Ainda que muito afetada pela crise do coronavírus, a relojoaria permanece um símbolo do know-how suíço e da fabricação de precisão "Made in Switzerland". Mas conseguirá manter seu domínio no setor do luxo e competir contra macas como a Apple? Veja uma cartilha sobre a indústria suíça que exporta seus produtos para todo o mundo.
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Sou chefe de uma equipe multilíngue responsável por cobrir o tema "Suíços do estrangeiro", fornecendo-lhe as informações necessárias para participar da vida política na Suíça.
Depois de estudar ciências políticas nas Universidades de Neuchâtel e Berna, comecei a trabalhar como jornalistas para os canais SwissTXT e RTS. Desde 2008, trabalho na SWI swissinfo.ch, onde ocupei vários cargos de gestão e no jornalismo.
Escrevo artigos aprofundados com análise de dados, usando minhas habilidades em análise e visualização. Abordo uma ampla gama de tópicos, entre os quais estão comércio global, mudanças climáticas ou demografia.
Nasci na França, estudei relações internacionais na Universidade de Lyon e me formei na Escola de Jornalismo de Lille em 2011. Moro na Suíça desde 2012. Trabalhei na televisão francófona RTS por oito anos antes de ingressar na SWI swissinfo.ch em 2020.
A Suíça produz pouco mais de 20 milhões de relógios por ano, ou pouco mais de 2% da fabricação global de relógios. No entanto, o país alpino comanda mais de 50% da indústria relojoeira mundial em termos de valor, com faturamento de todas as marcas suíças somadas estimado em mais de CHF50 bilhões (53 bilhões de dólares) em vendas a varejo.
Nos segmentos de alta e média faixa, a Suíça deixa apenas algumas migalhas para seus concorrentes franceses ou alemães: mais de 95% dos relógios vendidos por CHF1.000 ou mais são produzidas por empresas suíças.
Nos últimos anos, o valor médio dos relógios suíços exportados permanece subindo, chegando a cerca de US$1.000. Multiplicando esse número por dois ou três e dá para ter uma ideia do preço médio pago pelos clientes que usam os relógios.
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Contrastando com o sucesso espetacular dos relojoeiros suíços no mercado de luxo, a drástica queda no número total de relógios fabricados é uma tendência que preocupa muitos especialistas nesta indústria. Em 2019, os relojoeiros suíços exportaram quase 10 milhões de relógios a menos do que no ano de 2016. O impacto da pandemia do coronavírus causará a diminuição das vendas para apenas 14 milhões de relógios em 2020. Tais números sombrios levam o setor de volta ao volume de vendas semelhante à década de 1940.
Além das dificuldades competitivas, a indústria relojoeira está enfrentando dificuldades estruturais desafiadoras. A primeira delas é a concorrência dos smartwatches – notadamente o Relógio Apple – que deu um duro golpe aos relógios “Swiss Made” no nível do segmento de entrada (abaixo de CHF200). Em 2019, a Apple sozinha vendeu mais relógios desse segmento do que toda indústria relojoeira suíça, embora a empresa americana só tenha começado a vender relógios há cinco anos.
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A célebre marca Swatch tem sido a mais atingida pela queda de volume, estimativas da emissora RTS sugerem que a marca hoje produz entre três e sete milhões de relógios anualmente, em comparação com cerca de 15 a 20 milhões que produzia durante seu apogeu nos anos 90. Junto com a Swatch, marcas de relógios mais simples (segmento de entrada), marcas como Mondain, Festina, Victorinox ou mesmo Raymond Weil, também foram atingidas pela introdução, em 2017, de novas regras que regem a atribuição do selo “Swiss Made”. As novas condições obrigaram as marcas a usar mais componentes fabricados por fornecedores suíços o que, por sua vez, os obrigou a aumentar os preços dos relógios. Como resultado, o volume de vendas diminuiu em várias centenas de milhares de unidades.
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“Se aos 50 anos de idade a pessoa não um Rolex, então falhou na vida”, diz a célebre citação proferida pelo anunciante francês Jacques Séguéla há mais de uma década e que ainda serve para ilustrar a dimensão simbólica de tamanho exagerado que a marca Rolex ocupa dentro do universo do luxo. Os relógios Rolex enfeitam os pulsos de personalidades como Roger Federer, Brad Pitt, Donald Trump ou Jay-Z.
Rolex é também a marca suíça de relógios mais vendida, com o faturamento do ano passado estimado em mais de CHF 5 bilhões.
Pelo menos, esse é o valor estimado pelo banco americano Morgan Stanley e pela Consultoria suíça LuxeConsult. Isso porque, ao mesmo tempo que a Rolex desenvolveu uma de notoriedade inigualável em todo o mundo, também opera seus negócios com total discrição. É de propriedade privada da Fundação Hans Wilsdorf (fundadora da marca), não está listada na bolsa de valores e seus títulos não são negociáveis. É um acordo que permite que a marca de Genebra controle sua comunicação da maneira que achar conveniente, fora das regras de transparência impostas pelos mercados acionários.
Há cerca de 350 marcas de relógios que ostentam o selo “Swiss Made”, mas elas estão longe de operar de forma parecida. As cinco marcas mais poderosas juntas representam 50% do total de vendas de relógios. Atrás da Rolex intocável estão Omega (Swatch Group, CHF2,34 bilhões por ano), Longines (Swatch Group, CHF1,65 bilhões), Cartier (Richemont, CHF1,59 bilhões) e Patek Phillippe (CHF1,35 bilhões). O clube exclusivo de bilionários é completado pela Tissot (Swatch Group, CHF1,05 bilhões) e Audemars Piguet (CHF1,03 bilhões).
Ao lado das marcas independentes de sucesso – Rolex, Patek Philippe, Audemars Piguet e Richard Mille – três empresas dominam o mercado da relojoaria suíça:
Swatch GroupLink externo, líder mundial no setor de relógios, listada nas ações suíças e controlada pela família Hayek, que detém cerca de 40% do capital.
RichemontLink externo, fundada pelo sul-africano Johann Rupert, listada na bolsa suíça e em bolsas de valores sul-africanas.
LVMHLink externo, líder mundial em bens de luxo, administrada pelo francês Bernard Arnault, listada na bolsa de valores de Paris.
A relojoaria responde por cerca de 1,5% do produto interno bruto (PIB) suíço. É a terceira maior indústria de exportação do país, atrás da indústria farmacêutica e dos setores de máquinas-ferramentas. Suas empresas estão localizadas principalmente em Neuchâtel, Berna, Genebra, Solothurn, os cantões do Jura e Vaud, onde a indústria gera mais de 90% do valor agregado do setor.
A indústria relojoeira é uma grande geradora de empregos nestas regiões, com 700 empresas ativas do setor empregando quase 60.000 pessoas. Considerando empregos indiretos, estima-se que quase 100.000 postos de trabalho suíços dependem da indústria relojoeira.
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Mas os salários ganhos pelos funcionários do setor são muito mais modestos do que o valor dos relógios que eles trabalham para produzir. Em 2018, o salário médio na indústria relojoeira era pouco mais de CHF5.400 por mês; isso é CHF1.000 a menos do que o salário médio dos trabalhadores do país.
O setor relojoeiro atingiu seu auge no final da década de 1960, quando contava com quase 90.000 funcionários em 1.500 empresas. No início dos anos 70, no entanto, a chegada dos relógios de quartzo asiáticos perturbou o mercado e colocou a relojoaria suíça em uma profunda crise. Em meados da década de 1980, apenas 30.000 funcionários em cerca de 500 a 600 empresas haviam sobrevivido à crise.
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A indústria relojoeira suíça foi reavivada pela produção de massa – modelos de mercado, especialmente os produzidos pela Swatch. A partir dos anos 2000, isso foi seguido de um interesse exponencial dos mercados emergentes em modelos de luxo. Como resultado, até 2019, a relojoaria suíça gerou mais de CHF21 bilhões anuis com exportação.
A pandemia de coronavírus, no entanto, deu um golpe brutal na operação da indústria. A Federação da Indústria Relojoeira Suíça (FH) estima que as exportações diminuirão de 25% a 30% em 2020, o que faz com que seja a pior crise na história do setor.
A imagem de um velho relojoeiro se dobrando sobre sua bancada de trabalho com uma lupa ainda é amplamente utilizada em materiais publicitários pela indústria. A realidade, entretanto, é muito menos bucólica. Desde os anos 60, a relojoaria suíça utiliza trabalhadores estrangeiros mais baratos para alimentar suas fábricas. Naquela época, os trabalhadores eram frequentemente mulheres italianas recrutadas para empreender as ações repetitivas nas linhas de montagem.
Atualmente, muitos trabalhadores transfronteiriços da França trabalham nas fábricas localizadas no oeste da Suíça no Arco do Jura, o berço histórico do setor. Nesta região, eles respondem em média por um em cada três funcionários, uma proporção que pode chegar a mais de 80% nas fábricas situadas nas proximidades dos franceses ou das fronteiras italianas.
Historicamente, a indústria relojoeira da Suíça deve sua própria existência aos estrangeiros, graças aos franceses protestantes que fugiram de seu país como consequência da revogação do Édito de Nantes por Luís XIV em 1685.
Durante a década de 2000, a abertura progressiva do mercado chinês proporcionou um impulso maciço às exportações de relógios suíços para o Extremo Oriente. Desde então, o valor das exportações de relógios para a China foi multiplicado por 100. Considerando o turismo de compras, estima-se que aproximadamente um a cada dois relógios de luxo “Swiss Made” são comprados por clientes chineses.
Mas a desaceleração econômica da China, a campanha anti-corrupção instigada por Xi Jinping – os relógios costumam ser presentes muito apreciados entre os funcionários do regime – e a crise política em Hong Kong puseram um fim ao período de lua-de-mel entre relojoeiros suíços e a China.
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