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Suíços alinham 16 carros na histórica Mil Milhas

O Healey Silverstone, ano 1949, do canadense Marco Trevisan e do suíço Urs Ernst. swissinfo.ch

A corrida Mil Milhas reúne a nata da industria automobilística entre as décadas de 20 e 50, do século passado.

Proprietários de veículos históricos, dos cinco continentes, aproveitam o evento para tirar o máximo de seus carros de estimação pelas rodovias vicinais italianas.

O trajeto Brescia, Roma, Brescia, repetido desde 1927, com algumas pequenas modificações neste “autódromo” de dimensão territorial nacional, e poucas interrupções por causa da guerra.

A corrida dura três dias. Os suíços compareceram em massa neste ano. A frota helvética tinha 16 carros e dos 32 pilotos e co-pilotos, apenas 7 eram de outros países, dentre de um total de 377 carros inscritos.

Suíços não perdem

De um velho Bugatti Type 35, de 1925, da dupla Giacomo Foglia, suíço, e o navegador de Monte Carlo, Tim Bergold, até o Porsche 550 -1500 Rs, de 1956, pilotado pelo casal Michael e Carolina Feichtinger – única mulher helvética da competição – os suíços deram o ar da presença com carros que pareciam ter saído da fabrica naquele dia.

Os antigos veículos se recusam a ir para o ferro velho, aonde foram parar a grande maioria daqueles saídos das linhas de produção. Ainda mais quando tiveram a sorte de ter, por uma razão ou outra, parado na garagem de um zeloso colecionador e/ou apaixonado de design e mecânica.

Condições

A participação na Mil Milhas exige certificados históricos do veiculo, verdadeiras certidões de nascimento com o nome e sobrenome de todos os proprietários desde a primeira venda. Alem disso, os veículos devem estar em boas condições e, dentro do possível, com o maior numero de pecas genuínas.

Já dos pilotos e copilotos exige-se condição física e psicológica superior a de quem está acostumado com o conforto e tecnologia presentes nos carros de hoje. Afinal, rodar quase 1.600 Km em veículos de época é como cavalgar a pré-historia automobilística.

A maioria dos carros não tem porta-malas ou se existem são mais decorativos do que eficientes. Então o jeito é ser virar como podem. Alguns antigos modelos prevêem a amarração das bagagens com cintas de couro sobre a carroceria ou penduradas nas portas.

Na verdade, o bagageiro desses carros é um acessório de luxo, quase um “opcional” de fabrica. De fato, participam das Mil Milhas, na grande maioria, veículos esportivos com apenas dois lugares e, mesmo nos dias de hoje, o quesito “espaco para malas” desta categoria não evoluiu muito. E isso sem falar nos uniformes de corrida, como velhos macacões, gorros e luvas de couro, foulard em volta do pescoço, óculos redondos de tipo aviador dos anos 20, 30.

Saber um pouco de mecânica

Noções básicas de mecânica tambem são bem-vindas. Esses carros nasceram quando o computador de bordo nem estava na literatura da ficção cientifica.

Se hoje, uma luzinha no painel acende e indica aonde ocorre o problema, 60 anos atrás o motorista tinha que ter bons ouvidos para perceber se havia algo de errado no motor e um pouco de conhecimento para encontrar a solução. Simples ou complexa a questão era sempre mecânica. De virtual não se via nem a sombra no retrovisor. Pelo sim, pelo não, alguns carros participam da Mil Milhas com equipes de apoio, no caso do velho carrinho não agüentar o tranco.

Parece museu

Poucas horas antes da largada, o centro histórico de Brescia voltou no tempo. Na edição deste ano, os veículos ficaram espalhados pelas ruelas da cidade italiana. Ela parecia um museu de carros a céu aberto.

Bólidos de marcas famosas e ainda atuais como Fiat, Lancia, Ferrari, Porsche, Mercedes alinhavam-se com aquelas que já tiveram o seu passado como a Triumph, Osca, OM, Ermini e Cisitalia. Isso sem falar em Bentley, Jaguar e Aston Martin, marcas de carros construídos com elevado padrão de qualidade, no qual o artesanato ainda tinha um papel relevante no processo industrial. Um Jaguar XK120 foi feito totalmente em alumínio.


Um desses carros chamava a atenção. Era um autêntico Austin Healey 10 S, de 1955. A bordo, ele trazia duas gerações diferentes, separados por trinta anos mas unidos pelo amor de família e aquele pelos automóveis antigos.

O pai Vic Jacob e o filho Jan Jacob não viam a hora da largada. “Esta é a sexta vez que participamos. É sempre uma emoção diferente”, disse Vic Jacob à swissinfo. “Viemos de Saint Moritz (leste da Suíça), dirigindo, as estradas são boas. Acho que vai ser um belo passeio”, afirma ele sem maiores pretensões de vitória e ciente de fazer as curvas e percorrer as retas a poucos centímetros do chão. “Isto não tem preço”, afirma ele desconversando sobre o valor do seu carro histórico.

Ambiente de uma época revoluta

E este é o verdadeiro espírito da corrida, aquele de reviver as emoções de um automobilismo romântico, no qual o braço do piloto, a mecânica e o design dos carros é que contavam contavam.

A Mil Milhas resgata o prazer da lentidão de consultar um mapa, olhar uma bussola ou prestar atenção nas indicações das placas nas estradas. Um luxo para os ex-pilotos de F1 como David Coultard ou Mikka Hakinen-ex-campeao do mundo – ambos participantes da Mil Milhas para quem a vida sempre correu a 300 km/h em diferentes autódromos do mundo, a bordo de carros movidos a tecnologia e eletrônica.



Mas para isso eé necessário partir. Sabe-se qie carros velhos podem ser temperamentais. E eis que Talbot AV 105, de 1934, faz “capricho” e deixa a pé o prefeito de Moscou, Jurij Luzcov, pouco antes da largada. E a Ferrari 195 Gran Turismo Inter, de 1951, dos alemães Schimidt, pegou fogo, por causa de um curto circuito. Eles ficaram em Brescia, enquanto os participantes corriam em direção a Ferrara.

De lá, a caravana segue para Roma-com pernoire prevista de sexta para sábado – Siena, Florença, Modena, Cremona e Brescia, tudo isto descortinando paisagens de tirar o fôlego como o Coliseu na capital italiana, burgos medievais e cenários de ciprestes como aqueles que servem de sentinelas naturais dos burgos medievais espalhados pelas doces colinas na regiao da Toscana…

Controles do percurso

Ao todo são 39 postos de controle que cronometram o tempo de percurso entre as várias etapas. Em todos eles, os carros são cercados por curiosos, como nos velhos tempos.

A corrida nasceu em dezembro de 1926 por obra e graça de quatro italianos. A primeira prova foi um grande sucesso e a corrida não parou mais. Continua até hoje. E se nas primeiras edições elas eram vistas apenas por quem participava ou assistia da janela ou saia de casa para ver as ruas e calcadas transformadas em oficinas improvisadas, hoje, a tecnologia permite que cada admirador possa “correr” em tempo real, assistindo tudo atraves da internet.

Para a maioria dos concorrentes, o único tempo que importa é aquele meteorológico, mas nem este assusta o helvetico Urs Ernst e o canadense Marco Trevisan. Eles responderam com uma sonora gargalhada sobre a possibilidade de pegar chuva a bordo do Healey Silverstone, de 1949, sem capota. Uma risada apenas abafada pelo ronco do motor. Talvez, por isso, nenhum suíço tenha chegado entre os dez primeiros ao fim da primeira etapa.

Guilherme Aquino, Milão, swissinfo.ch

As imagens da competição estao disponíveis na rede através do serviço Google street view.

89 mulheres participam da Mil Milhas, entre pilotos e navegadores, sendo uma suíça.

O recorde da corrida é de Stirling Moss no volante e Denis Jenkison como co-piloto. Em 1955, a Mercedes “voou” baixo a 157,650 km/h. Mas os pilotos devem estar atentos para o risco de multa, não tanto pela vista grossa dos policiais mas sim pelos “pardais” espalhados na malha rodoviária. Nos centros urbanos a velocidade máxima permitida é de 50 km/h e nas rodovias vicinais 90 km/h.

A primeira edição contou com a participação de 67 escuderias. A dupla vencedora completou a prova com a média horária de 77 km/h e transformou a corrida num grande sucesso de público. Ainda hoje, os italianos se debruçam nas varandas e vão para os acostamentos assistir a passagem dos carros.



82 anos depois da primeira edição, a Mil Milhas mantem a sua atracao. Mesmo com altos e baixos devido a crise econômica, interrupcao por causa da guerra, a corrida sempre serviu como vitrine das grandes casas automobilísticas e de palco para duelos entre os pilotos.



Se paga uma taxa de inscrição de 5.775, euros, cerca de 18 mil reais. O pagamento cobre as despesas de de alimentação, três diárias em hotel com café da manha, e ainda os serviços de vigilância dos carros durante os pernoites e o mapa com o percurso da corrida com os seus cerca de 1.600 km. Para participar os carros devem ter,pelo menos, sido inscritos uma vez em edições precedentes.

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