
Gisèle Pelicot diz que ‘nunca’ deu consentimento ao acusado de estuprá-la

A francesa Gisèle Pelicot, que se tornou um ícone feminista após o julgamento em que enfrentou dezenas de homens que a estupraram, disse ao único acusado que ainda nega tê-la agredido que ela “nunca” deu seu consentimento e que ele deve “assumir a responsabilidade” por seus atos.
O ex-marido dessa mulher de 72 anos, Dominique Pelicot, admitiu tê-la drogado e convidados desconhecidos para abusar dela durante quase uma década, em um caso que chocou o mundo.
Um tribunal francês condenou no ano passado Dominique Pelicot, também de 72 anos, à pena máxima de 20 anos de prisão pelos fatos, e outros 49 acusados foram condenados a penas que variam de três a 15 anos de prisão.
Mas um dos condenados, Husamettin Dogan, um ex-pedreiro de 44 anos, alega ser inocente. Ele afirma ser uma vítima de Dominique Pelicot e recorreu de sua condenação, o que levou a mulher novamente ao tribunal.
Na audiência, ela desafiou publicamente seus agressores, argumentando que são os autores da violência sexual — e não as vítimas — que devem sentir vergonha.
“Você de maneira alguma é uma vítima do senhor Pelicot! Assuma a responsabilidade por seus atos e pare de se esconder atrás de sua covardia”, disse Gisèle Pelicot no tribunal da cidade de Nimes, no terceiro dia do julgamento de apelação.
“Eu sou a única vítima”, ela acrescentou, “Em que momento dei meu consentimento? Nunca”, disse.
Gisèle Pelicot, que tem sido recebida com aplausos toda vez que chega ao tribunal desde o início do julgamento, disse que espera nunca mais voltar a um tribunal.
“O dano já está feito e terei que me reconstruir a partir das ruínas”, disse. “Estou no caminho certo”.
– “Chegar ao fim” –
Dogan foi condenado a nove anos de prisão no primeiro julgamento por estupro e agora pode enfrentar uma sentença de 20 anos de prisão.
Ele insistiu que não é um “estuprador” e que acreditava estar participando de um jogo de casal no dia dos fatos, em junho de 2019.
Mas tanto a vítima quanto os investigadores refutaram o argumento.
Os investigadores encontraram um total de 107 fotos e 14 vídeos da noite em que Dogan visitou a casa do casal em um disco rígido pertencente a Dominique Pelicot.
Várias dessas gravações, que mostram o réu penetrando-a e forçando uma Gisèle Pelicot completamente “inerte” a fazer sexo oral nele, foram mostradas ao tribunal nesta quarta-feira, antes de ela depor. Nos vídeos, os dois homens sussurram para não acordá-la.
Apesar das evidências, Dogan reiterou sua versão dos fatos na manhã desta quarta-feira e culpou o ex-marido da mulher, dizendo que se sentia “encurralado”.
“Eu queria parar. Em algum momento, fiquei muito desconfiado. Continuei porque ele me tranquilizou”, disse Dogan. “Ele é o manipulador, não eu. Foi ele quem me atraiu para lá”.
Dominique Pelicot disse ao tribunal na terça-feira que Dogan havia participado voluntariamente de seu plano. “Eu nunca obriguei ninguém a nada”, afirmou, acrescentando que o homem sabia que sua esposa estaria “dormindo” e que ele fez todo tipo de “coisas” com ela.
– “Sou uma mulher comum” –
Desde o primeiro julgamento, Gisèle Pelicot tornou-se um símbolo na luta contra a violência sexual, e seu caso trouxe mudanças na legislação sobre estupro na França.
No entanto, no tribunal, Pelicot disse que não queria mais que se referissem a ela dessa maneira.
“Parem de dizer que sou um ícone”, disse, “sou uma mulher comum que levantou o véu do segredo”.
Ela reforçou que espera que compartilhar sua história ajude outras vítimas a se sentirem menos envergonhadas.
“Se, em uma manhã, essas mulheres acordarem e não se lembrarem, pensarão em mim”, disse.
Espera-se um veredicto no caso na próxima quinta-feira.
burs-ah-ekf/sw/arm/pb/aa/jc/dd/aa