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Orçamento participativo renasce na Argentina

People in Rosario
Porto Alegre é uma das capitais na AL com a maior tradição de democracia participativa. Keystone/Michael Runkel

Uma universidade na Argentina envolve estudantes, professores e funcionários em decisões orçamentárias. A prática tem uma longa história na América do Sul.

Em 2019, a Universidade Nacional de Rosário (UNR) na Argentina lançou uma iniciativa inovadora para dar à comunidade acadêmica a oportunidade de opinar sobre como seus fundos são utilizados no campus. Ela permite que as demandas e ideias de estudantes, professores e funcionários se tornem projetos coletivos na universidade após serem aprovados por votação. O orçamento participativo é um processo democrático que dá às pessoas poder real sobre o dinheiro real.

Desde o lançamento da iniciativa, a universidade decidiu criar um novo espaço de reuniões na faculdade de administração, comprar material de impressão de tecnologia 3-D e atualizar a cozinha na Faculdade Agrotécnica. “Aprendi a construir ideias coletivamente”, diz Carla, uma das estudantes universitárias participantes. “Criar uma comunidade” foi um dos principais objetivos da iniciativa implementada nas 12 faculdades da UNR e em suas três faculdades associadas: agrotécnica, administração e politécnica. O objetivo era promover a educação cívica, especialmente para a juventude, incentivar a colaboração e democratizar a tomada de decisões.

Virtualização durante a pandemia

Desde o início, a iniciativa teve que fazer as coisas de maneira diferente. A pandemia de Covid-19 e as medidas sanitárias a ela associadas quase puseram um fim à iniciativa mesmo dela começar, mas a equipe, liderada por Cintia Pinillos, uma professora de política comparativa da UNR, decidiu encarar o desafio e moveu todo o processo para uma plataforma virtual.

online meeting
Reunião virtual na Universidade de Rosário. Yanina Welp

“O orçamento participativo tornou-se um fórum para expressar as necessidades e desejos dos membros da universidade na pandemia, um ponto de encontro para conversar, propor, deliberar e decidir no período de quarentena”, diz Pinillos. De acordo com ela, não é coincidência que a maioria das propostas vencedoras durante este ciclo passado sejam sobre o acesso a novas tecnologias e a criação ou renovação de espaços de reunião e lazer.

Meeting at NUR
Debate sobre orçamento participativo na Universidade de Rosário. Yanina Welp

O conceito de tomada de decisão participativa não é novidade para Rosário. Com cerca de 1.690.000 habitantes, a cidade é a terceira maior da Argentina, depois de Buenos Aires e Córdoba. O porto de Rosário, no rio Paraná, exporta a maior parte da produção de cereais da Argentina. Sua importância econômica é central também devido a seu setor industrial.

Desde os anos noventa, a cidade tem sido um excelente exemplo da promoção da democracia participativa na Argentina. Entretanto, o recente surto de tráfico de drogas e violência urbana tornaram mais prementes as razões para novas formas de engajamento. É neste contexto que a Universidade de Rosário envolveu os acadêmicos no orçamento participativo.

Existem três etapas para a elaboração do orçamento participativo na universidade. Primeiro, os Fóruns Universitário e de Faculdades abrem plataformas virtuais para receber propostas e compartilhar comentários e desenvolver ideias compartilhadas por outros (em 2021, 1.645 pessoas participaram e propuseram 226 ideias).

Na segunda etapa, uma Comissão Universitária e Conselhos Escolares participam da avaliação, do agrupamento e da elaboração das ideias em uma forma mais concreta. No ano passado, 198 participantes trabalharam em 94 ideias que foram transformadas em 18 projetos para a universidade e 25 para as faculdades que foram aprovadas por votação.

Na terceira etapa, as pessoas votam sobre os projetos que subsequentemente avançam. Em 2021, cerca de 4.169 pessoas votaram sobre os projetos.

História de sucesso global

A iniciativa em si segue uma longa tradição de democracia participativa na América do Sul. Na cidade de Porto Alegre, no sul do Brasil, foi lançado um processo para envolver as pessoas nas decisões financeiras locais durante a transição de um regime autoritário para uma democracia no final dos anos 1980.

O processo começou como um mecanismo para os cidadãos proporem e/ou debaterem, e finalmente decidirem sobre uma pequena percentagem do orçamento da cidade. Embora inicialmente promovido por partidários da esquerda, como do Partido dos Trabalhadores no Brasil, da Esquerda Unida no Peru ou da Frente Ampla no Uruguai, o processo logo se espalhou para cidades governadas por líderes de direita.

O Banco Mundial e outras instituições internacionais veem o orçamento participativo hoje como “boa prática”, observando que ele poderia ser uma ferramenta eficaz para combater a corrupção e fornecer conhecimento das demandas dos cidadãos e de possíveis soluções. Até o presente, o Atlas Global do Orçamento ParticipativoLink externo lista mais de 11 mil estudos de caso em 71 países.

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Os processos mais documentados, constituindo quatro em cada cinco daqueles listados no Atlas, estão baseados em países, que podem ser chamados de “democracias imperfeitas”. Além disso, o processo também é utilizado em cidades de países atualmente considerados como “autocracias”, como Budapeste ou Moscou. De acordo com o Atlas Global, “democracias plenas” podem não o orçamento participativo como uma ferramenta democrática importante devido às condições de vida melhores, e porque as pessoas em tais países têm altos níveis de confiança em suas instituições. A Suíça é considerada como uma democracia plena e não está incluída na lista de países praticando orçamento participativoLink externo. No entanto, o país possui mecanismos poderosos para envolver o povo na tomada de decisões financeiras.

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Na realidade, o orçamento participativo tem uma longa tradição em países com fortes instrumentos democráticos diretos em nível local e regional, como os Estados Unidos e a Suíça. Aqui os cidadãos podem submeter uma decisão do governo a um voto popular, reunindo um certo número de assinaturas. Em muitos casos, tais referendos também são obrigatórios se os gastos da cidade excederem um certo valor. 

A maioria dos cantões pratica referendos financeiros, que podem incluir tanto o voto popular obrigatório e/ou opcional sobre questões orçamentárias. Mas algumas cidades também dão ao povo uma voz na gestão financeira como no caso de Argóvia, por exemplo, uma cidade entre Berna e Zurique. A cidade realiza referendos obrigatórios sobre questões financeiras se os gastos forem de CHF6 milhões (US$ 6,1 milhões) ou mais. O povo também pode ter sua opinião sobre qualquer outro item do orçamento através de um referendo opcional, desde que 10% de todos os residentes se inscrevam para realizar uma votação no período especificado.

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Nova administração 

Em outros lugares, entretanto, a prática tem permanecido um processo de cima para baixo grandemente dependente da boa vontade dos líderes locais. Além disso, as limitações dos recursos financeiros disponíveis e as dificuldades, como a falta de um grupo diversificado de pessoas, às vezes prejudicaram a eficiência dos procedimentos do orçamento participativo. Estes são problemas que a Universidade Nacional de Rosário quer resolver. Sua nova iniciativa é de baixo para cima e envolve várias faculdades com o objetivo de ser tão inclusiva quanto possível.

“Foi uma novidade ter intercâmbios e poder cooperar com tantas pessoas diferentes”, diz José, um estudante de jornalismo e um dos participantes. Pinillos menciona que não se trata apenas de decidir sobre o destino de parte do orçamento, mas também de saber como os fundos são administrados, fornecer transparência e informação, e incentivar a busca de soluções inovadoras ligadas ao papel de cada pessoa, sejam eles estudantes, professores, pessoal administrativo ou graduados.

“É emocionante decidir sobre as despesas da faculdade”, confirma Lorena, estudante da Faculdade Agrotécnica. Os próximos passos incluem o envolvimento de mais pessoas e o aprofundamento da democratização das instituições. Lorena, José, Marta e muitos outros que se engajaram no orçamento participativo valorizaram a colaboração, o aprendizado com e de outros e o empoderamento que eles sentem ao atingir os objetivos. “Foi interessante ouvir a opinião de outras pessoas. Ao participar, conheci melhor minha universidade; ela abriu minha mente para novas idéias”, diz Marta, uma estudante de ciência política.

Adaptação: DvSperling

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