
Tratado sobre pandemias é sinal promissor de multilateralismo

O novo tratado sobre pandemias foi aprovado nesta terça-feira (20), durante a Assembleia Mundial da Saúde, iniciada em Genebra no dia 19. Reconhecido como um marco histórico, o tratado surge justamente no momento em que os Estados Unidos anunciam sua retirada da OMS.
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Na terça-feira (20), a Assembleia Mundial da Saúde, órgão decisório da Organização Mundial da Saúde (OMS), aprovou um novo acordo sobre pandemias, com o objetivo de melhorar a preparação global para futuras pandemias.
Nas palavras de Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, esse é um momento “histórico”. O mundo ficará mais seguro, disse ele após o fim das negociações entre os membros da OMS, em abril.
O tratado levou três anos para ser finalizado, o que é rápido para um acordo internacional. Durante as negociações, houve resistência de alguns países desenvolvidos à ideia de compartilhar tecnologia com países em desenvolvimento em caso de pandemia.
O acordo surge em um contexto no qual o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vem desafiando o sistema multilateral liderado pela ONU. Logo no início do seu mandato, ele assinou um decreto retirando os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS). O país, que é o maior doador da entidade, contribuiu com US$ 1,284 bilhão (CHF 1 bilhão) nos anos de 2022 e 2023. Os EUA se retiraram das negociações finais do tratado.
O acordo foi impulsionado pela pandemia de Covid-19, responsável pela morte de cerca de 15 milhões de pessoas. A crise também evidenciou desigualdades extremas no acesso às vacinas: países ricos acumularam doses, enquanto países do sul global precisaram esperar meses para obtê-las.

Especialistas em saúde esperam que o tratado contribua para regular futuras pandemias e melhorar a coordenação de uma resposta multilateral. A iniciativa foi bem recebida por especialistas em saúde global e ONGs.
“O acordo é um forte sinal de solidariedade”, disse Melissa Scharwey, representante humanitária do Médicos Sem Fronteiras (MSF) e especialista em saúde global e acesso a medicamentos, à SWI swissinfo.ch.
O tratado é, na verdade, três acordos em um, afirmou Ricardo Matute, consultor de políticas do Centro de Saúde Global do Instituto de Pós-Graduação em Genebra. Ele abrange medidas para a prevenção, preparação e resposta a pandemias.
Segundo Matute, foi surpreendente que o acordo tenha sido concluído em pouco mais de três anos, considerando o atual contexto geopolítico. “É um acordo histórico para o multilateralismo, um sinal de que precisamos resolver os problemas juntos”, disse ele.

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O tratado pode funcionar sem os Estados Unidos?
Especialistas ouvidos pela SWI swissinfo.ch afirmam que a retirada dos EUA da OMS deu aos Estados-membros um impulso extra para finalizar o tratado antes da Assembleia Mundial da Saúde (AMA).
“Não se tratava mais apenas da OMS, mas também da reafirmação do multilateralismo”, disse Matute. “O sistema de regulamentações do tratado de pandemia não falharia, mesmo sem os Estados Unidos. Mais de 190 países estão envolvidos”.
A retirada dos EUA da OMS só entrará em vigor em janeiro de 2026. Até lá, os Estados Unidos continuam membros da OMS e, portanto, podem participar da Assembleia Mundial de Saúde.
Os EUA podem decidir aderir ao acordo posteriormente. Antes da retirada, o país havia “participado ativamente das negociações nos primeiros três anos”, afirmou Matute.
A ausência dos EUA, no entanto, traz alguns desafios. Especialistas afirmam que a retirada terá implicações financeiras para a OMS, para a saúde pública e para a implementação do acordo.
Ainda não se sabe se os EUA irão, por exemplo, coletar patógenos e disponibilizá-los à OMS, disse Scharwey, do MSF. Eles não têm obrigação de fazê-lo.
“Se os EUA decidirem não fazer isso, poderão surgir lacunas no enfrentamento de futuras pandemias”, afirmou Sangeeta Shashikant, especialista jurídica da Third World Network (TWN), à SWI swissinfo.ch. Shashikant participou das negociações em Genebra como observadora.
‘Um passo à frente’
Os avanços mais importantes incluem medidas para a cadeia de suprimentos e a logística de entrega, diz Matute.
Outra disposição importante do tratado é permitir que os governos imponham condições quando as empresas utilizam fundos públicos no desenvolvimento de medicamentos. Antes do tratado, os governos geralmente não dispunham de meios legais para acessar produtos de empresas privadas ou garantir sua distribuição.
O objetivo do tratado agora é garantir a distribuição de vacinas e suprimentos médicos conforme as necessidades de saúde, evitando o acúmulo em massa desses produtos.

Um dos objetivos do tratado é convencer os países desenvolvidos a compartilhar conhecimento e instalações de produção para ajudar os países em desenvolvimento a produzir localmente vacinas, tratamentos e diagnósticos relacionados a pandemias. A transferência de tecnologia entre países desenvolvidos e em desenvolvimento foi um dos principais focos das negociações.
O tratado agora determina que as partes são legalmente obrigadas a promover a transferência de tecnologia. Segundo o acordo, o processo é mutuamente acordado entre os países e realizado de boa vontade.
Mais negociações
Mas ainda levará vários anos para que o tratado entre em vigor. O acordo inclui um anexo que ainda precisa ser negociado e deve ser adotado na Assembleia Mundial da Saúde em 2026. Só então os dois documentos serão abertos para assinatura e ratificação.
Eles só poderão entrar em vigor após serem ratificados por 60 países.
O anexo trata dos patógenos de possíveis pandemias, suas sequências genéticas e do compartilhamento dos benefícios financeiros provenientes de quaisquer produtos médicos fabricados pelas empresas a partir desses patógenos.
Atualmente, os países enviam seus patógenos para laboratórios coordenados pela OMS. As empresas farmacêuticas usam esses patógenos para produzir medicamentos, criando um sistema com acesso desigual aos tratamentos.
Em caso de pandemia, as empresas que utilizam esse mecanismo devem fornecer à OMS 10% de seus produtos gratuitamente e mais 10% a preços acessíveis.
No entanto, isso não é suficiente, diz Shashikant. Ela acrescentou que o tratado também deveria incluir o acesso equitativo a produtos médicos para conter surtos e prevenir pandemias.
Em caso de pandemia, a produção precisa ser expandida rapidamente, disse ela. “Por isso, é necessário conceder licenças que permitam a participação de mais fabricantes nos países em desenvolvimento”.
Outras questões em aberto envolvem a ausência de um mecanismo de controle e de financiamento sustentável.
Até que o tratado entre em vigor, o MSF pede que os governos comecem a implementar medidas em nível nacional. Segundo observadores que acompanharam as negociações, a sociedade civil terá um papel importante na responsabilização dos governos, já que o tratado não prevê um mecanismo de controle.
Edição:Virginie Mangin/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)

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