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O vilarejo alpino que desapareceu sob lama e gelo

Casa destruída por deslizamento de terra
Uma das casas destruídas na avalanche de terra, gelo e detritos que cobriu 90% do vilarejo suíço de Blatten em 28 de maio de 2025. SRF


Quase todo o vilarejo de Blatten, nos Alpes suíços, foi soterrado após o colapso de uma geleira. A evacuação preventiva evitou mortes, mas um morador segue desaparecido. Autoridades atribuem o desastre ao aumento da instabilidade causado pelas mudanças climáticas.

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Os bombeiros informaram que 90% do povoado de Blatten deve ter desaparecido sob os escombros. A tragédia ocorreu no Vale do Lötschental, na região montanhosa do cantão suíço do Valais.

>>Imagens do momento em que a geleira deslizou, em 28 de maio de 2025:

Blatten antes e depois do deslizamento de terra: à esquerda, em 3 de novembro de 2024; à direita, em 29 de maio de 2025

Conteúdo externo

“O inimaginável aconteceu. Perdemos nosso vilarejo”, declarou o prefeito de Blatten, Matthias Bellwald, logo após a tragédia.

“A natureza é mais forte do que o ser humano. As pessoas que vivem nas montanhas sabem disso”, afirmou o ministro suíço do Meio Ambiente, Albert Rösti. “O governo federal está mobilizada para garantir um futuro a Blatten, ainda que isso demande muito esforço e tempo”, ressaltou.

Momento em que ouve o deslizamento de terra
O momento em que a avalanche de gelo, pedras e água cobriu o vilarejo de Blatten em 28 de maio de 2025, visto de um pico vizinho. SRF

O risco de ruptura da frente da geleira de Birch havia sido alertado dias antes, quando foram observados movimentos de solo na montanha, entre 2,5 e 3,5 metros por dia.

Na semana passada, em Blatten, mais de dois milhões de metros cúbicos de material se desprenderam da montanha conhecida pelo nome alemão de “Kleines Nesthorn” (3.341 metros de altura). Um primeiro grande deslizamento já havia ocorrido em 18 de maio de 2025.

Vilarejo coberto de terra e pedras
Blatten foi evacuado após o primeiro grande deslizamento de terra da montanha Kleines Nesthorn, em 18 de maio de 2025. Dez dias depois, o vilarejo estava coberto de escombros. Keystone / Cyril Zingaro

O vilarejo foi evacuado preventivamente há uma semana. Cerca de 300 pessoas precisaram deixar suas casas.

Graças a essa medida, evitou-se uma tragédia com vítimas. No entanto, um morador da região foi declarado desaparecido.

Mapa exibindo a localização de Blatten
Blatten está localizado no cantão do Valais. SRF

Alerta desde a semana passada

O desprendimento de 18 de maio provocou um fluxo de detritos que parou a poucos centenas de metros do povoado.

“Foi um evento imprevisível”, explica Mylène Jacquemart, pesquisadora em Glaciologia da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH, na sigla em alemão) e do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Florestal, Neve e Paisagem (WSL). “As mudanças na rocha aconteceram muito rapidamente ou já havia movimentos há meses ou anos que passaram despercebidos.”

>> Imagens do desmoronamento da encosta do monte Nesthorn em 18 de maio.

Pequenos desprendimentos de terra estão aumentando nos Alpes suíços devido à mudança climática. A relação com o aquecimento global é menos clara no caso de catástrofes naturais como a de Blatten.

Abandonar suas casas por conta do risco de desastres naturais é uma realidade compartilhada por moradores de várias localidades nos Alpes suíços: Bondo, Brienz, Lostallo, Cevio e agora Blatten.

Efeitos das mudanças climáticas

As mudanças climáticas aumentam os riscos naturais nas montanhas.
Sempre houve áreas instáveis nos Alpes suíços, explicou o especialista em riscos naturais Federico Ferrario ao canal da televisão pública RSI. Isso se deve a fatores geológicos, hidrogeológicos e meteorológicos.

“No entanto, com o aquecimento global, essas instabilidades também se intensificam em altitudes mais elevadas”, afirmou Ferrario. As geleiras e o “permafrost” (n.r.: um tipo de solo que permanece congelado por pelo menos dois anos consecutivos), estão derretendo com o aumento das temperaturas, o que desestabiliza as encostas. O risco de deslizamentos ao longo das montanhas está crescendo.

Um estudo recenteLink externo do WSL confirma que a mudança climática aumenta os riscos naturais nos Alpes. No futuro, deslizamentos de rochas e desmoronamentos podem se tornar mais frequentes em regiões alpinas com permafrost.

A Suíça é particularmente afetada pelas mudanças climáticas. Os Alpes são uma das regiões do planeta onde as temperaturas mais aumentaram. A temperatura média subiu quase 3 °C desde a era pré-industrial, cerca do dobro da média global.

>> O que é o permafrost e por que seu derretimento ameaça as regiões montanhosas?

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Assentamentos abaixo das zonas de permafros

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Como as mudanças climáticas ameaçam o permafrost (1)

Este conteúdo foi publicado em O permafrost está derretendo nos Alpes e no Ártico, aquecendo mais rápido do que nunca. Isso afeta a estabilidade das montanhas e acelera a mudança climática. O que pode ser feito?

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Grandes deslizamentos de terra

Ainda há muitas incertezas sobre as causas exatas do colapso das montanhas, aponta o estudo do WSL, que analisou uma grande quantidade de pesquisas científicas dos últimos 30 anos. A única relação clara com o aquecimento global está nos desprendimentos de rochas (aquiLink externo explicam-se as diferenças entre queda de rochas, deslizamentos de terra e colapso de paredes rochosas).

Quantificar o impacto da mudança climática em deslizamentos de terra e outros movimentos de massa alpinos ainda é difícil devido à complexidade do sistema natural, às limitações de dados disponíveis e às técnicas estatísticas existentes, aponta o WSL.

No caso de desprendimentos pequenos, entre 100 e mil metros cúbicos de material, existe uma relação clara com o aquecimento global, afirma Mylène Jacquemart, coautora do estudo. “Eles ocorrem com mais frequência, especialmente em grandes altitudes. Esses deslizamentos podem bloquear trilhas, danificar construções e representar riscos para pessoas e animais.”

Estabelecer uma ligação entre o aumento das temperaturas e os deslizamentos de terra de grande porte, como o de Blatten ou o de Bondo em 2017, no entanto, ainda é prematuro, segundo Jacquemart. “Nossas observações sistemáticas cobrem cerca de 20 anos. É pouco tempo para afirmar se são eventos excepcionais ou indicativos de uma mudança estatística relevante”, diz.

Parte do cume de uma montanha
Parte do cume da montanha Nesthorn, nos Alpes suíços, acima do vilarejo de Blatten, desabou no vale em 18 de maio de 2025. A parede continua instável até hoje. Kapo Vs /

Condições geológicas locais e a topografia têm papel importante, afirma Robert Kenner, do WSL. A desestabilização das paredes rochosas é resultado de um processo que pode levar milhares de anos, mas fenômenos meteorológicos ou climáticos podem influenciar o momento do colapso.

Por exemplo, a água do degelo de uma geleira pode infiltrar-se em fissuras na rocha, congelar e expandir, provocando sua fragmentação e, por fim, o colapso da encosta. “Nossas montanhas não estão desmoronando uma após a outra”, declarou Kenner à agência de notícias ATS.

Quanto aos fluxos de detritos, verdadeiras “avalanches” de lama e pedras, o número de chuvas intensas capazes de provocá-los aumentou claramente. “Mas apenas metade dos estudos analisados indica um aumento” desses fluxos, afirma Jacquemart.

As cerca de 300 pessoas retiradas nesta semana de Blatten não são as únicas que tiveram que abandonar suas casas devido à ameaça de desastres naturais.

Em 2024, ocorreram 1.100 deslocamentos forçados na Suíça por inundações e deslizamentos de terra, segundo o último estudoLink externo do Observatório de Deslocamentos Internos. O número refere-se à quantidade de vezes que uma pessoa foi obrigada a se mudar temporária ou permanentemente.

A cifra de 2024 é a mais alta desde o início dos registros em 2008 e quase triplica a de 2023. A maioria das pessoas conseguiu retornar às suas casas. Apenas 97 ainda eram consideradas “deslocadas internas” na Suíça no final de 2024.

Em todo o mundo, ocorreram 45,8 milhões de deslocamentos por catástrofes naturais em 2024. Entre os países mais afetados estão Estados Unidos, Filipinas, Índia, China, Bangladesh, Nigéria e Brasil.

Impossível monitorar todas as encostas

Imagens de satélite, radares e sensores instalados no solo permitem monitorar os movimentos de terreno nas encostas. Em caso de anomalias, as autoridades podem emitir alertas de risco.

A Suíça é pioneira na vigilância dos Alpes, segundo Yves Bühler, especialista em sistemas de monitoramento do Instituto de Pesquisa de Neve e Avalanches. “Existe uma colaboração única entre autoridades decisoras, empresas privadas que desenvolvem e fornecem tecnologia de ponta, e pesquisadores que testam e validam os novos sistemas”, disseLink externo ao canal de televisão SRF.

Quando o fenômeno é conhecido e monitorado, é possível agir preventivamente, afirmou Federico Ferrario. Barreiras de concreto e diques podem, por exemplo, proteger os povoados de inundações e fluxos de detritos. Mas quando as quantidades de material são muito grandes e localizadas em áreas de difícil acesso, a intervenção se torna muito mais complexa, tanto técnica como financeiramente, acrescenta.

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Fluxo de detritos

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Como proteger os vilarejos dos deslizamentos de terra

Este conteúdo foi publicado em Deslizamentos de terra causam mortes e danos na Suíça. Sistemas de alerta e barreiras de proteção são essenciais, mas soluções drásticas são sugeridas devido ao aumento dos riscos climáticos. A proteção é complexa e cara, com mais de 110 redes de aço já instaladas.

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Nos Alpes, é extremamente difícil prever qual será o próximo ponto a ceder, afirma Jacquemart. “As pessoas que vivem nas montanhas e os dados de satélite podem fornecer informações valiosas. Mas é impossível vigiar todas as paredes rochosas da Suíça.”

Portanto, no futuro será necessário aprender a conviver com os riscos naturais. Ou então decidir abandonar as áreas de maior perigo.

Em Kandersteg (Suíça), a população convive com a ameaça de colapso da montanha próxima Spitzer Stein.

>> Veja como é viver ao pé de uma montanha instável.

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Edição: Gabe Bullard/Vdv

Adaptação: Alexander Thoele

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