Perspectivas suíças em 10 idiomas
Indústria relojoeira enfrenta o futuro

Kari Voutilainen, o relojoeiro que vinha do Norte

Kari Voutilainen quer transmitir seus conhecimentos e experiência aos jovens relojoeiros. swissinfo.ch /Samuel Jaberg

O relojoeiro finlandês Kari Voutilainen, é um designer e artesão demandado por colecionadores de todo o mundo. Ele acaba de inaugurar uma nova fábrica no cantão de Neuchâtel. Conheça um dos principais nomes da relojoaria contemporânea.

No final de uma estrada florestal sinuosa e acidentada, nas fronteiras do cantão de Neuchâtel e da França, o antigo restaurante Chapéu de Napoleão tem vista para a região do Val-de-Travers. A uma altitude de quase mil metros, nesta montanha que evoca o chapéu de duas abas do famoso Imperador, a vista da vila de Fleurier e suas renomadas empresas relojoeiras (Parmigiani, Chopard, Vaucher) é espetacular.

Conteúdo externo

No estacionamento, em frente ao prédio que ele comprou e reformou inteiramente para acomodar seus cerca de trinta funcionários, Kari Voutilainen nos espera descontraído, usando uma camisa pólo cinza e uma lupa de relojoeiro em sua cabeça. O aperto de mão é caloroso, e o tom amigável e sorridente. Mesmo que seu nome pareça sair diretamente de um romance de Arto Paasilinna, Kari Voutilainen não tem o caráter frio e silencioso que muitas vezes se associa com pessoas do Norte.

E ainda assim, o homem tem muito do que se gabar. Kari Voutilainen é de certa forma o Lionel Messi da relojoaria fina. Ele ganhou nada menos do que oito prêmios no Grande Prêmio de Relojoaria de Genebra, uma das mais prestigiadas distinções do setor. Seus modelos são comprados nos quatro cantos do globo por ricos proprietários de coleções, principalmente dos Estados Unidos, a preços estratosféricos. É necessário um mínimo de 75.000 francos (excluindo impostos) para um modelo “básico” da marca, e as listas de espera estão em constante expansão.

Da Lapônia à Suíça

Contudo, nada predestinou Kari Voutilainen a embarcar em uma carreira de relojoaria fina. Nascido em 1962, o jovem Kari passou os primeiros 20 anos de sua vida em Kemi, um pequeno porto e cidade industrial na Lapônia finlandesa dedicados à indústria madeireira. No entanto, ele percebeu muito cedo que não passaria muito tempo sentado em bancos da escola. “Prefiro trabalhos manuais e esculpir madeira do que passar o tempo com o nariz em um livro”, diz .

swissinfo.ch /Samuel Jaberg

No final da escola obrigatória, ele fez um estágio de dois dias em uma loja de consertos de relógios dirigida por um amigo de seu pai. “Foi uma verdadeira revelação. Naquele momento, eu entendi como as pessoas podiam ter experiências religiosas. É difícil explicar, mas desde aquele dia eu nunca senti que estava trabalhando”, diz o homem que ainda passa quase 80 horas por semana, inclusive fins de semana, em sua oficina.

Ele então convenceu seu pai, um banqueiro protestante que era um pouco rígido, a inscrevê-lo na prestigiosa escola de relojoaria Tapiola, perto de Helsinque. À noite, após as aulas, ele reparava relógios de pêndulo antigos para ganhar experiência. Após conseguir seu primeiro emprego em uma oficina de relojoaria em Ylitornio, uma pequena cidade na fronteira com a Suécia, seu insaciável desejo de aprender o levou a voar para a Suíça, a terra prometida da boa relojoaria mecânica.

Sonho de independência

Em 1989, ele pôs os pés pela primeira vez em Neuchâtel para participar de um curso no Centro de Treinamento e Desenvolvimento Relojoeiro Suíço Wostep. “Era o único lugar no mundo que oferecia cursos sobre relógios com complicações”, explica Kari Voutilainen. A crise dos relógios de quartzo foi pouco a pouco superada e a relojoaria mecânica foi gradualmente recuperando seu status.

Dois encontros mudariam em seguida o rumo de seu destino. O primeiro foi com Michel Parmigiani, que o contratou para trabalhar em sua oficina restaurando belos relógios antes de fundar sua marca de relógio. Ele permaneceu com Parmigiani por quase dez anos e conheceu então o homem que viria a ser seu mestre e que lhe confiou todos os segredos da relojoaria fina: Charles Meylan. “Foi ele quem me encorajou a fazer meu primeiro relógio de bolso fora do horário de trabalho, à noite no meu apartamento”, lembra-se ele.

banner

Mostrar mais

Indústria relojoeira enfrenta o futuro

Você não precisa mais de um relógio para saber que horas são. Por que a indústria relojoeira suíça não só sobrevive, mas também prospera? 

ler mais Indústria relojoeira enfrenta o futuro

Em 2002, após um período de três anos na Wostep, desta vez para dar cursos sobre relógios complicados, Kari Voutilainen se lançou como um relojoeiro independente, seu sonho de vida. Em 2005, ele causou uma sensação na Feira de Relógios da Basiléia ao apresentar o primeiro relógio associado ao seu nome, um repetidor de minutos que soa a cada dez minutos em vez dos habituais quartos de hora.

A fim de satisfazer a crescente demanda e liberar algum tempo para sua esposa e dois filhos, este perfeccionista contratou gradualmente relojoeiros e pessoal especializado para auxiliá-lo. Ele eventualmente montou uma verdadeira fábrica capaz de produzir quase todas as peças de suas criações com seu design refinado e acabamento meticuloso.

Autonomia e produção local

Ao tornar-se coproprietário das duas empresas que fabricam os mostradores e chassis de seus relógios, Kari Voutilainen se deu um luxo que nenhum outro mestre relojoeiro pode reivindicar: a independência quase total em relação a seus fornecedores.

“Hoje, nós mesmos fabricamos tudo, exceto três componentes do movimento do relógio: a mola do cilindro, a mola de equilíbrio e as pedras preciosas. Esta verticalização é a chave para o sucesso. Durante a pandemia, por exemplo, escapamos dos problemas de abastecimento que afetavam praticamente toda a indústria”, diz o relojoeiro finlandês com satisfação.

O modelo “Setsu-Getsu-Ka”, um dos últimos relógios da Kari Voutilainen, criado em colaboração com o artista japonês Tatsuo Kitamura. PD

Quanto aos acessórios para seus relógios, está fora de questão trazê-los da Ásia. Ele encomenda suas pulseiras de uma artesã local que trabalha para as principais marcas de artigos de couro do mundo. As caixas de madeira que abrigam suas criações são o trabalho de um carpinteiro do vale.

Motivação e jeito de ser

Eficiência técnica, precisão, sobriedade e meticuloso acabamento manual tornaram a marca Kari Voutilainen famosa de Xangai ao México. Entretanto, nosso anfitrião nos assegura que você não precisa ser superdotado para trabalhar com ele: “Quando contrato um novo funcionário, eu testo principalmente sua motivação e boa atitude. Todo o resto pode ser aprendido.”

Kari Voutilainen conta com uma equipe de funcionários muito jovens, a maioria dos quais vive no Val-de-Travers ou na França vizinha. “Eles ainda não têm maus hábitos e não aprenderam a trabalhar de forma compartimentada como geralmente acontece na indústria relojoeira”, explica ele.

Embora ele seja crítico do treinamento relojoeiro atual e da industrialização excessiva da indústria, Kari Voutilainen é bastante otimista sobre o futuro do ofício relojoeiro, como ele explica no vídeo abaixo:

De Cingapura ao Val-de-Travers

A transmissão de know-how e a conservação do patrimônio relojoeiro são particularmente importantes para ele. “Não tenho nada a esconder, trabalho num espírito de total abertura com minhas equipes e meus clientes”. Já existem segredos suficientes nos cemitérios”, sorri o relojoeiro finlandês.

Na “manufatura” Voutilainen, onde são produzidos 60 a 70 relógios por ano, toda a energia é dedicada à criação e ao artesanato. Ao contrário da maioria das marcas de relógios, o departamento de marketing e comunicação absorve apenas uma proporção ínfima dos recursos financeiros da empresa. E por uma boa razão, esta tarefa é de exclusiva responsabilidade do chefe da empresa. “Recebo clientes, trato das vendas e visito pessoalmente os estandes nas exposições”, explica Kari Voutilainen.

Este contato pessoal é uma grande vantagem sobre as marcas de relógios de luxo e seu exército de vendedores e vendedoras bem treinados. “Na semana passada, recebi um cliente de Cingapura. Ele ficou impressionado com a calma e a magia do lugar. Você pode imaginar o contraste para alguém que vive o ano inteiro cercado por prédios e concreto! Podemos vender uma história única, um encontro, memórias duradouras. Esta é nossa grande força”, diz Kari Voutilainen.

Adaptação: DvSperling

Mostrar mais

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR