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Política ou benefícios? As jovens mães devem escolher

Femme avec un enfant dans la salle du conseil national
A deputada federal verde Irene Kälin na Câmara do Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) © Keystone / Anthony Anex

Na Suíça, as mulheres parlamentares enfrentam um dilema durante sua licença-maternidade. Se exercem suas funções políticas, são privadas de seus benefícios. Surgem então algumas soluções para esse problema.

Em 2018, Lea Steinle passou por um incidente que suscitou comoção internacionalLink externo. Na época deputada pelo Partido Verde em Basileia-Cidade, a jovem mãe estava no parlamento cantonal com seu bebê. Ela deixou o plenário para amamentá-lo. Quando quis voltar para a votação, o presidente não a deixou entrar. Lea Steinle não pôde votar. O argumento do presidente era que somente os parlamentares podiam estar presentes no recinto.

A democracia vive sua maior crise desde a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.

A longo prazo, devido à tendência ao autoritarismo e à autocracia que perdura há 15 anos.

A curto prazo, em razão da pandemia de Covid-19 e da invasão da Ucrânia pela Rússia.

A resiliência é um fator-chave no debate sobre como lidar com essa crise multidimensional. As democracias precisam fortalecer “de dentro” sua resistência e solidez para melhor enfrentar as ameaças.

Em nossa série, destacamos um princípio da democracia que ainda aparece pouco no debate sobre a resiliência: a inclusão.

Apresentamos pessoas que estão comprometidas com a “deep inclusion”, ou seja, a plena inclusão de todas as principais minorias. Também é dada voz aos opositores da ideia, que contam com o apoio da maioria política do país.

Nenhuma outra pessoa deve estar no plenário, nem mesmo aquelas que não podem falar nem andar.

“Eu não podia nem imaginar que seria um problema meu filho estar comigo num sling [faixa de pano para segurar o bebê no colo]”, explica Steinle. Depois do ocorrido, ela se sentiu com raiva e impotente. “As mães certamente são idealizadas, mas não são realmente consideradas como parte da sociedade.” Sem uma rede privada ou um contexto privilegiado, o trabalho político praticamente não é possível, continua. É uma situação lamentável, pois pode dissuadir algumas mulheres de se candidatarem às eleições.

Portrait de femme
A bióloga Lea Steinle serviu no parlamento do cantão da Cidade da Basileia de 2017 a 2020 como membro do partido verde. Keystone / Nils Fisch

Ao mesmo tempo, a campanha “Helvetia chama” para incentivar a participação das mulheres na política está dando frutos. As eleições de 2019 tiveram um número recorde de candidatas e representantes eleitas. A participação das mulheres aumentou 10%, atingindo o recorde histórico de 42%. Para as eleições de 2023, os presidentes de todos os partidos prometeram publicamente que iriam quebrar esse recorde. A Alliance F, a associação de organizações de mulheres, fala de uma “grande aposta para uma democracia melhor”.

Apesar desse avanço, o posicionamento da Suíça em relação à licença-maternidade permanece paradoxal. Se Lea Steinle tivesse ficado em casa com seu filho naquele dia, seu voto teria faltado. Em Basileia-Cidade, só há suplentes para reuniões de comissões. Mas, nos parlamentos, cada voto conta. Além da dimensão política, o dilema muitas vezes tem uma dimensão financeira. Na maioria dos parlamentos suíços, a licença-maternidade termina quando a jovem mãe começa a votar novamente. Mas não na Basileia.

Benefícios ou política?

Esse dilema é resultado de uma tradição da política suíça: os parlamentares não devem ser políticos profissionais. O ideal é o “político de milícia”. Inscrita na Constituição Federal no século XIX, a ideia do “sistema de milícias” é mais antiga do que o próprio Estado moderno. Os cidadãos, e mais tarde as cidadãs, deveriam exercer suas funções por convicção republicana e não como uma atividade remunerada.

É por isso que a atividade dos parlamentares é até hoje definida como um trabalho secundário. É verdade que, em âmbito nacional, cada vez mais políticos dedicam todo o seu tempo a suas atividades políticas. Mas, pelo menos oficialmente, os membros do Conselho Nacional teoricamente desenvolvem alguma atividade profissional além da política.

“Na Suíça, a tradição das milícias é tradicionalmente um elemento importante do sistema e da cultura. Sem ela, uma organização política em pequena escala dificilmente seria financeiramente viável”, explica Isabelle Stadelmann-Steffen, professora de política comparada na Universidade de Berna.

Um estudo da Universidade de Genebra concluiu em 2017 que um mandato parlamentar federal era equivalente ao custo aproximado de um emprego de meio período. Os conselheiros nacionais ganham uma média de CHF 90.000. É possível ter uma boa vida na Suíça com esse valor. Um vínculo com um parlamento cantonal, por outro lado, fornece apenas uma renda complementar. A nível comunal [equivalente ao municipal], o pagamento é mais como uma gorjeta. Por exemplo, os conselheiros municipais da pequena cidade de Brugg (Argóvia) recebem 50 francos por sessão. Stadelmann-Steffen destaca: “Um dos pontos fracos do sistema sempre foi o fato de que é preciso ser capaz de ‘arcar’ com uma função de milícia. Por um lado, financeiramente, mas também em termos de tempo disponível.”

Independentemente da questão de gênero, a professora se pergunta “até que ponto esse sistema baseado no trabalho não remunerado ainda é relevante e permite a vinculação de pessoas adequadas”.

No entanto, o trabalho parlamentar, que pode ser considerado romanticamente como serviço cívico, é nitidamente um trabalho do ponto de vista jurídico. De maneira talvez surpreendente, tendo em vista a tradição das milícias, o Tribunal Federal decidiu na primavera de 2022 que o trabalho parlamentar é um “exercício de trabalho integral”. O retorno ao trabalho marca assim o fim da licença-maternidade. A conselheira nacional do Partido Verde Liberal Kathrin Bertschy teve que reembolsar seus pagamentos de licença-maternidade porque ela havia participado de sessões parlamentares durante o período.

Kathrin Bertschy, que também é copresidente da Alliance F, declarou ao jornal alemão Tages-Anzeiger: “As mulheres parlamentares em licença-maternidade se veem então proibidas de exercer seus direitos democráticos.” Para a parlamentar originária de Berna, essa escolha é financeiramente sustentável. Mas para as mulheres com mandatos nos cantões e nas comunas, essa alternativa significa renunciar aos benefícios ou à política. Esse é um problema muito suíço, criado pela tradição que estabelece que a política deve permanecer sempre um trabalho secundário.

Os cantões de Zug, Lucerna, Basileia-Cidade e Basileia-Campo lançaram iniciativas cantonais para que as mães possam votar sem ter que renunciar sua licença-maternidade.

Voto por procuração e votação digital

Uma maneira de tornar a política parlamentar mais compatível com o cuidado de crianças pequenas de modo geral seria a introdução de suplentes. Os cantões do Valais, do Jura, de Genebra e de Neuchâtel já possuem tais sistemas. Os suplentes votam quando os parlamentares estão ausentes. A cientista política Isabelle Stadelmann-Steffen aprova essa alternativa: “Esse arranjo passa a mensagem de que ninguém é insubstituível e que um bom desempenho não requer uma presença permanente. Essa mudança de mentalidade é importante para que pessoas que têm problemas para conciliar sua vida privada e profissional possam assumir mais cargos de gestão.”

Cinco anos atrás, o Conselho Nacional decidiu contra a existência de suplentes no Parlamento Federal. O argumento decisivo foi que, segundo a Constituição Federal, existem somente 200 deputados no Conselho Nacional. Apenas uma emenda constitucional permitiria a introdução de suplentes. A moção havia sido apresentada pela conselheira nacional do Partido Verde Irene Kälin. Em 2018, a parlamentar da Argóvia já havia levado seu filho num sling para o Parlamento, antes mesmo de Lea Steinle, sem causar nenhum escândalo. O Palácio Federal não era, portanto, tão rígido quanto o parlamento de Basileia-Cidade.

A tolerância a crianças pequenas nos parlamentos varia muito de país para país. No parlamento da Austrália, os bebês eram proibidos até 2016. No ano seguinte, uma senadora do Partido Verde apresentou uma moção enquanto amamentava sua filha. Na Nova Zelândia, na Argentina e no Brasil, mães já amamentaram seus bebês durante debates parlamentares. No Reino Unido, no entanto, foi deixado claro novamente, no verão de 2022, que as crianças pequenas não eram bem-vindas no parlamento.

E também na Basileia, já houve presidentes de parlamento mais pragmáticos do que o responsável pelo “babygate”. Em 2017, seu antecessor direto era um político do Partido do Povo Suíço (UDC/SVP, direita conservadora). Ele tolerou um bebê no parlamento. Em Basileia-Cidade, a licença-maternidade não termina quando a parlamentar vota, mas somente quando recebe taxas de participação, o que reduz o dilema financeiro. Graças a uma regulamentação prevista, no futuro os políticos poderão votar digitalmente a partir de suas casas, se estiverem impedidos de fazê-lo pessoalmente devido ao trabalho, atividade militar ou emergências privadas. Ou justamente por causa da licença-maternidade.

Depois desse episódio, Lea Steinle também ouviu insinuações de que ela teria levado seu filho por razões financeiras. A política provou que este não era o caso quando encerrou sua carreira política pouco tempo depois, devido à “jornada tripla família – política – trabalho”.

A vontade de conciliar a maternidade e o trabalho parlamentar está cada vez maior na Suíça. As comissões competentes no Palácio Federal já aceitaram uma exceção à regra, de modo que as mães não arriscam mais sua licença-maternidade estando presentes no Parlamento. A política suíça também deve se questionar acerca da remuneração do trabalho parlamentar nas esferas locais. Essa discussão vai além da responsabilidade de cuidar de crianças pequenas.

Adaptação: Clarice Dominguez

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