidas e regulares. “Essa artista autista me toca muito por sua atitude de se concentrar completamente em sua criação, a somente fazer o seu trabalho. Ela contribuiu muito porque seus trabalhos contam coisas incríveis”, comenta Ivo Vonlanthen.

Também tem Stéphane Repond, um jovem de 31 anos cheio de imaginação, dotado de amplo leque de expressões e de técnicas, desenhando com giz uma criatura fantástica. “Tive uma esquizofrenia quando tinha 20 anos e passei vários períodos no hospital. Comecei a pintar em 2005, para passar o tempo, e tornou-se minha paixão.”

Stéphane volta de uma estadia “inesquecível, fértil e maravilhosa” em ateliê associado na República Checa. Com outros membros do CREAHM, ele prepara uma exposição para novembro “Fuori Dentro” (fora dentro), com seis artistas válidos, um projeto de seis duos.

Um contexto profissional

CREAHM: Criatividade e deficiência mental. Essa sigla resulta de um contexto visando dar um contexto profissional a deficientes mentais e físicos dotados para as artes plásticas.

“Eu achei essa maneira de trabalhar interessante e sobretudo a ideia que, nessa população como em outras, há pessoas que têm talento e que à preciso lhes oferecer um local. Não nos ocupamos dos problemas de saúde, trabalhamos entre colegas e, se necessário, dar uma mão”, explica Ivo Vonlanthen, cofundador do ateliê.

Gisèle Poncet, animadora, precisa: “Nós não fazemos arte-terapia porque excluímos fazer diagnóstico ou busca uma cura pela arte. Aqui, damos conselhos técnicos, temos livros de arte e também temos mandatos. Os artistas fazem um período de teste antes de assinar um contrato. Eles devem cumprir critérios definidos, fazer um trabalho de qualidade destinado a ser mostrado ao público e vendido.”

Jean-Michel Robert, que também é pintor, ajuda no enquadramento. “Tem muito dinamismo. Precisa fabricar as molduras, apertar os tubos e fixar os pincéis para quem não pode usar as mãos. Os trabalhos frequentemente têm muita originalidade, liberdade e força também, porque o humano está no centro da expressão deles, com suas tormentas, angústias, alegrias, não tem diferença nesse plano com meu próprio trabalho.”

Nada de caridade

O CREAHM fixa os preços (metade para o artista, metade para o ateliê), condições idênticas para todos. “Alguns vendem mais do que outros, é normal. Por exemplo, Véronique Bovet, falecida no ano passado, vendia tudo. A Coleção de Arte Bruta de Lausanne comprou várias obras dela. Mas as exposições têm todo o grupo e isso equilibra, sem invejas”, explica Sylvie Genoud, secretária da associação.

Vender é complicado. Os preços passam um pouco de 1.000 francos suíços, no máximo. Não tem problema para expor em lugares públicos, inclusive no estrangeiro. Em contrapartida, não é encontrar galerias particulares que aceitam expor todo o grupo, inclusive os que vendem menos.

Algumas concordam e às vezes até de graça. É o caso, por exemplo, da Galeria da Schürra. “Qualquer que seja o trabalho deles ou a pessoa, eu amo esses artistas que não têm qualquer subvenção pública. Eu acho que é preciso ajudá-los”, declara o proprietário Nicolas de Diesbach, também membro do comitê do CREAHM.

“O publico era, talvez, um pouco condescendente no começo, mas as pessoas vieram como nas outras exposições e quase tudo foi vendido”, acrescenta o galerista. “Não tem nada de venda de caridade, as pessoas compram porque gostam. Os jovens também compram porque cabe no orçamento deles.”

“Outra coisa que me impressiona é que, em quase quinze anos, esses artistas mantiveram sua linha, sua inspiração e o mundo deles. Se você colocar dez artistas válidos trabalhando juntos esse tempo todo, eles acabariam todos fazendo a mesma coisa”, conclui Nicolas de Diesbach.

O primeiro ateliê do gênero foi criado na Bélgica em 1982 por Luc Boulangé, convencido de que as pessoas deficientes mentais ou físicas talentosas encontram nas artes plásticas um modo privilegiado de expressão, um sentido de vida e uma identidade de artista, se derem meios para isso.

A associação de Friburgo foi fundada em 1998  pelo professor e pintor  Ivo Vonlanthen. O trabalho realizado no ateliê é essencial porque sua sobrevivência depende, em grande parte, das vendas das obras expostas.

Essa arte se diferencia das outras formas de arte, não pelas particularidades dos artistas mas pelo contexto que permite a criação.

Ligados por um contrato, 18 artistas de 17 a 55 anos frequentam o ateliê um, dois ou três vezes por semana, acompanhados por duas animadoras.

O contrato de colaboração fixa os preços, metade para o artista e metade para o ateliê. Este não tem qualquer subvenção pública e vive do apoio da Loteria Romanda, de patrocinadores e das cotizações dos membros da associação. Do orçamento de 80.000 francos por ano (aluguel, salários de três pessoas, material), em média 20.000 provém das vendas.

Esse termo foi inventado pelo pintor francês Jean Dubuffet (1901-1985) para descrever a arte das pessoas autodidatas, mas desprovidas de condicionamento cultural e de conformismo social. Geralmente doentes, prisioneiros ou excluídos da sociedade, os criadores ignoram as estilos artísticos e os valores culturais tradicionais.

Desde 1945, Jean Dubuffet começa a procurar trabalhos livres das normas culturais. Ele estabelece rapidamente contatos com escritores, artistas e psiquiatras suíços.

1971: contatos entre Jean Dubuffet e a prefeitura de Lausanne, com vistas a uma doação e assim foi criada a Coleção de Arte Bruta em 1976.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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