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“A Suíça deve reconhecer seus erros com a Líbia”

Moussa Koussa: "Não precisamos da Europa[…] se ela quiser relações de cooperação saudáveis, ela deverá renunciar à lista suíça e condenar as práticas desse país em matéria de relações diplomáticas.” Keystone

Honra ignorada, ofensas reiteradas, insulto ao regime: nas palavras de Moussa Koussa, a noção de humilhação está onipresente.

Na entrevista a seguir, o ministro das Relações Exteriores da Líbia formula claramente as exigências líbias para solucionar a crise com a Suíça.

O ministro se diz humilhado pela posição da Suíça sobre os vistos Schengen, recusados às principais autoridades líbias a pedido da Suíça. Mossa Koussa diz também ter dificuldade em dialogar com a chefe da diplomacia suíça, Micheline Calmy-Rey.

Indenização e punição. O ministro repete as exigências líbias para resolver a crise iniciada em julho de 2008 com prisão em Genebra de um filho do coronel Kadhafi. Se o governo suíço quiser a paz, ele deve reconhecer seus erros.

O encontro ocorreu durante a Cúpula contra o Terrorismo no Sahel, terça-feira, em Argel. Na entrevista, o ministro, alto responsável do regime e muito próximo ao coronel Kadhafi, afirma que seu país não pode ser criticado nesse assunto.

Moussa Koussa ataca duramente a ministra Micheline Calmy-Rey e pede à presidente da Suíça, Doris Leuthard, e ao Parlamento que intervenham para desbloquear a situação. A Líbia reivindica ainda uma nova arbitragem internacional.

Qual a solução para resolver a crise entre a Suíça e Líbia?

Moussa Koussa: A solução está nas mãos do governo suíço. Ele deve cumprir o que prometeu.

Por exemplo?

M.K.: A Suíça prometeu, no encontro em Madri no final de fevereiro, que encontraria e puniria no prazo de um mês os responsáveis que permitiram o vazamento para a publicação de fotografias de um diplomata líbio (Hannibal Kadhafi) depois de sua detenção em 2008, em Genebra.

Mas desde então, a Suíça temporiza e tenta ganhar tempo. Para nós, é muito simples. Queremos que a Suíça nos explique quem é o responsável por essa detenção humilhante, por que as regras diplomáticas não foram respeitadas, por que as imagens foram publicadas na imprensa e finalmente por que autoridades líbias, entre elas o líder Mouammar Kadhafi, foram incluídas em uma lista de criminosos. Uma verdadeira ofensa.

Então eu lhe pergunto: será que a Suíça quer melhorar suas relações com nosso país?

Desde a reunião de Madri, o diálogo com a Suíça foi retomado. Como ocorrem as negociações sob mediação alema?

M.K.: Sinceramente, tenho a impressão que a ministra suíça das Relações Exteriores não nos compreende. Temos dificuldade em nos comunicar com ela. Será que o governo suíço precisa indicar outra pessoa para que possamos discutir e dialogar corretamente? O Parlamento suíço pode desempenhar seu papel. A presidente também.

Além disso, desde Tripoli, temos a impressão que o governo suíço não leva essa crise a sério e não tem vontade de encontrar soluções, o que explica a deterioração das relações. Ainda mais com essa lista vergonhosa da Suíça sobre os vistos de Schengen, a chefe da diplomacia suíça atingiu o Estado líbio.

Mas faz parte do jogo, não?

M.K.: O senhor se dá conta que, eu, Moussa Koussa, ministro das Relações Exteriores da Líbia, estou na lista de 188 pessoas interditadas da zona Schengen e que, com isso, meus movimentos na Europa estão limitados. Como a Suíça pode afirmar que quer negociar conosco e, de outro lado, criminalizar as autoridades líbias?

É doentio. Essa lista é um erro enorme, não unicamente para a Suíça, mas para toda a Europa que também tem dificuldade em se comunicar com nosso país. Imagine que a Suíça colocou nomes de mulheres e de crianças da família Kadhafi nesse documento. O que uma criança de dez anos fez para estar em uma lista destinas aos criminosos de guerra e aos terroristas?

A ministra suíça das Relações Exteriores abusou do sistema Schengen, Ela atingiu novamente a honra da Líbia.

Para o senhor, trata-se portanto de uma humilhação?

M.K.: Sim, mas, ao mesmo tempo, não precisamos da Europa. Nós vivemos em um mundo muito aberto e as oportunidades de tecer relações com a América, a China, o Japão, são imensas. Estamos em bons termos, por exemplo, com a Argentina, o Brasil e os países asiáticos.

Hoje a Líbia diz à Europa: se ela quiser ter relações de cooperação sadias, ela deverá renunciar à lista suíça e condenar as práticas desse país em matéria de relações diplomáticas. E está claro que proibiremos aos europeus de entrar na Líbia até que encontrem uma solução. Hoje, a Itália principalmente, condena as práticas da política de visas da Suíça.

A Suíça espera que a Líbia libere o refém suíço Max Göldi.

M. K: O caso Göldi é uma questão de justiça. Ele entrou na Líbia em situação irregular. Se Rachid Hamdani (ndr:.que também esteve como refém da Líbia) foi liberado, é porque não tinha problemas. Max Göldi foi julgado e deve cumprir uma pena de quatro meses de prisão. Depois será libertado.

A libertação de Max Göldi não resolverá a crise. Quais são as exigências da Líbia?

M.K.: Devem ser designados três juízes internacionais para investigar o que ocorreu em Genebra. Eles deverão decidir quem foi agredido e quem foi o agressor. Então aceitaremos a decisão desse tribunal arbitral. Mas a ministra suíça não aceita essa solução. Pergunte a ela por que não quer uma enquete independente da justiça internacional.

Além disso, não compreendemos porque a Suíça e a Líbia não podem discutir no mais alto nível. Por que não temos contato com a presidente da Confederação Helvética? O que a Suíça quer esconder? Por que o Parlamento suíço não quer investigar as derrapagens do governo e o não respeito das regras diplomáticas? Ao invés disso, esses eleitos pensaram em agredir militarmente a Líbia.

A Líbia quer punir as autoridades de Genebra?

M.K.: Queremos que os responsáveis pelo vazamento das fotos e da agressão aos nossos diplomatas em Genebra sejam punidos. Mas também queremos compreender porque eles fizeram isso. Será que pensavam que estavam prendendo Bin Laden? Ou um terrorista da pior espécie?

Esse diplomata (Hannibal Kadhafi) era um simples cidadão que queria passar momentos agradáveis em Genebra com sua mulher e seus filhos. Hoje, a Suíça deve assumir e acabar com sua arrogância. Indenizar as vítimas é uma primeira etapa. Mas será necessário também explicar porque a Suíça quer manchar a imagem da Líbia com a lista de vistos Schengen. Por que insultar os responsáveis líbios e a família Kadhafi?

A Suíça foi atingida pelo apelo ao “djihad” (guerra santa) lançado conta ela.

M.K.: A Líbia condenou assim o voto contra a construção de minaretes e a islamofobia da qual são vítimas os muçulmanos na Suíça. Nessas condições, seu país não cria as condições ideais para relações amistosas com o mundo muçulmano. É o que a Líbia denunciou. Os países árabes são solidários dessa posição líbia. A Liga Árabe deve examinar essa questão.

Qual a mensagem que o senhor tem para o povo suíço?

M.K.: O povo é bom, eu sei disso. Eu o conheço bem. Nós lamentamos o comportamento dos responsáveis da segurança na Suíça.

Eles foram racistas, mas, sobretudo, é preciso que os responsáveis desse abuso contra nosso diplomata sejam punidos. A Suíça tem de ter a coragem de não cobrir atos condenáveis.

Sid Ahmed Hammouche em Argel, La Liberté / swissinfo.ch (Adaptação: Claudinê Gonçalves)

Hannibal Kadafi, o filho do líder líbio Muammar Kadafi, e sua esposa foram detidos pela polícia suíça em 15 de julho de 2008, no hotel Presidente Wilson, em Genebra.

Hannibal e Aline Kadafi foram indiciados no dia seguinte por lesões corporais simples, ameaça e coação contra dois empregados domésticos. Ambos negaram as acusações.

Após dois dias de detenção, o casal Kadafi foi liberado mediante o pagamento de uma caução de meio milhão de francos e retornaram à Líbia. Os dois empregados pediram asilo político na Suíça.

No início de setembro de 2008, a Justiça de Genebra arquivou o processo contra os Kadafi, depois que os dois acusadores retiraram a queixa.

Um relatório apresentado em 14 de setembro de 2008 por uma comissão independente concluiu que as autoridades de Genebra agiram corretamente.

Em 20 de agosto de 2009, o presidente suíço Hans-Rudolf Merz pediu desculpas, em Trípoli, pela prisão do casal Kadafi.

Na ocasião, foi assinado um acordo para normalizar as relações entre os dois país e para que a Líbia libertasse dois reféns suíços, retidos nos país desde o ano passado. Um tribunal independente investigaria de novo o caso Kadafi.

O prazo para o cumprimento do acordo terminou em 20 de outubro de 2009 sem que a Líbia tivesse cumprido a sua parte.

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